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Administração pública

Novo entendimento do TCU sobre parcerias entre estatais e setor privado

Decisão regulamentou parcerias entre estatais e empresas privadas e as formas de controle nessas formações societárias

TCU
Prédio do Tribunal de Contas da União. Crédito: Leopoldo Silva/Agência Senado

Em dezembro de 2022, o Tribunal de Contas da União (TCU) prolatou o Acórdão 2.706/2022-Plenário, de relatoria do ministro Bruno Dantas, que se caracteriza como uma decisão de grande relevância para toda a administração pública brasileira, a qual definiu aspectos essenciais para as parcerias entre empresas estatais (empresas públicas e sociedade de economia mistas) e parceiros privados.

O caso concreto tratou de acompanhamento dos desinvestimentos de uma empresa pública com foco no processo nas parcerias estratégicas e teve o objetivo de analisar a legalidade e a legitimidade dos processos de formação dessas parcerias quanto a natureza jurídica das novas joint ventures (JV) e a outros aspectos societários.

Um dos aspectos analisados pelo TCU refere-se à identificação de qual regime jurídico – o da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) ou o da Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.) – deve ser aplicado às sociedades resultantes desses acordos (joint venture ou qualquer outra forma de associação), caso sejam formadas com controle compartilhado entre o parceiro privado e a estatal ou alguma subsidiária da estatal.

Previamente à conclusão do TCU a respeito de qual regime jurídico deveria ser aplicado a essas novas formações, o relator do processo enfatizou expressamente que “(...) não é o fato de se sujeitar aos preceitos específicos do direito público (licitações, concursos públicos e prestação de contas aos órgãos de controle) ou aos do direito privado que facilitará, ou dificultará, a criação de arranjos acionários fraudulentos entre empresas estatais e parceiros privados”.

Afinal, aquele tribunal já analisou casos em que empresas estatais e suas subsidiárias utilizaram em suas parcerias estratégicas, tanto do regime de direito público quanto do de direito privado, para cometerem atos irregulares.

O posicionamento daquela Corte de Contas quanto ao tema ora tratado foi no sentido de que:

“(...) o regime jurídico societário das novas sociedades formadas (também denominadas, empresas público-privadas) é o da Lei 6.404/1976, salvo as disposições expressas em sentido diverso na Constituição Federal e na Lei das Estatais. No caso específico das formas possíveis de controle, ante o silêncio dessa última, aplica-se o conceito de controle material da influência dominante (preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores), previsto no artigo 116 e no §2º do artigo 243 da Lei 6.404/1976, ainda que o controle acionário da estatal se origine de participação minoritária no capital social da companhia controlada”.

No voto de relator, ficou clara a divisão entre as diversas formas de composições societárias, conforme abaixo:

  • a estatal detém participação majoritária no capital votante (maioria das ações com direito a voto – ações ordinárias). Nesse caso, não há qualquer dúvida de que a nova formação se trata de uma subsidiária, estando estritamente sujeita aos institutos de direito público previstos na Lei das Estatais e demais normativos (procedimento licitatório, contratação de pessoal por concurso público e prestação de contas aos órgãos de controle);
  • a estatal detém participação minoritária no capital votante (minoria das ações com direito a voto), porém dispõe de instrumentos que denotam sua influência dominante sobre a empresa resultante dessa parceria. Nesse caso, deve-se analisar a existência de controle material (influência dominante), ou seja, identificar os reais controladores para fins de deveres e responsabilidades. Tal avaliação deve ser feita em cada caso concreto, com a análise dos acordos de acionistas e/ou estatutos sociais.

Configurada a existência de controle material em determinada parceria (influência dominante), tais empresas público-privadas deverão atender ao interesse público para o qual foram criadas e sujeitar-se-ão aos princípios a que se submete a administração pública, assim como à fiscalização pelos órgãos de controle. Essa fiscalização se dará em relação aos atos de administração praticados pelo parceiro público no arranjo (empresa estatal ou subsidiária da estatal), em especial no exercício dos direitos, deveres e prerrogativas que lhe forem conferidos;

  • a estatal detém participação minoritária no capital votante (minoria das ações com direito a voto), sem qualquer elemento que configure influência dominante do sócio estatal sobre a empresa resultante dessa parceria. Nessa situação, o regime jurídico a ser aplicado é integralmente privado, sujeitando-se essas novas sociedades somente à Lei das S.A., não se lhes aplicando os princípios da administração pública, nem quaisquer das características próprias das entidades públicas. Também não se admite que ela seja beneficiária de qualquer vantagem decorrente da qualidade do sócio estatal, como a dispensa de licitação.

No caso concreto da parceria analisada pelo TCU naquele processo, foi identificado que a entidade pública detinha 49,99% das ações com direito a voto, ou seja, participação minoritária do capital votante. No entanto, detinha 75% do capital total (ações ordinárias + ações preferencias) e exercia poder de controle por meio de direitos que lhe asseguravam o domínio nas deliberações sociais ou o poder de eleger a maioria dos administradores (influência dominante). Dessa forma, ficou caracterizada a segunda hipótese acima mencionada – estatal com participação minoritária no capital votante, mas com controle material por influência dominante.

Apesar do entendimento do TCU naquele caso concreto, o relator do processo entendeu que aquela Corte de Contas deveria: 1) estudar mais profundamente o tema, com o intuito de avançar ainda mais nas questões societárias, envolvendo as parcerias entre estatais; e 2) avaliar cada parceria de forma individualizada. Por conseguinte, determinou que a área técnica daquele órgão criasse grupo de trabalho, em conjunto com atores externos ao TCU, com vistas a “delinear critérios objetivos à identificação da influência dominante de uma estatal em um grupo societário na qual aquela entidade pública tenha participação minoritária nas ações com direito a voto”.

Por fim, o relator destacou em seu voto de que "aquela decisão atenua as preocupações acerca do balanço entre o desempenho das parcerias no cenário competitivo em que estão inseridas e o controle do poder público sobre os atos das empresas estatais, bem como representa um passo a mais no amadurecimento das questões afetas à matéria".

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A opinião dos autores não reflete necessariamente a opinião dos órgãos aos quais estão vinculados.logo-jota