Hyndara Freitas
Foi repórter do JOTA em Brasília, quando cobriu Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Antes, foi repórter no jornal O Estado de São Paulo
A reportagem foi alterada às 10h20 de 6 de julho de 2022 para corrigir o ano de criação do INPI, que é 1970 |
O tempo de espera para a análise de patentes no Brasil é tido hoje como o maior dos percalços para a inovação no país, sustentam players do setor, que abrange instituições, empresas e pessoas interessadas em criar novos produtos e tecnologias nas mais diversas áreas.
E para alguns desses representantes ouvidos pelo JOTA, garantir a autonomia financeira do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é essencial para melhorar esse cenário.
Outro desafio apontado é a necessidade de atualização de alguns pontos da Lei de Propriedade Industrial (LPI), que foi promulgada em 1996 e traz algumas travas a determinadas áreas.
O INPI é uma autarquia criada em 1970 e cabe à instituição analisar e registrar marcas, patentes, desenhos industriais, entre outros. É um órgão considerado superavitário: arrecada muito mais do que gasta.
O problema é que o instituto não fica com todo o dinheiro que é arrecadado a título de taxas de depósito, análises e anuidades. Na prática, o dinheiro vai para o Ministério da Economia, que depois reverte apenas uma parte desse valor para o próprio INPI.
Em 2021, por exemplo, a autarquia arrecadou mais de R$ 514 milhões, que foram para a conta única do Tesouro Nacional. Desse valor, foi destinado ao INPI cerca de R$ 278 milhões, entre repasses para despesas discricionárias e para pagamentos de salários, que representam 54% do arrecadado, uma disparidade que se repete há anos.
Sem os recursos necessários, o órgão responsável por analisar as patentes no Brasil tem falta de examinadores e de sistemas de tecnologia adequados para analisar toda a demanda de pedidos que recebe.
“O país precisa de um órgão de patentes eficiente, aparelhado, com autonomia financeira. Os exames de patentes exigem instrumentos informáticos, inteligência artificial, servidores, tecnologia, mas nada disso o INPI está podendo fazer”, avalia o presidente da Associação Brasileira Propriedade Intelectual (ABPI), Gabriel Leonardos.
Foi a ABPI quem levou o tema à Justiça, por meio de uma ação civil pública. Em abril, a 31ª Vara Federal do Rio de Janeiro condenou a União a aumentar os repasses do INPI, para que ele possa dar andamento ao plano de construção de um novo sistema de tecnologia da informação.
O prazo para a União cumprir a decisão é de 90 dias, mas o valor exato depende da apresentação de um plano detalhado pelo INPI, no qual o órgão deverá explicar o que precisa para melhorar os fluxos e a eficiência em sua prestação de serviços. A União recorreu e o tema será examinado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), ainda sem data definida.
Essa ação é acompanhada de perto pelos especialistas na área de patentes, pois tem o condão de provocar mudanças estruturantes no INPI, no modo como ele funciona e na concretização de medidas para melhorar seus serviços, o que impactará todas as pessoas, instituições e empresas que investem em inovação.
Eduardo Dannemann, sócio do Dannemann Siemsen, escritório especializado em propriedade industrial e intelectual, diz que se o INPI tivesse autonomia financeira, “certamente os valores que são pagos em taxas poderiam ser usados pelo instituto para se aparelhar e aumentar seu corpo técnico". Para ele, o instituto é “altamente qualificado”, mas não consegue cumprir prazos razoáveis justamente pela limitação de recursos humanos, financeiros e tecnológicos.
Antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5.529 em 2021, na qual se discutia a validade da extensão de prazo de patentes em caso de demora do INPI, a autarquia informou ao tribunal que o grande tempo de espera na análise dos pedidos se devia justamente à deficiências no quadro de servidores e em inteligência artificial.
Para o presidente da ABPI, a falta de autonomia financeira do INPI é um “absurdo jurídico”, porque as taxas que os depositantes de patentes e marcas pagam para ter seus pedidos analisados são consideradas “preço público”, ou seja, um tipo de arrecadação do Estado que tem que ser revertido obrigatoriamente para a prestação do serviço.
