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STF

Testemunha deve ser protegida do réu?

STF decidirá se defesa do acusado precisa do nome

Luciano Bottini Filho
27/10/2014|22:58

Para fazer a defesa técnica de seus clientes, é garantido aos criminalistas o acesso ao conteúdo das declarações de testemunhas protegidas pela Justiça, bem como a sua qualificação. O conteúdo das declarações é repassado pelo advogado ao réu, mas o nome da testemunha não pode ser revelado. Ponto pacífico. Um recurso impetrado recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF) promete criar uma polêmica sobre o assunto. Em habeas corpus, o advogado Thiago Anastácio pediu seja dado ao réu acesso ao nome da testemunha protegida que o acusa. O argumento é que o desconhecimento da identidade do depoente prejudica o direito do réu à autodefesa. Até agora, a questão só havia sido discutida pela ótica do prejuízo à defesa técnica.

O relator do caso, ministro Celso de Mello, negou o pedido de liminar, mas anotou que concorda com a tese do advogado. "Assinalo, desde logo, que também partilho do entendimento de que o direito de defesa há de ser compreendido em sua dimensão global, por abranger não apenas a prerrogativa da defesa técnica, mas, igualmente, aquela concernente à autodefesa", ressaltou o ministro.

Mesmo amparado por citações da doutrina, Mello indeferiu a liminar em respeito ao entendimento consolidado nas duas turmas criminais do STF, que é no sentido contrário. “Embora respeitosamente dissentindo dessa diretriz jurisprudencial, devo ajustar o meu entendimento a essa orientação, em respeito ao princípio da colegialidade”, escreveu o ministro. Portanto, Mello tentará reverter essa posição quando houver o julgamento de mérito.

O processo que em questão é de um dos quatro condenados por um homicídio doloso, ocorrido em 2005, na periferia de São Paulo, capital. Pelo inquérito, a vítima foi obrigada a beber um copo contendo gasolina antes que atirassem contra ela. Em seguida, enrolaram o corpo com lençóis e a carbonizaram por completo. Em 2010, o Tribunal de Justiça paulista anulou o júri, porque os nomes das testemunhas protegidas não constavam da denúncia da Promotoria.

“Se o acusado não tem acesso sequer ao nome daquela  pessoa que, em tese, poderá incriminá-lo, logicamente não pode exercer a autodefesa na sua plenitude, já que fica submetido a uma acusação revestida de anonimato, que pode ser impulsionada eventualmente por escusos interesses”, concluiu o relator da decisão, desembargador Breno Guimarães. Os mesmos argumentos não prevaleceram, porém, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a ação subiu mais uma instância.

A jurisprudência do Supremo vê no advogado uma garantia suficiente para o direito da defesa e ignora o peso que o próprio réu tem no processo quando toma ciência das provas. Nas decisões até então, a questão da autodefesa nunca havia sido debatida. Não haveria, portanto, prejuízo algum nos procedimentos previstos pela regulamentação da Lei 9.807, sobre programas de proteção a testemunhas, feita pelos tribunais e Estados de todo o país.

Para Anastácio, um dos diretores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a jurisprudência do Supremo nesse caso é manifestamente injusta. “Se o réu não sabe quem é a testemunha, não pode saber se a testemunha tem algo contra ele. Por consequência, não tem como avaliar a idoneidade das declarações. É flagrante o prejuízo.” Além disso, segundo ele, os advogados teriam, em tese, a obrigação de revelar ao réu quem é a testemunha, mas é comum que não o façam por conta de ameaças feitas por magistrados. “Os juízes costumam falar que, se acontecer alguma coisa, a culpa será do advogado, o que é um absurdo”, diz Anastácio.

Não são só os ministros do STJ que dão menor prestígio à autodefesa. O criminalista Jair Jaloreto se considera satisfeito em ter acesso aos dados relativos à testemunha protegida, mesmo que não possa repassá-los na íntegra ao réu. “Bater na tecla que é necessário e fundamental que o réu tenha acesso à identidade é um preciosismo, na prática. É eventualmente uma tentativa de cravar uma nulidade, pensando como advogado contencioso”, afirma Jaloreto.

Outro argumento atribui ao advogado o papel de verdadeira garantia ao direito de defesa. “O advogado está patrocinando o direito do réu e tem toda a possibilidade de interlocução com ele para articular a defesa”, alega Arnaldo Hossepian Jr., procurador de Justiça de São Paulo e professor da FAAP. A interpretação dele a respeito da autodefesa é restritiva e prioriza a formação jurídica. “A autodefesa é permitida com a habilitação técnica. O sujeito só vai exercitar uma autodefesa se ele for técnico em direito. Se eu tiver um advogado, e o juiz entender que eu estou indefeso, ele pode nomear outro. É essa defesa que vale”, avalia o procurador.logo-jota