Roberta Simões Nascimento
Professora adjunta na Universidade de Brasília (UnB). Advogada do Senado Federal desde 2009. Doutora em Direito pela Universidade de Alicante, Espanha. Doutora e mestre em Direito pela UnB.
Na última segunda-feira dia 11 de outubro, o ministro Ricardo Lewandowski negou seguimento ao MS nº 38.216, que havia sido impetrado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) contra a suposta demora do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), em pautar a apreciação da indicação do Sr. André Mendonça para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A notícia foi veiculada aqui.
As informações prestadas pela autoridade apontada como coatora – em peça cuja leitura se recomenda veementemente para a compreensão da dimensão da discussão – já indicavam que seria esse o desfecho, como noticiado aqui. Agora a questão parece estar sacramentada com a decisão monocrática do ministro Lewandowski.
Da ratio desse decisum, extraem-se pelo menos três importantes consequências. Em primeiro lugar, não há direito líquido e certo dos parlamentares violado pela suposta omissão do presidente da CCJ do Senado Federal ou, se se prefere, não há direito líquido e certo à marcação, sem demora, da data para a sabatina dos candidatos a ministro do STF.
Em segundo lugar, a marcação dessa data é matéria interna corporis do Congresso Nacional, insuscetível de apreciação judicial. Como sabido, nem a Constituição, nem o art. 383 do Regimento Interno do Senado Federal (RISF) preveem um lapso temporal que deva ser observado na convocação do candidato para a arguição pública.
Nada obstante tais omissões normativas, com a decisão tomada no MS nº 38.216, foram reconhecidos tanto o poder de agenda da Casa Legislativa, quanto a natureza eminentemente política dessa competência senatorial. O ministro considerou que o presidente da CCJ tem poder de agenda consistente no poder de ordenar e dirigir os trabalhos do colegiado.
Em terceiro lugar, não há que se falar em prevaricação do presidente da CCJ. Sim, com a chancela que se acaba de dar no MS nº 38.216, o retardamento da inclusão na pauta não poderá ser tipificado no art. 319 do Código Penal (“Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”).
Em coluna passada, já se comentou de forma geral sobre sabatinas de autoridades pelo Senado Federal, em especial quanto aos titulares de outros cargos que a lei determinar, nos termos da alínea d do referido dispositivo constitucional, que confere ao Senado um mecanismo típico do sistema de freios e contrapesos que garante a participação (e o controle) parlamentar no processo de escolha daqueles que ocuparão cargos de alto escalão, a partir da indicação do presidente da República.
Sobretudo no caso da escolha dos ministros do STF (art. 101, parágrafo único, da CF), é possível apontar ao menos três funções na missão do Senado Federal: em primeiro lugar, a já indicada função de controle prévio; em segundo lugar, a função de legitimação, consistente no respaldo democrático, conferido via representantes eleitos pelo povo, do candidato; e, em terceiro lugar, a função de orientação política, que também corresponde à representação popular.
Como se vê, a aprovação de autoridades pelo Senado Federal é uma atividade substancialmente diferente da função legislativa em sentido estrito (não se trata de legislar, nem há que se cogitar de uma violação ao devido processo legislativo), da função orçamentária, da fiscalização contábil, financeira e orçamentária ou das demais funções listadas aqui.
De modo específico, essa função de direção política (nesse ponto compartilhada com o poder Executivo) consiste no estabelecimento de diretrizes, de prioridades em matéria de políticas públicas, orientação da política nacional de modo geral, etc. Nesse caso da indicação de ministros do STF, trata-se de averiguar mais do que o simples “notável saber jurídico” e a “reputação ilibada” do candidato.
A partir do momento em que o sentido do texto constitucional depende (e muito) de quem o interpreta, torna-se imperioso também o escrutínio sobre o que pensa o candidato, pois isso condiciona o que de fato está em jogo, sobretudo do lado do presidente da República: a constitucionalidade das políticas públicas do governo.
