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três poderes

Todo mundo pode acessar o Supremo?

Restringir atuação de partidos minoritários no controle abstrato parece mais uma medida centralizadora do poder de siglas maiores do que proteção da estabilidade institucional

Adeildo Oliveira
13/07/2025|05:45
STF Congresso
Crédito: Wallace Martins/STF

Na última semana, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmou que “todo mundo pode acessar o Supremo”.[1] O assunto, conforme Alcolumbre, é um "problema seríssimo" que precisa ser discutido "com urgência".[2]

A fala se deu durante uma sessão do Congresso, quando ele defendeu a limitação da atuação de partidos com pouca representação parlamentar no controle abstrato de constitucionalidade. Aparentemente, para Alcolumbre, esses partidos não deveriam acionar o STF para questionar decisões já aprovadas pelo parlamento, pois isso fragiliza a legitimidade do processo legislativo e transfere para o Judiciário um papel que deveria ser eminentemente político.

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O debate não é novo no Brasil. Tanto na doutrina especializada, quanto no parlamento, existem propostas de limitação da atuação dos partidos com menor representatividade na jurisdição constitucional concentrada.

Na doutrina, Mendes e Streck destacam que a inexistência de qualquer pertinência temática como requisito de legitimidade para o ajuizamento das ações diretas aos partidos políticos configura “sério risco de banalização da legitimidade de propositura”. Por isso, propõem “[...] que se convertesse o direito de propositura dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional em direito de propositura de um determinado número de deputados ou de senadores”.[3]

Na mesma direção, Trindade faz um rico levantamento bibliográfico da literatura nacional e internacional, comparando experiências estrangeiras e destacando que, em diversos países, há exigência de representação parlamentar mínima para partidos poderem acessar as cortes constitucionais.[4]

No Congresso, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) apresentou um Substitutivo ao PL 3640/23, que busca atualizar a regulamentação das ações do controle concentrado. Ele propôs o acréscimo de um dispositivo, considerando com representação no Congresso Nacional apenas o partido político que tenha atingido a cláusula de desempenho prevista no § 3º do art. 17 da CF/88.[5]

Na teoria, a proposta busca assegurar estabilidade institucional e segurança jurídica. Ao impedir que partidos com pouca representatividade usem o controle abstrato como estratégia política, fomenta-se a harmonia entre os Poderes e o respeito ao processo legislativo democrático. Assim, evita-se que decisões legítimas do parlamento sejam constantemente questionadas judicialmente, o que favorece um ambiente institucional mais estável e previsível.

Além disso, a restrição viabiliza uma racionalização do acesso ao STF, diminuindo a sobrecarga processual e permitindo que a corte concentre seus esforços em demandas “mais representativas” em torno da leitura constitucional. Nessa perspectiva, o STF ganharia em efetividade, celeridade e legitimidade, podendo oferecer respostas mais consistentes à sociedade, pois a redução da sua atuação nos questionamentos constitucionais das minorias parlamentares favoreceria a qualidade e a autoridade das decisões proferidas, desgastando menos a corte.

Por fim, ao exigir uma base parlamentar minimamente expressiva como condição de legitimidade, garante-se que apenas partidos “efetivamente” representativos possam questionar normas perante o STF. Dessa forma, preserva-se a ideia de que decisões políticas devem refletir a vontade da maioria, evitando que a arena judicial se torne palco para minar escolhas feitas pelo parlamento e legitimadas pelo voto popular.

As razões aparentes que levam a tais entendimentos são constitucionalmente legítimas, mas não são as únicas leituras possíveis. Na linha Häberle, ou seja, de uma “sociedade aberta dos intérpretes da constituição”[6], há outros olhares hermenêuticos.

Bonavides defende que “A latitude de iniciativa da sindicância de constitucionalidade, em se tratando da via direta, é decisiva para marcar-lhe a feição liberal ou estatal, democrática ou autoritária, em ordem a determinar se o controle se faz com o propósito de atender aos fins individuais ou aos interesses do Estado [...]”.[7]

Tal interpretação parece ser resultado do quadro de efetiva implantação do controle abstrato no Brasil, após a EC 16/65. Nesse período, apenas o procurador-geral da República tinha legitimidade para ajuizar a então representação de inconstitucionalidade.

Barroso ensina que, entre 1965 e 1988, a deflagração do controle abstrato de constitucionalidade pelo PGR era da plena discricionariedade do chefe do MPF. Posição que, apesar das vozes destoantes, era institucionalizada no STF.[8] Por sinal, Mendes e Branco destacam que “poucas questões suscitaram tantas e tão intensas discussões quanto a da eventual discricionariedade do procurador-geral da República para oferecer ou não a representação de inconstitucionalidade [...]”.[9]

Entendo que a polêmica gira em torno do fato de o PGR ocupar cargo de confiança do presidente da República, o que assegurava o controle do ajuizamento das ações do controle concentrado por parte do Executivo durante os anos da ditadura.[10] Com a CF/88, foi suprimido o monopólio até então desfrutado pelo PGR, fato reconhecido como uma das mais impactantes alterações trazidas pelo constituinte originário na jurisdição constitucional.

Além do argumento de Bonavides, entendo que os princípios republicano e democrático, bem como a sistemática de proteção das liberdades constitucionais e do pluralismo político caminham na direção da ampliação dos mecanismos de controle jurídico sobre o Estado e seus agentes, não no da sua restrição.

