O Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo integra a Subcoordenadoria de Consultoria Tributária e Contencioso Administrativo Tributário (Subcon) e a Coordenadoria de Administração Tributária (CAT), sendo um órgão paritário de julgamento voltado para a solução, no âmbito administrativo, de conflitos tributários decorrentes das relações entre contribuintes e a Fazenda Pública do Estado.
Para o biênio 2020-2021 é composto por 12 Câmaras Julgadoras, tendo reduzido 4 Câmaras Julgadoras, com quatro juízes em cada uma delas, sendo dois representantes da Fazenda e dois representantes dos contribuintes, com presidência exercida por representantes da Fazenda (Câmaras ímpares) e dos contribuintes (Câmaras pares). A Câmara Superior é composta por 16 juízes (oito representantes da Fazenda e oito representantes dos contribuintes) e é presidida pelo Presidente do Tribunal, cargo sempre atribuído a representante da Fazenda.
Conforme art. 25, § 1º do regimento interno do TIT (Lei 13.457/2009) em caso de empate no julgamento prevalecerá o voto de qualidade do Juiz que presidir a sessão. Isso significa que, nos julgamentos das Câmaras Julgadoras o voto de qualidade ora será exercido pelo Presidente representante da Fazenda (Câmaras ímpares) e ora pelo Presidente dos contribuintes (Câmaras pares). Contudo, na Câmara Superior, o voto de qualidade (desempate) será sempre do Presidente do Tribunal, representante da Fazenda Pública.
Até poucos dias atrás, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) adotava sistemática semelhante. No caso de empate dos julgamentos, realizados por turmas paritárias, prevalecia o voto de qualidade do Presidente da turma de julgamento que, diferentemente do TIT, é sempre um representante da Fazenda Nacional.
Recentemente, com a conversão da Medida Provisória 899/2019, na Lei 13.988/2020, foi inserido o art. 19-E na Lei 10.522/2002, extinguindo o "voto de qualidade" no CARF. Desde então, quando houver empate nos julgamentos do CARF a questão deverá ser decidida favoravelmente ao contribuinte. Trata-se da adoção do princípio in dubio pro contribuinte, já adotado por outros países[1].
Diversos debates sobre o assunto têm se disseminado pelo país. Há muitas críticas contra essa mudança, porém o que se observa é que não houve inovação nos argumentos invocados para eliminar ou manter o voto de qualidade[2]. Sem pretensão de esmiuçá-los todos aqui, elegemos para reflexão mais aprofundada a prerrogativa do contribuinte ajuizar a demanda em caso de perda na esfera administrativa, que também se aplica aos julgamentos do TIT.
Em primeiro lugar, entendemos que o empate no julgamento final realizado por órgão paritário revela uma dúvida objetiva sobre a existência ou não do crédito tributário, que não deveria implicar na manutenção automática da exigência, cabendo ao contribuinte levar ao Judiciário nova demanda caso discorde deste resultado, como ocorre no caso do TIT cujo voto de desempate na Câmara Superior continua sendo do Presidente do Órgão. Quer nos parecer que esta sistemática tem corroborado para o abarrotamento do Poder Judiciário, que já tem o Poder Público como seu maior litigante[3].
Em recente estudo, os dados de 2018 englobando disputas administrativas e judiciais nos municípios, nos estados e na União, foram compilados pelos pesquisadores Breno VASCONCELOS, Lorreine MESSIAS e Larissa Luzia LONGO. Resultado: as disputas tributárias entre o Estado e os contribuintes somam quase R$ 5 trilhões no Brasil e o montante equivale a quase 73% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e supera o valor de mercado das 328 companhias listadas na bolsa de valores, que juntas equivalem à R$ 4,36 trilhões[4]. É um número realmente alarmante que demonstra o alto grau de litigância do sistema brasileiro e revela a ineficiência do modelo atual na solução de conflitos tributários.
Neste cenário, um dos efeitos positivos que a extinção do voto de qualidade pode causar é, de um lado, provocar o aumento da qualidade dos autos de infração lavrados e, de outro, contribuir para o encerramento da disputa tributária na esfera administrativa, sem necessidade de alongar a disputa perante o já sobrecarregado Poder Judiciário.