A grande questão nessa matéria é que as diversas abordagens sobre a indicação de ministros do STF não resolvem os problemas que as instituições ainda precisam resolver. Na maioria das vezes, são feitas construções que mais atendem às posições ideológicas e não dão conta da politização desse tema. Há até mesmo um certo preconceito com a natureza política de certas competências como essa em questão do Senado Federal.
Por que será que os juristas menosprezam tanto a política?
Seja como for, o fato é que sequer do ponto de vista normativo seria possível conceber uma escolha fora da dinâmica da política (por mais que os aspectos pessoais do candidato também importem). Sobre essa questão, convém recordar que tais aspectos que influenciaram a indicação não necessariamente determinarão a atuação do futuro ministro.
Aqui, convém reproduzir as palavras de Gustavo Zagrebelsky comentando sobre a realidade do Tribunal Constitucional italiano: “Naturalmente, no momento da escolha quem designa ou nomeia o faz com base em uma avaliação sobre a pessoa, uma avaliação de diversos aspectos, inclusive os relativos a atividades anteriores. Mas essa avaliação não estabelece uma relação bilateral: o indicado ou nomeado não tem nada a "devolver" e, se necessário, é bom que ele ou ela o diga imediatamente. Nos Estados Unidos, falou-se de "ingratidão forçada": o juiz recém-nomeado demonstrava sua independência ao dar uma opinião diferente daquela esperada pelo presidente que o havia nomeado.”[1]
Dito de outra maneira, a legitimidade da origem que espelha uma indicação chancelada pela maioria parlamentar não se confunde com a legitimidade que só o exercício no cargo com independência poderá conferir, essa, sim, a que verdadeiramente importa.
É claro que determinados candidatos podem, de antemão, gozar de um prestígio suficiente a ponto de reunirem em torno de si um apoio generalizado entre os senadores. No entanto, quando o bloqueio de um nome se dá por razões políticas, é nesse mesmo terreno que a questão deve ser resolvida.
Por isso, considerações estritamente jurídicas têm pouco a oferecer na problemática senatorial. Por outro lado, o “jurídico” poderia, sim, jogar luzes sobre os impactos que a vacância do cargo de ministro do STF gera no funcionamento da corte.
Em primeiro lugar, tem-se a paralização dos processos que compunham o acervo do ministro Marco Aurélio, cuja aposentadoria gerou a vaga. Pedidos urgentes podem ser conhecidos pelo presidente ou distribuídos a outros ministros, mas, ainda assim, há um desfalque e um prejuízo às ações paradas.
Em segundo lugar, tem-se o prejuízo na distribuição de novos processos, que ainda não podem contar com o futuro ministro, de modo que as ações recém-ajuizadas são divididas só entre os ministros que já estão na corte, o que acarreta uma sobrecarga no trabalho dos atuais ministros.
Em terceiro lugar, registra-se o que talvez seja o problema mais grave de todos: a vacância do cargo de ministro do STF acentua o problema dos empates nos julgamentos. O Regimento Interno do STF (RISTF) disciplina a questão só em algumas poucas situações. Antes de examiná-las, convém registrar a que seria a melhor solução: a que constava do art. 40 revogado pela Emenda Regimental nº 35/2009.
A redação original do art. 40 do RISTF previa: “Para completar quórum no Plenário, em razão de impedimento ou licença superior a três meses, o Presidente do Tribunal convocará Ministro licenciado, ou, se impossível, Ministro do Tribunal Federal de Recursos, que não participará, todavia, da discussão e votação das matérias indicadas nos arts. 7º, I e II, e 151, II.”.
Após a Constituição de 1988, com a extinção do Tribunal Federal de Recursos, tal convocação regimental chegou a recair sobre ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não parecia existir um problema com essa prática, expurgada com Emenda Regimental nº 35/2009.
Um dos casos mais célebres dessa convocação de membros do STJ para completar o STF foi o MS nº 21.689, impetrado pelo então já ex-presidente Fernando Collor contra a pena de inabilitação para o exercício de função pública por 8 anos que lhe fora aplicada nos termos do art. 52, parágrafo único, da CF.
