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Por que projeto que regulamenta cooperativas deve ser debatido?

PL 815/2022, em tramitação na Câmara, reorganiza setor e traz benefícios tributários, mas pode ser aperfeiçoado

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Crédito: Unsplash

Embora sujeitas ao registro mercantil, as cooperativas não são consideradas sociedades empresárias pela legislação. Portanto, estão excluídas da Lei 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência de sociedades empresárias. A viabilidade da recuperação judicial ou extrajudicial das cooperativas depende do entendimento do juiz da causa, e ainda assim tais mecanismos não se mostram adequados à natureza e à dinâmica das cooperativas.

Atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL 815/2022, apresentado pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ), cria um procedimento específico para regulamentar a reorganização das sociedades cooperativas. A proposta tem o objetivo de preservar a atividade econômica, a identidade da cooperativa, a continuidade de atos cooperativos, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores.

O PL 815/2022 acolhe princípios do direito da insolvência, como a preservação e estímulo da atividade econômica e a paridade entre credores. No entanto, apesar da criação de mecanismos para reestruturação da atividade econômica semelhantes à recuperação judicial, as cooperativas permanecem não sujeitas à decretação da falência.

A proposta legislativa prevê a reorganização cooperativa extrajudicial e judicial com a suspensão do curso da prescrição de ações e execuções em face da sociedade cooperativa devedora por prazos mais flexíveis que a Lei 11.101/2005, podendo ser por prazo convencionado na transação (extrajudicial) ou por prazo a ser determinado pelo juízo, no mínimo de 180 dias contados do deferimento do processamento, admitida a prorrogação ao devedor que não der causa ao atraso da deliberação do Plano de Reorganização Cooperativa (PRC), atendendo a critérios de razoabilidade, celeridade da tramitação e potencial prejuízo aos credores.

Assim como na Lei 11.101/2005, estão previstos como meios de recuperação a venda de ativos e estabelecimentos sem sucessão do adquirente; a novação de obrigações; alterações administrativas e societárias, inclusive admitindo a consolidação substancial de sociedades controladas, e financiamentos por meio de fundos especializados.

Com tratamento semelhante ao financiamento do devedor durante a recuperação judicial previsto na Lei 11.101/2005, os fundos especializados de que trata o artigo 7º do Projeto de Lei poderão ser estruturados por credores sujeitos ou não, instituições financeiras e pelos cooperados para financiamento da atividade da sociedade cooperativa em crise com a concessão de garantias reais e fiduciárias, cujos créditos terão preferência sobre todos os demais em caso de liquidação, com exceção somente dos trabalhistas e derivados de acidente de trabalho.

A grande inovação do PL com relação às sociedades cooperativas é a possibilidade de liberação não apenas dos fundos de reserva, mas especialmente do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES) – artigo 28 da Lei 5.764/1971 – para o pagamento de credores, desde que o Plano de Reorganização contenha previsão de retenção de sobras para recomposição de no mínimo metade do saldo do FATES, no prazo de dois anos contados da concessão da reorganização.

O PL 815/2022 também traz benefícios tributários, como a possibilidade de depósitos judiciais vinculados a exigências fiscais de até 50% do tributo questionado; a substituição de depósitos judiciais por caução imobiliária, fiança bancária ou seguro garantia, sob os mesmos efeitos do artigo 151 do CTN; a aplicação dos parcelamentos e estímulos tributários concedidos no âmbito da Lei 11.101/2005; a autorização para compensação de créditos tributários anteriores à reorganização independentemente de ajuizamento de ação individual.

Além disso, há previsão de dispensa de apresentação de certidões negativas ou equivalentes para a concessão de quaisquer dos meios de reorganização (judicial ou extrajudicial) ou para a compensação de créditos tributários.

Apesar destes avanços, cabem algumas revisões ao PL, como o espelhamento de alguns aspectos que atualmente possuem tratamento assimétrico entre os meios de reorganização extra e judicial. Entre tais aspectos, destacamos o detalhamento dos créditos não sujeitos aos efeitos da reorganização extrajudicial, que não contempla os créditos tributários e as hipóteses previstas nos artigos 49, §3º e 86, II da Lei 11.101/2005, mas presentes no capítulo destinado à reorganização judicial; a necessidade de anuência expressa do credor interessado para supressão de garantia real, prevista somente para a reorganização extrajudicial; a conservação dos direitos e privilégios contra coobrigados, presente somente na reorganização judicial.

Outro aspecto importante do PL são as possíveis consequências da aplicação do artigo 31, reproduzido a seguir:

Art. 31. O Plano de Reorganização será colocado em votação em cada uma das classes e as vinculará isoladamente, com efeitos de novação para o respectivo crédito que o aprovar, independentemente dos demais.

  • 1º Considerar-se-á aprovado o Plano de Reorganização que obtiver votos favoráveis de credores em cada classe que representem mais da metade do respectivo crédito.

  • 2º A classe que não aprovar o Plano de Reorganização poderá seguir com as cobranças e execuções das obrigações originais, ressalvadas as preferências do art. 7º desta Lei.

Segundo o dispositivo, a aprovação na respectiva classe vincula todos os créditos nela inseridos; o voto favorável vincula o credor, independentemente do resultado em sua classe; a classe que não aprovar o Plano de Reorganização não fica vinculada aos seus efeitos e não há, a princípio, a possibilidade de verificação de quórum alternativo, como ocorre na recuperação judicial (artigo 58, §1º).  Questiona-se, assim, se os credores sujeitos à reorganização possuem incentivos suficientes para aderir à novação facultativa ou se a possibilidade de aprovação parcial do Plano de Reorganização poderá dificultar ou inviabilizar a negociação entre as sociedades cooperativas e seus credores.

Por estas razões, é fundamental aprofundar o debate sobre o projeto de lei, que deve ser aperfeiçoado para que possa se tornar um instrumento efetivo na proteção das cooperativas.logo-jota