Banner Top JOTA INFO
CVM

Justiça nega pedido do MPF para interferência na governança da Vale

Procuradoria argumentou que companhia 'desenvolveu cultura de menosprezo a riscos ambientais'

Guilherme Pimenta
11/03/2021|15:15|Brasília
Atualizado em 11/03/2021 às 15:27
carf, Vale
Crédito: Vale/Divulgação

A Justiça Federal de Minas Gerais negou um pedido do Ministério Público Federal para que o Poder Judiciário interferisse na estrutura de governança da Vale, promovendo uma reestruturação de políticas internas, de segurança e de prevenção a desastres. O pedido ocorreu devido ao rompimento da barragem de Brumadinho (MG), que já deixou mais de 270 mortos.

No pedido, a Procuradoria da República em Minas Gerais argumentou que a Vale desenvolveu, ao longo do tempo, uma cultura interna "de menosprezo aos riscos ambientais e humanos, decorrentes da atividade que desempenha.

Nas palavras do MPF, a Vale se permitia, "sistematicamente, a apropriar-se do lucro das suas operações, ao mesmo tempo em que externalizava, para a sociedade, os riscos e efeitos deletérios de seu comportamento, em uma verdadeira situação de irresponsabilidade organizada".

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de capitais, e a Agência Nacional de Mineração (ANM), que regula o setor, questionaram o pedido do MPF.

Nos autos, a CVM argumentou que uma possível interferência estatal na Vale representaria um altíssimo risco ao mercado de capitais, principalmente a investidores internacionais. Além disso, o órgão informou que abriu diversos processos administrativos para analisar as ações da companhia referentes a Brumadinho.

A ANM disse ao Judiciário que o arcabouço jurídico atual não permite que o Estado interfira na companhia, e tampouco obriga que a agência substitua a direção da empresa, traçando uma política de segurança e mitigação de riscos.

Decisão

De acordo com a juíza federal Anna Cristina Rocha Gonçalves, da 14ª Vara Federal de Belo Horizonte, o deferimento da medida pleiteada pelo MPF atrairia para o Estado Brasileiro a responsabilidade sobre qualquer novo dano causado pelas atividades econômicas da Vale, exonerando a própria empresa da responsabilização penal, civil ou administrativa.

"O efeito seria, portanto, diametralmente oposto ao pretendido pelo Autor, sem mencionar o enorme potencial disruptivo que a implementação de tal intervenção teria no mercado de capitais", considerou a magistrada.

Além disso, segundo Anna Cristina, a imposição de uma intervenção judicial na Vale, sem a indicação específica de um ato a ser cessado, com o fim de reformar a cultura interna de uma empresa privada, com destituição de diretoria, nomeação de CEO e impedimento de distribuição de dividendos aos acionistas, "não encontra supedâneo no ordenamento jurídico brasileiro e não constitui o escopo das ações civis públicas".

Ainda nesse sentido, a magistrada afirmou que o acolhimento da pretensão do MPF contra a Vale converteria o Estado Brasileiro, por meio do Judiciário e, subsidiariamente, do MP, "em verdadeiro administrador e gestor de risco de uma empresa privada, bem como segurador universal de todo e qualquer dano futuro decorrente da atividade econômica por ela desempenhada, o que, a toda evidência, escapa por completo às funções do Estado.".

O procurador-chefe da CVM, Celso Rocha Serra Filho, disse ao JOTA que a decisão afastou um grande risco que poderia ter sido causado ao mercado de capitais e dano de imagem aos investidores.

"O procedimento de segurança e toda a estrutura de governança deve ser definido pela própria empresa, de acordo com os padrões técnicos/regulatórios do Brasil ou internacionais", disse Rocha.

A judicialização de questões relacionadas ao mercado de capitais, no entendimento do procurador da CVM, não é mais aceita pelo investidor, principalmente o internacional.

"O potencial lesivo desta ação era enorme. Caso a Justiça abrisse esse precedente, havia um risco de judicialização em companhias de todos os setores da economia. Seria um nível de intervenção incompatível", completou o procurador.

"Os órgãos reguladores devem, sim, observar as regras de governança das companhias, mas jamais o Judiciário deve estabelecer isso em um processo, nomeando interventor", falou Rocha.

O MPF deve recorrer da decisão ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.logo-jota