O julgamento contou com a participação dos ministros José Dantas, Torreão Braz e William Patterson, do STJ, em substituição aos ministros Sydney Sanches, que se declarou impedido, e Francisco Rezek e Marco Aurélio, que se declararam suspeitos.
Sem dúvidas, a convocação nos moldes do antigo art. 40 do RISTF seria a alternativa que acabaria com os casuísmos na solução dos empates e oportunizaria julgamento “real”, isto é, deliberação efetiva, e não mero critério para definição do resultado nos casos de empate.
Para perceber a falta que esse dispositivo faz, basta fazer o contraste com as regras remanescentes do RISTF (arts. 13, inciso IX; 146; 150; e 250), cujas contradições, incoerências e inobservâncias na própria jurisprudência do STF ficarão para uma próxima coluna.
Como paralelo, vale registrar que o STJ conta com a previsão regimental que permite a convocação de desembargadores para compor provisoriamente a corte. Conforme o art. 56 do Regimento Interno do STJ (RISTJ): “Em caso de vaga ou de afastamento de Ministro, por prazo superior a trinta dias, poderá ser convocado Juiz de Tribunal Regional Federal ou Desembargador, sempre pelo voto da maioria absoluta dos membros da Corte Especial.”.
Em atendimento a essa previsão, atualmente estão convocados o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) Olindo Herculano de Menezes, em função da aposentadoria do ministro Nefi Cordeiro, e o desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TFR5) Manoel de Oliveira Erhardt, para ocupar provisoriamente a vaga do ministro aposentado Napoleão Nunes Maia Filho.
Essa lógica faz todo o sentido, especialmente em se considerando que o próprio STJ decidiu não haver pressa na indicação dos nomes para os cargos vagos. No último dia 09 de agosto, a corte entendeu por aguardar o retorno presencial das sessões para votar a indicação dos candidatos que constarão das listas a serem enviadas ao presidente da República (confira aqui).
Recorde-se que, pelo art. 104 da CF, o STJ conta com 33 ministros, com a seguinte composição: 1/3 dentre juízes dos TRFs e 1/3 dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal; e 1/3, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94 da CF.
Assim, é elaborada uma lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes, a partir da qual o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao presidente da República, que escolherá um de seus integrantes para nomeação.
Na prática, a dinâmica em curso no STJ permite que a corte controle não só o tempo (determinante para a definição de quem serão os indicados na lista), mas também a escolha de quem compõe a corte provisoriamente.
Então, voltando ao tema central de hoje, todo o imbróglio envolvendo a indicação do presidente da República feita na Mensagem n° 36/2021 serve para que se perceba que nem os juristas, nem parlamentares via judicialização, nem os ministros conseguirão resolver o impasse por questões políticas.
Por isso, nesse contexto, o melhor cenário seria o retorno de regra semelhante à que constava da redação original do art. 40 do RISTF, pois, com a decisão no MS nº 38.216, a perspectiva é a de que a indefinição possa se arrastar ainda mais. Com a regra indicada, ao menos seriam atenuados os problemas gerados no funcionamento da corte pela demora e prestigiados julgamentos com verdadeira maioria de votos no lugar de meros critérios de desempate.
Assim, fica a lição: não existe hora marcada para o candidato indicado se tornar ministro do STF, nem ocupar qualquer outro cargo cuja sabatina e nomeação dependa do aval do Senado Federal.
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[1] No original: “Naturalmente, en el momento de la elección quien designa o nombra lo hace basándose en una apreciación en la que se valoran distintos aspectos, también los relativos a las actividades desarrolladas anteriormente. Pero esta apreciación no establece una relación bilateral: el designado o nombrado no tiene nada que “devolver” y, si es necesario, es bueno que lo diga inmediatamente. En los Estados Unidos se hablaba de “obligada ingratitud”: el juez recién nombrado demostraba su independencia dando una opinión distinta a la esperada por el presidente que le había nombrado” (ZAGREBELSKY, Gustavo. Principios y votos. El Tribunal Constitucional y la política. Madrid: Trotta, 2008, p. 51).