Em segundo lugar, entendemos que o correto funcionamento de um órgão paritário deve preceder as garantias e autonomias dos julgadores. O atual modelo de funcionamento dos tribunais administrativos paritários, bem como a composição e recondução dos seus membros, fragiliza a atuação independente dos julgadores, sejam contribuintes ou fazendários, fazendo com que posicionamentos a favor do contribuinte possam lhes causar desconfortos.
Mais do que dúvidas acerca da discussão que envolve o credito tributário, o que se tem observado é um verdadeiro enrijecimento da Câmara Superior para defender a manutenção de autos de infração mesmo em relação a matérias sedimentadas no Poder Judiciário, a exemplo das discussões envolvendo fornecedor inidôneo, com base no “poder” de desempate do Presidente, o que viola frontalmente a prerrogativa de imparcialidade dos julgamentos, sem falar na insegurança jurídica e na falta de economia processual.
No atual cenário, havendo empate no julgamento, no mínimo há que se perquirir a dúvida quanto ao crédito tributário, o que impõe a aplicação imediata do art. 112 do CTN. E a despeito de o contribuinte possuir a prerrogativa de ajuizar a demanda em caso de perda na esfera administrativa, tal prerrogativa não pode justificar a adoção de um posicionamento pró-fisco pelo Julgador e a manutenção do voto de qualidade a favor do fisco, sob pena de desvirtuamento completo da função precípua do Tribunal Administrativo, que é a solução de conflitos tributários e não a geração de novos conflitos!
Vale lembrar que o Fisco tem o prazo decadencial para lavrar autos de infração, enquanto que o contribuinte conta apenas com os prazos de defesa para buscar a desconstituição das autuações.
Conclui-se que as discussões levantadas pelo art. 28 da Lei 13.988/2020, demonstram uma real necessidade de aprimoramento no processo administrativo tributário das três esferas. Além de uma necessária harmonização para uniformidade das regras de todos os tribunais administrativos pátrios, é preciso afastar conflitos de interesse, equiparando vencimentos e desvinculando suas remunerações dos resultados, bem como buscar maior imparcialidade nos resultados, seja através de garantias outorgadas aos julgadores paritários, como também pela adoção de julgadores independentes concursados.
Uma vez implementadas estas alterações e outros aperfeiçoamentos necessários, entendemos que é possível discutir-se a eliminação do voto de qualidade para as duas partes, instituindo-se novos critérios de desempate.
Autoras:
Lina Santin Cooke
Dolina Sol Pedroso de Toledo
Coordenação Geral:
Eurico Marco Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Lina Santin Cooke
Dolina Sol Pedroso de Toledo
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[1] Em recente artigo de 22.04.2020, intitulado "Voto de qualidade para contribuintes vale tanto quanto anterior" o jurista Igor Mauler Santiago ressaltou a uso desta sistemática em outros países, disponível em <https://www.conjur.com.br/2020-abr-22/consultor-tributario-voto-qualidade-contribuintes-vale-tanto-quanto-anterior>.
[2] Neste sentido indicamos reportagem e artigo publicado neste portal: (i) "Voto de qualidade é extinto no Carf", de Alexandre Leoratti e Flávia Maia, disponível em <https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/voto-de-qualidade-e-extinto-no-carf-14042020>; e (ii) "Inconstitucionalidade e controvérsias do fim do voto de qualidade", de Sergio Andre Rocha, disponível em <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/inconstitucionalidade-e-controversias-do-fim-do-voto-de-qualidade-17042020>.
[3] Estudo realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em 2015 mostra que em oito das onze Unidades da Federação pesquisadas, o Poder Público municipal, estadual e federal concentra a maior parte das ações iniciadas no Primeiro Grau (parte do polo ativo). Disponível em <https://www.amb.com.br/wp-content/uploads/2018/05/Pesquisa-AMB-10.pdf>
[4] Estado e contribuintes disputam quase R$5 trilhões em tributos, mostra estudo. G1, 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/11/01/estado-e-contribuintes-disputam-quase-r-5-trilhoes-em-tributos-mostra-estudo.ghtml>. Acesso em: 02.12.2019.