Rodrigo Lazaro
Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, mestre em Tributação Internacional pelo IBDT, sócio da FCR Law, juiz do TIT-SP, diretor regional da Anefac e pesquisador NEF-FGV e IDP
Tive a oportunidade de participar do excelente evento organizado pela ABDF e Aconcarf (Aconcarf Itinerante) em São Paulo nos dias 1º e 2 de agosto e apresentei alguns apontamentos relativos ao tema ora sob análise, o que me motivou a escrever o presente artigo. A questão da preclusão na juntada de provas documentais no processo administrativo tributário é um tema complexo e de grande relevância, especialmente no contexto do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A preclusão, enquanto perda do direito de realizar determinado ato processual, é uma ferramenta importante para garantir a celeridade e a ordem dos procedimentos administrativos. No entanto, a sua aplicação no âmbito do Carf suscita diversas questões, particularmente no que se refere à possibilidade de juntada extemporânea de provas documentais.
O artigo 16 do Decreto-lei 70.235/72[1] estabelece que a prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que demostre a impossibilidade de sua apresentação oportuna por motivo de força maior ou se refira a fato ou a direito superveniente ou, por fim, destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos. Essa previsão legal impõe um rigoroso controle sobre o momento em que as provas documentais podem ser apresentadas, buscando evitar a eternização dos processos e assegurar a eficiência na resolução das controvérsias tributárias.
Entretanto, o princípio da ampla defesa, consagrado na Constituição Federal, exige que o contribuinte tenha todas as oportunidades necessárias para apresentar suas provas e argumentos. Esse princípio entra em aparente conflito com a rigidez do prazo para juntada de provas estabelecido pelo citado dispositivo legal. A jurisprudência do Carf tem sido desafiada a equilibrar esses dois princípios, desenvolvendo uma interpretação que permita a efetiva defesa dos direitos dos contribuintes sem comprometer a ordem processual.
A jurisprudência do Carf, em sua maioria, tem se alinhado à ideia de que, apesar do princípio da ampla defesa, a regra da preclusão deve ser respeitada. No entanto, as exceções previstas no artigo 16 do Decreto-lei 70.235/72 são aplicadas com certa flexibilidade. Esse entendimento tem sido fundamental para a manutenção da ordem e da celeridade processual, ao mesmo tempo em que garante que o contribuinte não seja injustamente prejudicado pela rigidez processual.
Em situações que se justifica a juntada extemporânea, o Carf tem demonstrado abertura para acolher as provas, desde que a excepcionalidade da situação seja devidamente comprovada. Isso reflete uma preocupação em garantir que o processo administrativo tributário, ao buscar a verdade real, não se torne um mecanismo de injustiça por excessivo formalismo[2].
O conceito de verdade real no processo administrativo é um dos pilares que diferenciam esse processo do processo judicial tradicional. Enquanto o processo judicial muitas vezes se contenta com a verdade formal, ou seja, a verdade que emerge dos autos respeitando as regras processuais, o processo administrativo visa à verdade material, aquela que reflete fielmente os fatos ocorridos[3]. Essa busca pela verdade real permite que o Carf, mesmo em face da preclusão, possa determinar diligências de ofício ou aceitar provas complementares que se revelem essenciais para a correta resolução da controvérsia.
O artigo 18 do Decreto-lei 70.235/72 reforça essa ideia ao permitir que o julgador administrativo determine, de ofício, a realização de diligências ou a coleta de provas complementares, mesmo que baseadas em elementos inicialmente considerados preclusos. Essa disposição legal dá ao julgador administrativo a liberdade necessária para garantir que a decisão final esteja fundamentada na verdade dos fatos, evitando que a preclusão se transforme em um obstáculo à justiça.
No entanto, essa liberdade não é absoluta. A jurisprudência do Carf estabelece que a aplicação das exceções à regra da preclusão deve ser feita com critério e fundamentação adequados. O julgador não pode simplesmente ignorar as regras estabelecidas pelo Decreto-lei 70.235/72, mas deve, ao contrário, demonstrar claramente a necessidade de admitir a prova extemporânea[4]. Esse controle rigoroso na aplicação das exceções é essencial para evitar abusos e assegurar que a preclusão continue a cumprir seu papel de promover a eficiência e a segurança jurídica no processo administrativo tributário.
