Alexandre Leoratti
Foi repórter do JOTA em Brasília. Fez parte da equipe de Tributário, com foco na cobertura do Carf, PGFN e Receita Federal. Antes de atuar em Brasília, também foi repórter do JOTA em São Paulo
O custo médio total de uma execução fiscal promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) junto à Justiça Federal é de R$ 5,6 mil. Ademais, o tempo médio de tramitação é de quase dez anos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a chance de recuperação integral de crédito é de 25,8%.
Devido à dificuldade de recuperação de crédito público e o alto custo do Judiciário, o Projeto de Lei 4257/2019, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB), cria a alternativa da arbitragem tributária para o processamento de embargo à execução fiscal.
Para isso acontecer, o devedor precisa garantir o valor da execução em depósito por dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. Com isso, caso a Fazenda vença o procedimento arbitral, poderá recolher o valor imediatamente após a decisão final dos árbitros, sem se submeter a procedimentos de alienação de bens imóveis ou outras formas de garantia.
Para a realização da arbitragem, também será necessário que o ente Federativo destino do processo arbitral tenha regulamentado a arbitragem por meio de lei estadual ou outra forma de regulamentação. Se a Fazenda foi vencida, deverá ressarcir as despesas e arcar com os honorários advocatícios. A arbitragem será uma opção do executado.
Além da arbitragem tributária, o PL 4257/209 instaura a execução fiscal administrativa para processos relativos ao IPTU, ITR e IPVA. A ideia é que a cobrança desses tributos não aconteça somente por execução fiscal, mas também por via extrajudicial. Será emitida uma Certidão de Dívida Ativa na residência do notificado. Caso o valor da dívida não seja pago em até 30 dias, a Fazenda poderá averbar a penhora do imóvel ou veículo.
Após nova notificação, o devedor terá prazo de 30 dias para ajuizar embargos à penhora, requerer provas, chamar testemunhas e reunir material para sua defesa. Sem um novo pagamento, a Fazenda estaria autorizada a efetuar imediatamente o primeiro leilão do imóvel ou veículo.
Além de supostamente promover a imediata arrecadação da Fazenda e evitar o Judiciário, o projeto também tem como justificativa ajudar a arrecadação dos municípios. Um dos dados mostrados no projeto de lei foi o número de processos de tributos municipais na Justiça de Mato Grosso do Sul.
Os números indicam que há cerca de 126 mil processos referentes a tributos municipais em andamento e mais de 43 mil suspensos. No caso de tributos estaduais, existem mais de 4 mil em andamento.
Segundo levantamento da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, só no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) há 94 mil processos envolvendo IPTU. O valor total dos processos somados ultrapassa R$ 1 bilhão.
Tributaristas, árbitros e figuras públicas entrevistados pelo JOTA enxergam o projeto de forma positiva como uma solução moderna para fugir da excessiva judicialização. Ao mesmo tempo, advogados afirmam que o projeto precisaria de ajustes, tanto na execução fiscal administrativa como na arbitragem tributária
“A mais importante melhoria seria exatamente a de ampliar o acesso à arbitragem tributária incluindo a fase administrativa. O contribuinte poderia, sem necessidade de apresentar garantia, abrir mão de revisão administrativa e da via judicial ao optar por arbitragem”, afirma Ana Monguilod, sócia do escritório PGLaw e pesquisadora da FGV Direito SP.
Para ela, a arbitragem já poderia ser organizada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “Na esfera federal, as discussões administrativas são difíceis, principalmente em função do voto de qualidade do Carf. No judiciário, a necessidade de apresentar garantia na execução dificulta o acesso a muitos contribuintes", conclui Ana. Para ela, o foco da arbitragem deveria ser na processo administrativo, motivo de repetitivas judicializações de contribuintes, especialmente diante da dificuldade de vitória em casos julgados nas Delegacias de Julgamento (DRJ) e no Carf.
De acordo com Djalma Rodrigues, sócio da área tributária do Miguel Neto Advogados, o projeto de lei, da forma como está redigido é desfavorável aos contribuintes e empodera a Fazenda de forma desequilibrada.
“Admitir-se que a própria Fazenda Pública possa executar diretamente o patrimônio do contribuinte em decorrência de uma dívida que foi confirmada na esfera administrativa após o desempate por um voto de qualidade de um representante do próprio Fisco é um exemplo típico dos desarranjos que necessitam ser enfrentados”, afirma o advogado.
Ainda sobre a execução fiscal administrativa, Rodrigues diz que a implementação desse processo terá de enfrentar temas de ordem constitucional, já que sua execução “tangencia garantias como o direito ao devido processo legal”.
