Mariana Muniz
Repórter
Um juiz federal declarou a inexigibilidade das contribuições previdenciárias sobre a folha de salários e rendimentos de uma trabalhadora aposentada enquanto durar a relação de trabalho após sua aposentadoria. A decisão contraria posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) – que em novembro de 2016 considerou inviável o recálculo do valor da aposentadoria por meio da chamada desaposentação.
De acordo com o Supremo, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) só é possível criar benefícios e vantagens previdenciárias decorrentes da permanência ou volta do segurado ao mercado de trabalho após concessão do benefício da aposentadoria por meio de lei. A tese teve repercussão geral.
Em sua decisão, o juiz federal Luciano Tertuliano da Silva, titular do Juizado Especial Federal Cível de Assis/SP, condenou a União a restituir à aposentada o valor de R$ 42.634,48, atualizado monetariamente, referente às contribuições descontadas da remuneração da trabalhadora aposentada nos últimos cinco anos que antecederam ao ajuizamento da ação. Como a sentença foi dada em primeira instância, a União pode recorrer.
+JOTA: Supremo rejeita direito a desaposentação
“Ao impor a determinada pessoa a condição de segurado obrigatório, exigindo-lhe a canalização de contribuições previdenciárias sem, contudo, assegurar-lhe a contrapartida da cobertura previdenciária, a Administração Pública esmaga a dignidade da pessoa humana desse contribuinte por lhe tolher um conjunto de benefícios imprescindíveis a assegurar-lhe a existência digna, livre e igual, mormente por não lhe blindar, através da proteção social, dos riscos e mazelas típicas a que sujeito pelo mero exercício de atividade laboral”, afirmou o magistrado.
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Para o juiz federal, a cobrança da contribuição não deveria ser obrigatória já que ao permanecer trabalhando e contribuindo para o RGPS, depois de obter a aposentação, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não concede garantias mínimas hábeis a assegurar proteção em relação à sua atual situação empregatícia.
“Se não há por parte da Previdência Social uma contraprestação apta a conferir aos segurados que se encontrem em idêntica situação uma proteção suficiente e adequada a todas as contingências sociais, indistintamente, não há razão para se exigir dos contribuintes aposentados empregados, segurados obrigatórios, as contribuições sociais incidentes sobre sua remuneração”, salientou.
A decisão traz ainda que a contestação da União não foi capaz de apresentar qualquer argumento que justificasse a exclusão de cobertura previdenciária daquele que continua trabalhando e contribuindo para o sistema RGPS, ainda que aposentado.
"Esse comportamento malicioso, regado de astúcia, é bem ressaltado na ausência de racionalidade no ato de retirar toda e qualquer cobertura previdenciária daquele que, aposentado, continua exercendo atividade laboral e contribuindo para o RGPS", ressaltou o juiz.
A aposentada entrou com a ação em 2012 e pedia para deixar de contribuir com o RGPS, assim como restituição das quantias já pagas. Ela alegava que, ao permanecer trabalhando e já aposentada, o INSS não oferece coberturas típicas de um sistema materialmente previdenciário.
É que, de acordo com o parágrafo 2º do artigo 18 da Lei 8.213/91, o aposentado pelo RGPS que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.
A controvérsia em questão diz respeito ao processo 0000091-85.2017.4.03.6334.
Repercussão
Na avaliação do advogado João Badari, a posição do juiz demonstra que o princípio contributivo-retributivo da Previdência Social, previsto na Constituição Federal, não está sendo levado em consideração.
“Por enquanto é uma decisão de primeira instância, portanto devemos esperar que o STF module os efeitos da desaposentação, porque houve muitos pontos que não ficaram claros. ”
Para o especialista em direito previdenciário, embora seja em primeira instância, a decisão chama atenção ao mostrar a relevância da matéria e a existência de pontos que ficaram obscuros.
“Neste caso, o juiz não deu desaposentação, mas foi contrário ao posicionamento do STF que é aquele que diz ‘ o aposentado que continua trabalhando não tem nenhuma contraprestação.’”
Ao JOTA, o advogado Murilo Aith defendeu que a decisão é uma vitória dos aposentados que retornam ao mercado de trabalho e são obrigados a contribuir coma Previdência sem nenhum retorno.
“Após a decisão do STF sobre desaposentação, é a primeira vez que se tem uma decisão como esta, que dá esperança ao aposentado de que, se ele tem que continuar no trabalho, ao menos que não tenha que contribuir."