O papel do Carf, nesse contexto, vai além de simplesmente julgar litígios entre o fisco e os contribuintes. O Conselho atua como um verdadeiro guardião da legalidade dos atos administrativos fiscais, buscando sempre harmonizar a necessidade de cumprimento estrito da lei com a flexibilidade necessária para garantir que a justiça seja feita. Ao admitir a juntada extemporânea de provas em situações excepcionais, o Carf reforça seu compromisso com a verdade real, assegurando que suas decisões sejam justas e baseadas em uma análise completa dos fatos.
Essa postura do Carf é crucial para evitar que o processo administrativo tributário se torne um campo fértil para contestações judiciais futuras, decorrentes de decisões que não refletiram plenamente a realidade dos fatos. Ao garantir que todas as provas relevantes sejam consideradas, mesmo que apresentadas fora do prazo, o Carf contribui para a redução do número de processos que acabam sendo levados ao Judiciário, promovendo uma resolução mais rápida e eficiente das controvérsias tributárias.
Em conclusão, a questão da preclusão na juntada de provas documentais no processo administrativo do Carf revela a complexidade de equilibrar o rigor processual com a necessidade de justiça. A jurisprudência do Carf tem evoluído no sentido de reconhecer a importância da verdade real, admitindo exceções à preclusão em situações justificadas. Essa abordagem reflete um compromisso com a efetividade do processo administrativo tributário, promovendo a segurança jurídica e a justiça, sem comprometer a eficiência e a celeridade processual.
Assim, a preclusão, longe de ser um mero formalismo, desempenha um papel fundamental na estrutura do processo administrativo tributário, garantindo que as partes se atenham aos prazos e regras estabelecidas, mas sem perder de vista o objetivo maior: a realização da justiça com base na verdade dos fatos. Ao permitir a juntada extemporânea de provas em casos excepcionais, o Carf demonstra sensibilidade e compromisso com uma justiça fiscal que seja ao mesmo tempo rigorosa e justa, promovendo um equilíbrio adequado entre legalidade e efetividade no julgamento dos litígios tributários.
[1] Art. 16. A impugnação mencionará:
I - a autoridade julgadora a quem é dirigida;
II - a qualificação do impugnante;
III - os motivos de fato e de direito em que se fundamenta, os pontos de discordância e as razões e provas que possuir;
IV - as diligências, ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas, expostos os motivos que as justifiquem, com a formulação dos quesitos referentes aos exames desejados, assim como, no caso de perícia, o nome, o endereço e a qualificação profissional do seu perito.
4º A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que:
a) fique demonstrada a impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior;
b) refira-se a fato ou a direito superveniente;
c) destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.
5º A juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência de uma das condições previstas nas alíneas do parágrafo anterior.
[2] PINTO. Rodrigo Alexandre Lazaro. Os limites da preclusão na juntada de provas documentais extemporâneas na jurisprudência do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT-SP). In: Nulidades de decisões ordinárias e outros temas analisados pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas. Estudo em homenagem ao Dr. Celso Alves Feitosa. De Santi [et al.], Max Limonad. 2024.
[3] DARZÉL, Andréa Medrado. Preclusão da prova no Processo Administrativo Tributário: um falso problema. In: CARVALHO, Ana Carolina Papacosta Conte de [et al.] Congresso Nacional de Estudos Tributários. Derivação e positivação no Direito Tributário. São Paulo, Noeses. 2011. p. 51-80.
[4] CSRF, Acordão 9202-001.703, rel. Francisco Assis de Oliveira Junior, 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, publicação 27 Jul 2011 e Acórdão 9202-001.633, rel. Gustavo Lian Hadad, 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, publicação 25 Jul 2011 e CARF, Acórdão 1201-005.224, 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção, rel. Fredy José Gomes de Albuquerque, publicação 29 Nov 2021.