“Você não pode usar o resultado do preço público para outros fins, porque para isso existem os tributos, os impostos, contribuições parafiscais. Se não, eu estaria criando um tributo sobre inovação, o que não faz sentido nenhum. Se o INPI pudesse utilizar toda a arrecadação que produz, conseguiria ter os mesmos prazos internacionais, com uma qualidade grande. Mas não consegue porque há 30 anos o governo federal desvia, furta, rouba, usurpa o dinheiro do INPI”, destaca.
Para alguns, o ideal seria transformar o INPI em agência. Para outros, não há problema no estatuto jurídico de autarquia – o importante é que o instituto pudesse ficar com aquilo que arrecada, ou ao menos que recebesse repasses maiores.
O advogado Otto Licks, sócio do Licks Advogados, especializado em propriedade industrial, afirma que seria essencial para o desenvolvimento da inovação no país essa mudança “para que haja no INPI um processo administrativo melhor do que o que nós temos hoje”. Ele ainda acredita que, com um sistema mais célere de aprovação de patentes, o Brasil poderia ter um interesse em desenvolvimento tecnológico maior do que há hoje.
“O INPI é uma autarquia, ele foi criado nos 1970, não é uma agência, como as criadas na década de 1990, como a Anvisa e outras. E os processos administrativos, os pedidos de patente acabam andando dentro do INPI dentro de uma governança que hoje em dia não alcança mais os padrões que vemos em outras agências”, opina
Bruno Lopes Holfinger, sócio do Dannemann Siemsen, destaca que o INPI tem atualmente 270 examinadores, um número "ínfimo" se comparado a outros países. “A gente tem um problema que não é dos operadores do órgão, mas é da própria União, que não repassa, ela cria uma barreira, ela impede que o INPI seja aprimorado”, opina.
Em sua visão, essa demora faz com que pessoas que investem em inovação nem sempre queiram depositar patentes no Brasil. “Obviamente, o desenvolvedor, tanto de fora quanto o nacional, não investem em inovações aqui porque não sabem quando vão ter essa garantia concedida”, acrescenta.
A Lei de Propriedade Industrial (LPI) (Lei 9.279) foi promulgada em 1996 e há alguns especialistas da área de patentes que argumentam que determinados artigos deveriam ser atualizados, a fim de abarcar novas tecnologias.
Um ponto citado por alguns players como algo que precisa de revisão são as regras para exploração de patentes biológicas. O inciso IX do artigo 10 da lei prevê que não podem ser patenteados “o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza”, ainda que as substâncias sejam isoladas em laboratório, nem processos biológicos naturais.
Para o presidente da ABPI, seria positivo ao menos mudar a interpretação deste dispositivo durante o exame de pedidos de patentes relacionadas a substâncias biológicas ou da biodiversidade. “O INPI adota, em comparação a outras jurisdições, um posicionamento muito restritivo em relação à proteção de invenções biotecnológicas”, afirma.
Um exemplo mais simples, mas muito próximo à realidade nacional, é o entendimento do INPI de que extratos isolados de material biológico, mesmo que enriquecido de determinadas frações ou compostos (e que, portanto, já passaram por uma metodologia e uma modificação em relação ao extrato puramente isolado), não são patenteáveis”, exemplifica Leonardos.
As diretrizes do órgão preveem que a intervenção só é considerada suficiente para tornar a matéria patenteável quando há manipulação genética – se o pesquisador enriquece o extrato com alguma substância via métodos de isolamento ou mais laboratoriais, o INPI entende que houve “simples fracionamento”.
Na visão de Licks, o inciso IX do artigo 10 precisa “ser revogado ou seriamente revisto”, bem como é preciso possibilitar que possam se tornar patenteáveis “plantas transgênicas e parte das mesmas", que "são aceitas por outras jurisdições como, por exemplo, EUA, Europa e Japão”.