Hebert Oliveira
Advogado de Direito Societário e M&A do KLA Advogados
Recentes e emblemáticos casos ligados a possíveis fraudes e crimes de responsabilidade no mercado brasileiro, como o caso Americanas, ensejaram a elaboração de um projeto de lei pelo Ministério da Fazenda para alterar antigas regras do ordenamento jurídico. A Fazenda apresentou ao Legislativo no último dia 2 de junho o PL 2925/2023, que propõe alterações na Lei 6.385/1976, que estabeleceu as diretrizes para criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e na Lei 6.404/76 (Lei das S.A.), que regulamenta as sociedades por ações.
O texto tem sido considerado uma medida de tutela privada, sob influência da discussão internacional a respeito do private enforcement e do public enforcement. O private enforcement visa o aumento da proteção dos direitos dos investidores por meio da reparação de danos a um custo razoável e sem morosidade excessiva. Já o public enforcement busca fortalecer a atuação da CVM conferindo-lhe novos poderes, de forma a proporcionar maior segurança jurídica aos investidores e tentar mitigar o risco de novas crises de confiança no mercado de capitais do país.
O secretário de Reformas Econômicas da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, afirma que o verdadeiro desafio no Brasil reside na fiscalização, na punição e na reparação de prejuízos. Portanto, é fundamental a ampliação e a regulamentação de mecanismos para que as companhias e atuantes do mercado se sintam inibidos, dadas as penalidades a serem aplicadas, a realizar qualquer tipo de ato fraudulento ou em desacordo ao previsto na legislação.
A outorga das prerrogativas previstas pelo projeto à CVM, como solicitar busca e apreensão mediante requerimento ao Poder Judiciário, requerer informações sigilosas com a possibilidade do compartilhamento com as autoridades monetárias e fiscais e inspecionar as companhias, se assim entender necessário, concede à autarquia autoridade para agir e reagir diante transgressões de regras por parte de administradores, acionistas controladores e intermediadores de oferta de valores mobiliários.
Em benefício dos investidores e de forma a resguardar o princípio da preservação da empresa, a Lei das S.A. já prevê um mecanismo de responsabilização civil por eventuais prejuízos causados às companhias, aplicados nas seguintes hipóteses: (i) quando causados por culpa ou dolo dos administradores e/ou acionistas controladores no uso de suas atribuições ou poderes; ou (ii) a partir da violação à lei ou ao estatuto social da companhia. A decisão de ingressar com a ação de responsabilização cabe atualmente à companhia, por meio de deliberação de assembleia geral ou, subsidiariamente, aos acionistas que representem, pelo menos, 5% do capital social da companhia.
Uma das inovações introduzidas pelo PL 2925 é a redução do percentual necessário para ingresso de uma ação de responsabilização civil em face dos administradores, acionistas controladores e intermediários em ofertas públicas, no tocante às companhias de capital aberto, para ao menos 2,5% do capital social da companhia; ou pela aglutinação de valores mobiliários da companhia que representem valor igual ou superior a R$ 50 milhões.
Em ambas as hipóteses, cumpre salientar que os investidores deverão comunicar à companhia o ingresso da respectiva demanda, a quem por sua vez caberá divulgá-la ao mercado. Essa divulgação visa garantir o interesse de eventuais litisconsortes legitimados, bem como o direito à informação dos demais acionistas e integrantes do mercado.
A norma já prevê que haverá o pagamento de um prêmio ao acionista minoritário que, porventura, logre êxito na ação de responsabilização em face do acionista controlador, sendo esse prêmio fixado em 5% do valor devido de indenização. Na hipótese de aprovação do PL 2925, esse prêmio será elevado à 20%, bem como passará a ser refletido também nas ações de responsabilidade em face dos administradores, o que na Lei da S.A. não é previsto atualmente.
Visando eliminar qualquer obrigatoriedade dos acionistas de precisarem ingressar inicialmente com uma ação de anulação de contas da companhia, para ato seguinte requerer a responsabilização civil do administrador, o projeto excluiu a exoneração automática de responsabilidade dos administradores e membros do conselho fiscal. Isso nos casos em que tenha ocorrido a aprovação das demonstrações financeiras e das contas, conforme prevê atualmente o artigo 134, §3º da Lei das S.A.
Essa vem a ser uma das alterações mais significativas promovidas pelo PL 2925, uma vez que irá retirar etapas processuais hoje necessárias, de forma a economizar tempo e dinheiro despendido com o custo de transação para eventual responsabilização dos administradores da companhia. Por outro lado, poderá ser criada uma insegurança jurídica para os administradores e membros do conselho fiscal.
Outra alteração proposta trata da publicidade de procedimentos arbitrais relacionados à responsabilização dos administradores da companhia, que deverão passar a ser, em regra e nos termos a serem editados pela CVM, integralmente públicos e divulgados pelas instituições arbitrais em seus respectivos websites, onde deverão ser organizados por tipo de demanda. Além disso, caso a companhia opte por realizar um acordo em ação de responsabilidade, seja na esfera judicial ou arbitral, será obrigatória a aprovação prévia em Assembleia Geral da companhia para ciência e aprovação dos acionistas, de modo a coibir qualquer prática omissiva dos administradores no âmbito das ações de responsabilidade.
Tendo em vista o cenário atual brasileiro, o texto busca implementar novos mecanismos com intuito de trazer maior confiança ao mercado, assegurando as responsabilidades civis cabíveis. A facilitação do acesso dos investidores minoritários aos mecanismos de defesa no mercado de capitais e o aumento de prerrogativas da autarquia, refletem práticas já adotadas em outros mercados, como, por exemplo, pela Securities and Exchange Commission (órgão americano equivalente à CVM).
O PL 2925, portanto, tem o condão de aumentar o arcabouço jurídico em prol de uma regulamentação com mais força e eficácia perante o mercado de valores mobiliários. No momento, o texto se encontra em apreciação na Câmara dos Deputados.