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direito internacional

Os 25 anos da criação do Tribunal Penal Internacional

Brasil está em dívida pois até hoje não tipificou todos os crimes internacionais, apesar de PLs tramitarem no Congresso

Tarciso Dal Maso Jardim
17/07/2023|16:00
TPI
Sede do Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. Crédito: Wikimedia Commons

O dia tinha começado cheio de expectativas e indefinições naquele 17 de julho de 1998, em Roma. Cinco dias antes o Brasil tinha perdido a final da Copa do Mundo, para surpresa dos italianos, que organizaram várias festas, como a do Hipódromo de Capannelle, para festejar a possível derrota da França. Na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), contudo, onde se estava já há um mês negociando o Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI), a derrota era inadmissível, em nome de todas as vítimas de guerras e barbáries do século que findava. 

A primeira ideia de tribunal penal internacional permanente remontava ao ano de 1872, em projeto doutrinário de Gustave Moynier, um dos fundadores do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Desde então, passado o insucesso do entreguerras – com o não julgamento do ex-imperador da Alemanha pelos atos da Primeira Guerra Mundial e a anistia dos “jovens turcos” pelo genocídio dos armênios, apesar do disposto nos tratados de Versalhes e de Sèvres, bem como a não ratificação do tratado de 1937 de tribunal para julgamento do crime de terrorismo –, o pós-Segunda Guerra Mundial e o pós-Guerra Fria tinham gerado quatro exemplos concretos de tribunais ad hoc: os tribunais internacionais militares de Nuremberg e do Japão, instalados pelos Aliados, e os tribunais internacionais penais para a ex-Iugoslávia e Ruanda, criados pelo Conselho de Segurança da ONU. 

A Guerra Fria tinha criado um vácuo entre os dois conjuntos de tribunais, embora o debate rumo a um tribunal permanente nunca tenha findado, como demonstra a citação expressa dessa possibilidade nas convenções para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio de 1948 e para a Supressão e Punição do Crime de Apartheid de 1973. 

Com o fim da Guerra Fria, abriu-se a chamada década das conferências, verdadeiro oásis do direito internacional, avançando temas como direito das crianças, meio ambiente, direitos humanos, mulher, população e desenvolvimento, desenvolvimento social e assentamentos humanos. O Estatuto do TPI, aprovado já depois da meia-noite de 17 de julho de 1998, foi mais uma grande conquista da época, e entraria em vigor em 2022, após superar várias resistências. 

Concebido como organização internacional, com jurisdição não retroativa e complementar a dos Estados, previsão de reparação às vítimas, procuradoria independente, composição com igualdade de gênero, baseado na cooperação, podendo julgar todo crime cometido no território de um Estado-Parte ou por seus nacionais, o TPI possui atualmente 123 Estados-Partes e 31 casos (alguns com mais de um suspeito), emitiu 40 mandados de prisão (21 pessoas foram detidas, 16 continuam foragidas e outras faleceram), 10 condenações e quatro absolvições. 

Ademais, o Estatuto de Roma foi ampliado em conferências de 2010, 2017 e 2019, com as tipificações do crime de agressão e certos crimes de guerra, para além dos previstos e do crime de genocídio e dos crimes contra a humanidade, todos imprescritíveis. 

Há ainda muitos desafios. Apesar da ampla jurisdição e de poderem Estados não Partes levaram casos individuais, como o fez a Ucrânia, ou o Conselho de Segurança também remeter casos, muitos países de grande poder ainda não ratificaram o Estatuto de Roma, como Rússia, Estados Unidos e China. Igualmente, há vários tipos penais que poderiam ser incluídos, como a proibição de todas as armas de destruição em massa; e, por não ter polícia, o TPI depende do aperfeiçoamento da cooperação internacional; bem como enfrenta dificuldades de avançar processos contra os poderosos países com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU e que não ratificaram o Estatuto. 

Nada disso diminui o grandioso projeto do TPI, que não pretende ser o protagonista solitário da justiça internacional; ao contrário, faz parte de um projeto coletivo, da sociedade internacional, sendo a primeira obrigação de julgar e reparar dos Estados. Nesse ponto, o Brasil está em dívida, pois até hoje não tipificou todos os crimes internacionais, apesar de há anos tramitarem projetos de lei no Congresso Nacional. Celebremos o dia 17 de julho, mas não parados. logo-jota