A CF/88 consagra o pluralismo político como elemento central da nossa democracia, reforçando a importância dos partidos e da participação de diferentes vozes (art. 1º, V c/c art. 17). Logo, permitir que bancadas menores participem do controle concentrado fortalece a representatividade dos interesses de grupos “ultraminoritários”, mas social e constitucionalmente relevantes. Essa abertura promove um debate público mais plural e protege interesses que poderiam ser silenciados no espaço político majoritário.

É possível que se defenda que esses partidos possam ser instrumentalizados por grupos de interesse pouco republicanos. Concordo. Porém, a deturpação operacional de uma medida democrática jamais poderá ser o pretexto para destruí-la. O caminho é o seu aperfeiçoamento, não a sua exclusão.

Suspeito que, por trás desse “receio”, há uma armadilha política: restringir a atuação de partidos como o PSOL na jurisdição constitucional. Esses partidos, não apenas o PSOL, encontram vazão para os seus interesses na postura institucional do STF.

Algumas vezes, eles levam para a arena judicial desacordos morais ou políticos razoáveis que devem ser resolvidos na esfera parlamentar. Fato. Porém, outras vezes, são vozes que questionam medidas inconstitucionais como o orçamento secreto. Penso que o custo-benefício democrático compensa, notadamente porque essa problemática pode ser resolvida a partir de uma postura de autocontenção do STF.

Outros alegam, inclusive ministros do STF, que a corte não é ativista, pois ele só julga se for provocada. Aqui, parece haver uma compreensão inadequada da ideia de inafastabilidade da jurisdição. Afinal, não é porque temos o direito de acionar o Judiciário que ele deve nos atender. Pela mesma razão, não é porque partidos “nanicos” acionam o STF que ele deve necessariamente atendê-los. Ou seja: o acesso deve ser garantido, o resultado favorável, só se a Constituição albergar os interesses.

Diz-se por aí que são muitos os legitimados ativos no controle de constitucionalidade concentrado. Será? Em um país de dimensões continentais com mais de duzentos milhões de habitantes, com tantas variações regionais e tantos outros interesses complexos, o caminho mais democrático e favorável às instituições democráticas seria o que restringe a interpretação constitucional? Penso que não.

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Não entendo o rol de legitimados como abrangente ou que todos podem acessar o STF. Longe disso. Primeiro, porque a própria corte possui sua jurisprudência defensiva sobre o assunto, limitando o acesso a ela com a criação de requisitos não expressos na CF/88, como é o caso da necessidade de pertinência temática para alguns dos legitimados ativos (art. 103, IV, V e IX).

Segundo, porque, em uma sociedade complexa como a brasileira, com todas as variáveis demográficas, políticas, culturais, econômicas e regionais, o atual rol taxativo de legitimados do art. 103 da CF/88 aparece não como uma via aberta a qualquer um, mas como uma ferramenta razoável para assegurar a supremacia constitucional e a defesa da ordem jurídica.

Mais eficaz que excluir uma via de acesso à corte – que pode servir à interesses republicanos em vários contextos – é exigir dela uma postura de autocontenção por meio dos canais institucionais e sociais disponíveis. Já existem ferramentas constitucionais para isso. Se preciso for, pode-se criar mecanismos de freios e contrapesos que possibilitem o equilíbrio de forças.

Por último, não entendo a eventual restrição do rol de legitimados do art. 103 como inconstitucional, por não se tratar de cláusula pétrea. Nem vou me esforçar em fazer uma hermenêutica freestyle e principiológica para justificar minha leitura política sobre o tema. A medida me parece constitucional, desde que feita por emenda ao art. 103.

Do modo como está, em PL, tenho minhas dúvidas se criar um mecanismo que restringe disposição constitucional sem autorização expressa seja uma medida constitucionalmente válida. A priori, penso que não. Mas se o STF já o fez pela via jurisdicional com a criação da pertinência temática, por qual razão o parlamento não poderia fazê-lo por lei? Somos todos guardiões da nossa constituição.

Por tudo isso, penso que restringir a atuação de partidos minoritários no controle abstrato – ainda que com baixa representação no Congresso ou com riscos de instrumentalização política – parece ser mais uma medida centralizadora de fortalecimento do poder dos partidos maiores do que proteção da autoridade e legitimidade do STF ou mesmo da estabilidade institucional.


[1] REVISTA FÓRUM. Alcolumbre quer restringir acesso de partidos ao STF. Revista Fórum, 03 jul. 2025. Disponível em: https://revistaforum.com.br/politica/2025/7/3/alcolumbre-quer-restringir-acesso-de-partidos-ao-stf-182715.html. Acesso em: 09 jul. 2025.

[2] AGÊNCIA ESTADO. Alcolumbre prepara projeto para limitar acesso dos partidos pequenos ao STF. UOL Notícias, Brasília, 04 jul. 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/07/04/alcolumbre-prepara-projeto-para-limitar-acesso-dos-partidos-pequenos-ao-stf.htm. Acesso em: 09 jul. 2025.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lenio Luis. Comentários ao art. 103. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Org.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Almedina/Saraiva, 2014, p. 1413.

[4] CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Devemos restringir os legitimados nas ações de controle concentrado. JOTA, 6 ago. 2025. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/observatorio-constitucional/devemos-restringir-os-legitimados-nas-acoes-de-controle-concentrado#_ftn6. Acesso em: 09 jul. 2025.

[5] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Substitutivo do Relator (SBT 1 CCJC) ao Projeto de Lei nº 3.640, de 2023, apresentado pelo Deputado Alex Manente (Cidadania‑SP) na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 23 nov. 2023, aprovado com parecer pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito. Brasília: CCJC, 23 nov. 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2406411. Acesso em: 09 jul. 2025.

[6] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

[7] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 325.

[8] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 152.

[9] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1105.

[10] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 152.logo-jota