Yasser Gabriel
Professor da FGV Direito SP. Doutor em direito administrativo pela USP. Mestre pela FGV Direito SP. Advogado em São Paulo
Chama-se detração o abatimento do tempo da prisão cumprida provisoriamente no tempo da prisão definitiva (art. 42 do Código Penal). A medida temporária, tendo efeitos semelhantes aos da definitiva, e decorrendo da mesma conduta irregular, não pode ser desconsiderada. Afinal, pragmaticamente, a restrição de direitos do sancionado iniciou-se no momento da prisão provisória.
O conceito de detração talvez tenha relevância em outro contexto se considerado que leis brasileiras previram sanções a serem aplicadas em diferentes esferas punitivas com efeitos práticos semelhantes. Exemplo é a proibição para contratar com a administração: uma mesma irregularidade pode levar à aplicação de sanções com esse efeito pela própria administração, pelo Judiciário e pelo Tribunal de Contas da União.
Mesmo sendo instituições independentes, se suas competências sancionadoras não forem exercidas com alguma integração, pode-se ter um quadro de desproporcionalidade.
Aplicadas em momentos distintos e sucessivos, proibições que deveriam vigorar por até dois anos, por exemplo, podem, na prática, deixar o sancionado impedido de disputar contratos públicos por mais tempo.
A discussão chegou ao Plenário do TCU. Uma das questões do acórdão 148, de 2020, dizia respeito a empresa proibida de contratar com a administração pelo tribunal após ter sido punida com sanção de efeito semelhante pela Controladoria-Geral da União. A empresa argumentava que, ao aplicar a sanção, o TCU deveria considerar a sanção da CGU. O fundamento seria, por analogia, o art. 42 do Código Penal, tendo sido lembrado que o órgão recorre ao direito penal para suprir lacunas normativas na atividade sancionadora.
O argumento não foi aceito ante a “ausência de previsão legal para adoção do instituto da detração para cumprimento da penalidade do art. 46 da Lei 8.443/1992”, que fundamenta a proibição para contratar pelo TCU. Há dois problemas nessa justificativa.
Primeiro: ignora jurisprudência do Plenário do órgão (acórdão 1408, de 2014), em que se deixou de declarar inidônea empresa justamente porque ela havia sido impedida de contratar com a administração pela CGU, em decorrência da mesma irregularidade, e pelo impedimento vigorar por período superior a cinco anos, o máximo permitido à sanção na jurisdição de contas. O tribunal assentou que, caso sancionasse, haveria bis in idem em função dos efeitos práticos gerados.
Segundo: ignora a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que estabelece que sanções aplicadas por autoridades administrativas, judiciais e controladoras devem considerar, em sua dosimetria, as demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato (art. 22, §3º). Existe, portanto, norma determinando a incidência da lógica da detração às sanções do TCU.
O Brasil optou por dotar diversas autoridades com competência sancionadora sobre a mesma irregularidade. Concordar ou não com o modelo pouco importa, pois é ele que vige. Mas independência institucional não justifica autoalienação das esferas punitivas. Se um agente pode ser repreendido por várias sanções com efeitos semelhantes, é necessário cuidado para que punições exacerbadas, constitucionalmente vedadas pela necessidade de individualização e proporcionalidade da pena, não ocorram.
O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça: