A Lei 11.101/2005 modificou o papel dos credores no direito falimentar brasileiro, já que, até a criação do instituto da recuperação judicial, o papel destes era bastante restrito. No passado, os credores não tinham a possibilidade de tomar decisões sobre a forma de tutela de seus próprios interesses e, em situações de insolvência, a solução se resumia à decretação da falência.
A Lei de Recuperação Judicial e Falência aumentou a participação dos credores e reforçou os seus poderes decisórios durante todo o procedimento de recuperação judicial, na medida em que, para o legislador, são os credores os personagens mais qualificados para decidir sobre a melhor forma de preservação da empresa viável[1].
Referida lei dispõe que a Recuperação Judicial busca viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
No entanto, é interessante observar que, ao mesmo tempo em que a LRF procura cumprir seus objetivos por meio da ampliação da participação dos credores durante todo o procedimento, reconhece que os interesses dos credores não são os únicos que merecem proteção[2].
Dessa forma, considerando que cabe aos credores a definição do destino do devedor, ao mesmo tempo que cabe ao devedor inicialmente apresentar as medidas de superação da crise que pode e está disposto a adotar, resta claro que somente com a colaboração e o encontro de vontades do devedor e credores será possível alcançar a solução adequada, que atenda aos seus interesses e dos demais stakeholders, com a consequente manutenção da atividade produtiva[3].
A fim de que os credores tenham conhecimento da proposta de recuperação da crise do devedor e possam se manifestar, a LRF exige a publicação de um edital avisando aos credores sobre a entrega do plano ao juiz.
Com o acesso ao plano de soerguimento, os credores podem formar sua convicção pela aprovação imediata do plano ou questioná-lo por meio de objeção, que deverá ser apresentada no prazo de 30 dias, a partir da publicação da relação de credores elaborada pelo administrador judicial ou da publicação do edital sobre o recebimento do plano, o que ocorrer por último, nos termos do artigo 55 da LRF.
O silêncio do credor será entendido como uma aprovação tácita do plano de recuperação judicial proposto, o que não o impede de formalizar a sua concordância nos autos do processo [4]. Todavia, caso o credor não concorde com a proposta apresentada, não é possível rejeitá-la imediatamente, mas, sim, apresentar objeção ao plano para que possa ser levado para discussão e deliberação pela massa de credores, em assembleia.
Isso porque não cabe ao juiz apreciar o conteúdo da objeção ou decidir sobre ela. A competência para apreciação e decisão de qualquer objeção apresentada ao plano é da assembleia geral de credores, órgão máximo de deliberação instituído pela LRF, responsável por tomar diversas decisões procedimentais, tanto na recuperação judicial quanto na falência [5].
No entanto, apesar do poder concedido aos credores na aprovação do plano de recuperação judicial, a verdade é que sempre houve pedidos abusivos por parte das empresas em recuperação. Logo, a possibilidade de uma falência, aliada ao risco do não recebimento do crédito, fazia com que a atuação dos credores fosse tímida, prevalecendo, assim, a vontade do devedor.
Tal comportamento ensejou benefícios indevidos a devedores que buscaram o processo com objetivos outros, que, não, a superação da crise e manutenção da atividade econômica.
Felizmente, em especial após a vigência da lei 14.112/2020, o credor vem assumindo um papel de maior protagonismo nas Recuperações Judiciais.
Com o amadurecimento da utilização do instituto e inovação legislativa, o credor passou a buscar não somente os seus interesses particulares, mas os interesses da coletividade de credores e a coletividade social, incluindo-se, nesse contexto, trabalhadores, fornecedores, consumidores e os Fiscos municipal, estadual e federal.
Neste sentido, as recentes discussões sobre a autonomia do credor têm sido cada vez mais complexas e ultrapassam a interpretação literal da lei. Um ótimo exemplo é a discussão a respeito do limite da autonomia participativa dos credores sobre as garantias reais e fidejussórias, quando o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a substituição ou a supressão dessas garantias deve ter a anuência expressa do credor titular da salvaguarda[6].
Dentre as diversas novidades trazidas pela Lei nº 14.112/2020, tais como a disposição de que o Estado-juiz pode autorizar a constituição de garantia subordinada sem anuência do credor com garantia originária (artigo 69-C) e a possibilidade do juízo recuperacional autorizar a consolidação substancial de ativos independentemente da realização de assembleia de credores (artigo 69-J), destaca-se a possibilidade de apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores.
A possibilidade de apresentação, pelos credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, de plano alternativo ao elaborado e divulgado pelo devedor é possível quando houver rejeição ao plano apresentado, momento em que a assembleia geral de credores poderá aprovar, pela maioria dos créditos presentes, a concessão do prazo de 30 dias para a elaboração e apresentação de plano pelos credores. Tal possibilidade abre novas oportunidades de tempo e conteúdo entre os envolvidos, facilitando a barganha e a colaboração entre eles.
As condições para a aprovação deste plano alternativo estão elencadas no §6º do artigo 56 e são as seguintes: 1) que não sejam preenchidos os requisitos do artigo 58, §1º (cram down); 2) o plano alternativo deve ser composto e acompanhado por todos os demonstrativos que obrigatoriamente compõem o plano apresentado pelo devedor (artigo 53); 3) o plano precisa ter o apoio expresso de credores que representem mais de 25% do total dos créditos sujeitos à recuperação judicial ou mais de 35% dos créditos presentes à assembleia geral de credores que reprovou o plano apresentado pelo devedor, destacando que esse não é o quórum de aprovação do plano, e, sim, o requisito para que seja levado à votação[7]; 4) o plano alternativo não pode vir acompanhado de novas obrigações aos sócios do devedor, se comparado ao plano originalmente apresentado; 5) os credores que aprovarem o plano alternativo abdicam automaticamente das garantias pessoais eventualmente prestadas por pessoas naturais no plano original apresentado pelo devedor; e, por fim, 6) o plano alternativo não pode representar para os credores um prejuízo maior que a liquidação de ativos.
Portanto, a inovação legislativa dispõe que somente se não for aprovada pelos credores a concessão de prazo de 30 dias para a apresentação de plano alternativo de recuperação, ou não cumpridos os requisitos previstos para a sua votação (§6º do artigo 56), é que o magistrado poderá convolar a recuperação judicial em falência.
As considerações ora apresentadas não deixam dúvidas sobre o atual papel dos credores, que têm participação ativa na definição do futuro do devedor que busca o Poder Judiciário para auxiliá-lo na superação de sua situação econômico-financeira.
1 COSTA, Thiago Dias. Recuperação judicial e igualdade entre credores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 77.
2 Idem, p. 78.
3 Ibidem, p. 80.
4 TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. 7ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 234.
5 COSTA, Thiago Dias. Recuperação judicial e igualdade entre credores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 81.
6 REsp 1794209/SP (2019/0022601-6 de 29/06/2021)
7 COSTA, Daniel Carnio. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005/Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo – Curitiba: Juruá, 2021. 