Oreste Laspro
Advogado, administrador judicial, professor de Direito Processual na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Embora sujeitas ao registro mercantil, as cooperativas não são consideradas sociedades empresárias pela legislação. Portanto, estão excluídas da Lei 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência de sociedades empresárias. A viabilidade da recuperação judicial ou extrajudicial das cooperativas depende do entendimento do juiz da causa, e ainda assim tais mecanismos não se mostram adequados à natureza e à dinâmica das cooperativas.
Atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL 815/2022, apresentado pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ), cria um procedimento específico para regulamentar a reorganização das sociedades cooperativas. A proposta tem o objetivo de preservar a atividade econômica, a identidade da cooperativa, a continuidade de atos cooperativos, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores.
O PL 815/2022 acolhe princípios do direito da insolvência, como a preservação e estímulo da atividade econômica e a paridade entre credores. No entanto, apesar da criação de mecanismos para reestruturação da atividade econômica semelhantes à recuperação judicial, as cooperativas permanecem não sujeitas à decretação da falência.
A proposta legislativa prevê a reorganização cooperativa extrajudicial e judicial com a suspensão do curso da prescrição de ações e execuções em face da sociedade cooperativa devedora por prazos mais flexíveis que a Lei 11.101/2005, podendo ser por prazo convencionado na transação (extrajudicial) ou por prazo a ser determinado pelo juízo, no mínimo de 180 dias contados do deferimento do processamento, admitida a prorrogação ao devedor que não der causa ao atraso da deliberação do Plano de Reorganização Cooperativa (PRC), atendendo a critérios de razoabilidade, celeridade da tramitação e potencial prejuízo aos credores.
Assim como na Lei 11.101/2005, estão previstos como meios de recuperação a venda de ativos e estabelecimentos sem sucessão do adquirente; a novação de obrigações; alterações administrativas e societárias, inclusive admitindo a consolidação substancial de sociedades controladas, e financiamentos por meio de fundos especializados.
Com tratamento semelhante ao financiamento do devedor durante a recuperação judicial previsto na Lei 11.101/2005, os fundos especializados de que trata o artigo 7º do Projeto de Lei poderão ser estruturados por credores sujeitos ou não, instituições financeiras e pelos cooperados para financiamento da atividade da sociedade cooperativa em crise com a concessão de garantias reais e fiduciárias, cujos créditos terão preferência sobre todos os demais em caso de liquidação, com exceção somente dos trabalhistas e derivados de acidente de trabalho.
A grande inovação do PL com relação às sociedades cooperativas é a possibilidade de liberação não apenas dos fundos de reserva, mas especialmente do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES) – artigo 28 da Lei 5.764/1971 – para o pagamento de credores, desde que o Plano de Reorganização contenha previsão de retenção de sobras para recomposição de no mínimo metade do saldo do FATES, no prazo de dois anos contados da concessão da reorganização.
O PL 815/2022 também traz benefícios tributários, como a possibilidade de depósitos judiciais vinculados a exigências fiscais de até 50% do tributo questionado; a substituição de depósitos judiciais por caução imobiliária, fiança bancária ou seguro garantia, sob os mesmos efeitos do artigo 151 do CTN; a aplicação dos parcelamentos e estímulos tributários concedidos no âmbito da Lei 11.101/2005; a autorização para compensação de créditos tributários anteriores à reorganização independentemente de ajuizamento de ação individual.
Além disso, há previsão de dispensa de apresentação de certidões negativas ou equivalentes para a concessão de quaisquer dos meios de reorganização (judicial ou extrajudicial) ou para a compensação de créditos tributários.
Apesar destes avanços, cabem algumas revisões ao PL, como o espelhamento de alguns aspectos que atualmente possuem tratamento assimétrico entre os meios de reorganização extra e judicial. Entre tais aspectos, destacamos o detalhamento dos créditos não sujeitos aos efeitos da reorganização extrajudicial, que não contempla os créditos tributários e as hipóteses previstas nos artigos 49, §3º e 86, II da Lei 11.101/2005, mas presentes no capítulo destinado à reorganização judicial; a necessidade de anuência expressa do credor interessado para supressão de garantia real, prevista somente para a reorganização extrajudicial; a conservação dos direitos e privilégios contra coobrigados, presente somente na reorganização judicial.
Outro aspecto importante do PL são as possíveis consequências da aplicação do artigo 31, reproduzido a seguir:
Art. 31. O Plano de Reorganização será colocado em votação em cada uma das classes e as vinculará isoladamente, com efeitos de novação para o respectivo crédito que o aprovar, independentemente dos demais.
1º Considerar-se-á aprovado o Plano de Reorganização que obtiver votos favoráveis de credores em cada classe que representem mais da metade do respectivo crédito.
2º A classe que não aprovar o Plano de Reorganização poderá seguir com as cobranças e execuções das obrigações originais, ressalvadas as preferências do art. 7º desta Lei.
Segundo o dispositivo, a aprovação na respectiva classe vincula todos os créditos nela inseridos; o voto favorável vincula o credor, independentemente do resultado em sua classe; a classe que não aprovar o Plano de Reorganização não fica vinculada aos seus efeitos e não há, a princípio, a possibilidade de verificação de quórum alternativo, como ocorre na recuperação judicial (artigo 58, §1º). Questiona-se, assim, se os credores sujeitos à reorganização possuem incentivos suficientes para aderir à novação facultativa ou se a possibilidade de aprovação parcial do Plano de Reorganização poderá dificultar ou inviabilizar a negociação entre as sociedades cooperativas e seus credores.
Por estas razões, é fundamental aprofundar o debate sobre o projeto de lei, que deve ser aperfeiçoado para que possa se tornar um instrumento efetivo na proteção das cooperativas.