Márcio Falcão
Ex-editor do JOTA
A indefinição do Supremo Tribunal Federal sobre a competência da Polícia Federal para fechar acordos de colaboração premiada sem participação do Ministério Público Federal travou a homologação da delação do publicitário Duda Mendonça.
O acordo do publicitário foi fechado exclusivamente com a Polícia Federal e entregue ao Supremo em março de 2017. O ministro Edson Fachin ainda não deu validade à colaboração. Segundo interlocutores, o ministro acredita que, antes de homologar o acordo, o tribunal precisa chegar a um entendimento se a PF pode ou não acertar as delações sem o MP. A ideia é evitar que seja criada uma insegurança jurídica no caso.
A decisão de Fachin de esperar o plenário do STF pode abrir precedente para a homologação da delação do empresário Marcos Valério, que também fechou delação premiada exclusivamente com a PF no último dia 6, na sede da instituição em Minas Gerais.
Como a colaboração chegou ao recesso, o material está com a presidente do STF, Cármen Lúcia, e não há indicações se a ministra pretende ou não validar os depoimentos do operador do mensalão do PT condenado a mais de 37 anos de prisão por peculato, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e pelo crime contra o sistema financeiro. Cármen Lúcia pode esperar a retomada dos trabalhos na Corte no dia 1º de agosto e enviar o caso para distribuição eletrônica e definição da relatoria.
As delações de Duda e Valério estão em sigilo no tribunal. Os dois tentaram costurar uma delação com o Ministério Público Federal, mas, diante das recusas dos procuradores, negociaram com os policiais.
[formulario_fulllist]
Fachin vem analisado o caso de Duda e estuda levar a questão sobre a competência da PF ao plenário. O ministro acredita que a questão deve ser enfrentada no próximo semestre.
No STF, a principal dúvida sobre autorizar a Polícia Federal a fechar delações envolve a questão da concessão de benefícios para os delatores. Isso porque o titular da ação penal é o Ministério Público Federal. Segundo procuradores, na colaboração ocorre uma "transação jurídica" em que o titular desse direito renuncia a parte dele para obter vantagens. A PF argumenta que a delação é um instrumento de investigação e pode ser realizada por delegados.
A PF defende que a definição da pena tem que ocorrer após a comprovação da efetividade da delação, sendo que a PGR não deveria adotar a prática de estabelecer punições nas tratativas dos acordos. O MP rebate e tem sustentado que a fixação dos benefícios precisa ocorrer no acordo de delação, uma vez que a colaboração produz efeitos na investigação, no processo penal e na execução penal, dando garantia ao delator.
O Supremo já tem a ação direta de inconstitucionalidade nº 5508, apresentada pela Procuradoria Geral da República, que tenta barrar os acordos de delação premiada pela PF. A ação, de relatoria do ministro Marco Aurélio, chegou a ser pautada para análise do plenário, mas outros processos ganharam preferência na pauta.
A PGR questiona trecho da lei 12850 de 2013 que definiu organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal. São dois pontos da norma atacados:
1) Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
2) O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a possibilidade de delegados fecharem delação viola o sistema acusatório, o devido processo legal e “a titularidade exclusiva da ação penal conferida ao Ministério Público”.
Segundo o chefe do MP, a Constituição, quando dá ao MP a função privativa de promover a ação penal e quando diz que as funções do MP só podem ser promovidas por membros da carreira, proíbe a atuação de outros órgãos, ainda que de forma subsidiária.
Para Janot, permitir que o delegado faça acordos de delação prejudica o direito de defesa, sendo que “admite proposta de quem não é parte”. “Prejudica-se, de forma grave, o direito de defesa, porquanto o juiz acabará tendo de intervir em negociação feita sem provocação do titular da ação penal ou, pior, contra a posição deste.”