“Não acho razoável que o mesmo órgão que inscreve o débito em dívida ativa possa, na ausência do pagamento, proceder à penhora de bens e seguir com medidas de expropriação patrimonial. Em resumo, é isso o que autoriza o projeto”, afirma Rodrigues.
Sobre a arbitragem tributária, o advogado destaca que o PL precisará de “muitos ajustes” para tratar sobre o tema de forma mais profunda. Para ele, faltou cuidado em compatibilizar a ferramenta da arbitragem com as atuais regras do ordenamento jurídico-tributário.
“Não acho que a arbitragem tributária tenha limitações de ordem constitucional, mas certamente deve haver a preocupação de alguns ajustes no Código Tributário Nacional (CTN), o que demanda aprovação via lei complementar. É um instituto muito sério [a arbitragem] para ter sido tratado tão superficialmente”, diz o advogado.
Apesar das eventuais críticas de tributaristas, o senador Antonio Anastasia (PSDB), autor do projeto de lei, defendeu o atual texto do PL. Para ele, o projeto de lei, caso aprovado, terá efeitos positivos para a Fazenda e contribuintes.
“Ajudará a Fazenda porque demandará menos do Poder Judiciário, o que poderá resultar em uma taxa de retorno de eficiência muito maior. Para o contribuinte, da mesma forma, o projeto é positivo, uma vez que ele não precisará gastar tanto tempo e dinheiro com um processo que se alongará anos no Poder Judiciário”, afirma o senador.
Ele reitera a urgência de um projeto que crie alternativas à tramitação de processos no Judiciário. “Dados do CNJ mostram que aproximadamente 31 milhões dos cerca de 80 milhões de processos pendentes de baixa na Justiça envolvem a execução fiscal de crédito público”, diz Anastasia.
O Parlamentar acrescenta que o PL exigirá também adaptações das câmaras arbitrais para conseguirem absorver o volume de demandas de pedidos de arbitragem. “Precisamos avançar pouco a pouco. Não dá para promovermos todas as mudanças necessárias de uma só vez. Precisamos ter cuidado no processo legislativo, ao mesmo tempo, para não promovermos choque de competências”, conclui o senador.
Segundo Flávio Jardim, procurador do Distrito Federal, o grande gargalo, atualmente, no Judiciário é a execução fiscal. “Os embargos demoram em média seis anos e meio na Justiça, esse valor fica inacessível durante esse período”, explica.
De acordo com o procurador, o prejuízo não é somente da Fazenda, que enfrenta dificuldades na arrecadação de crédito público, mas também para a economia, no geral, e produtividade. “O Estado deixa de arrecadar e o contribuinte fica com problemas de contabilidade, com o passivo tributário, e atividade econômica encarecida”, explica.
Sobre a arbitragem tributária, outro benefício da alternativa aos contribuintes, segundo Jardim, seria a suspensão da execução e a discussão dos embargos pela câmara arbitral.”Hoje, não há essa possibilidade”, diz. Ele também afirma que parte dos devedores institucionais não são contumazes e querem uma chance mais rápida para a discussão do crédito tributário. “É uma forma de desjudicialização e celeridade”, afirma o procurador.
Segundo Luciano Godoy, árbitro e sócio de Contencioso e Arbitragem do PVG Advogados, o projeto é positivo como uma forma de evitar a judicialização. Entretanto, ele afirma que a arbitragem tem um custo maior do que o Judiciário. Com isso, em sua avaliação, poucos casos devem chegar chegar às câmaras arbitrais. “Com isso, não temos no momento essa preocupação que o PL vai atolar o mundo da arbitragem”, afirma.
Para ele, a opção da arbitragem é interessante para as empresas, que não precisarão ficar com cobranças em pendência durante anos e passar por diversas instâncias no Judiciário. “Para o Fisco, é uma solução rápida especialmente em casos de maior valor”, afirma.
O árbitro, entretanto, alerta que o PL gera mais restrições quanto ao procedimento arbitral. NO artigo 16-F do texto do projeto de lei, é estabelecido que: “Qualquer das partes pode pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade caso a sentença arbitral contrarie enunciado de súmula vinculante, decisão do Supremo Tribunal Federal”.
Para Godoy, a observação dos precedentes do STF pode funcionar como uma trava para as discussões nas câmaras arbitrais, pois, no contexto arbitral normal, não há necessidade de observância desses precedentes.
Atualmente, o PL 4527/2019 está na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. O relator da matéria é o senador Otto Alencar (PSD). Há uma emenda apresentada ao PL. A modificação proposta é de autoria senador Weverton (PDT). Ele pleiteia que as câmaras arbitrais sejam previamente cadastradas por cada entidade da Federação para serem autorizadas a prosseguir com o procedimento arbitral.