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O direito de defesa e a nulidade dos atos decisórios

No Brasil, o óbvio precisa estar devidamente positivado para ser observado com seriedade

Thales M. Stucky
06/06/2017|14:00
Foto: Rafael Martins/SECOM

Quando da publicação do Novo Código de Processo Civil - NCPC (Lei nº 13.105/2015), muitos se surpreenderam com a inclusão de regra que determina que seria considerada nula a decisão judicial (sentença, decisão interlocutória ou acórdão) que deixasse de "enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador" (art. 489,  §1º, IV do NCPC).

Ora, muitos aplicadores do Direito entendiam pela desnecessidade da positivação de tal comando, na medida em que sempre se afirmou que cabia ao julgador decidir de acordo com as alegações e provas apresentadas pelas partes. Assim, em uma análise lógico-dedutiva, em decidindo o julgador determinado caso sem analisar as alegações e provas trazidas pelas partes, não deveria haver dúvidas que eventual decisão estaria maculada por vício de nulidade, pois violado o direito de defesa.

No entanto, no Brasil, infelizmente, muitas vezes o óbvio também precisa estar devidamente positivado para passar a ser observado com a devida seriedade pelos que têm a função de decidir, seja na esfera judicial, seja na esfera administrativa, sendo esta a virtude da regra prevista no art. 489, §1º, IV do NCPC, senão vejamos.

Justamente arvorando-se da regra prevista no art. 489, §1º, IV do NCPC, o CARF decidiu por julgar nulo acórdão proferido pela Delegacia Regional de Julgamento de Florianópolis - DRJ/FLO, "determinando a autoridade a quo que profira nova decisão levando em consideração os argumentos relevantes de defesa contidos na impugnação" (Acórdão 3402-004.134).

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O processo em que proferido o acórdão acima referido envolvia discussão sobre a aplicação de multa prevista na cessão de nome para realização de operações importação, multa esta prevista no art. 33 da Lei nº 11.488/2007, normalmente conhecida como "multa pela ocultação do real importador".

De acordo com a Fiscalização, a conclusão pela ocorrência da conduta de ocultação do real adquirente das mercadorias importadas estaria baseada nos seguintes fundamentos:

(i) a pessoa responsável pelo apoio administrativo na importação das mercadorias teria vínculo empregatício com o real adquirente das mercadorias;

(ii) a real adquirente seria a responsável pelo frete devido entre o porto de entrada e o município em que localizado o importador constante na Declaração de Importação;

(iii) tanto o importador de direito, quanto o suposto real adquirente estavam localizados no mesmo município;

(iv) houve identificação de notas fiscais emitidas em nome do importador, nas quais constava o nome do suposto real adquirente como transportador das mercadorias;

(v) ausência de pagamento do exportador estrangeiro pelas mercadorias importadas;

(vi) ausência das informações acerca da origem dos recursos utilizados pelo importador para importação.

Com base em tais argumentos, o Fisco lavrou auto de infração para cobrança de multa em valor equivalente a 10% (dez por cento) do valor aduaneiro da mercadoria importada, assim como aplicou a pena de perdimento em relação a tais mercadorias.

Em impugnação, por sua vez, a empresa autuada suscitou, de forma preliminar, a nulidade da autuação por bis in idem, em face da aplicação cumulativa da multa de 10% com a pena de perdimento. No mérito, entre outros argumentos, suscitou que as operações com a suposta "real adquirente" tratam-se de operações de compra e venda ocorridas no mercado interno, não tendo havido qualquer tentativa de ocultar a relação comercial com este terceiro. De igual maneira, suscitou a obtenção de crédito junto ao fornecedor estrangeiro em condições de pagamento favoráveis, o que justificaria a ausência de pagamento no momento da importação. Ainda, alegou a ausência de qualquer prova quanto ao recebimento de recursos por parte do suposto "real adquirente" para fins de financiamento das operações de importação.

Não obstante a extensa lista de alegações apresentada na impugnação do Contribuinte, a DRJ limitou a análise do caso à alegação de nulidade do auto de infração em face do suposto bis in idem, decidindo por afastar as alegações veiculadas em tal sentido para o fim de manter na íntegra o lançamento.

Em sede de recurso voluntário, ao verificar a análise limitada dos alegações suscitadas em impugnação, o contribuinte argumentou que o acórdão recorrido havia violado as disposições do art. 31 do Decreto nº 70.235/72, o qual estabelece que a decisão de primeira instância administrativa deve abordar as razões de defesa apresentadas pelo contribuinte. Neste ponto, destacou o contribuinte em seu recurso que "a DRJ não enfrentou os argumentos expostos pela recorrente na impugnação; mal mencionou o que constava da impugnação....nada falou a DRJ sobre a nota promissória para dar garantia ao exportador pelo crédito concedido à Recorrente, e sobre o crédito em si, o prazo de 360 dias, a DRJ teceu uma única frase, desconsiderando-o, mas sem dizer o porquê de tal desconsideração. Ou seja, não falou a DRJ se seriam tais argumentos motivos suficientes para a improcedência do auto".

No termos do voto condutor, de forma acertada no entendimento deste que subscreve, foi reconhecida a insuficiência da análise realizada pela DRJ e, assim, a nulidade do acórdão recorrido pela evidente violação ao direito de defesa do Contribuinte.

A corroborar com tal entendimento, a Conselheira relatora invocou de maneira supletiva a aplicação do art. 489, §1º do NCPC a fim de sustentar a nulidade do acórdão recorrido em face do reconhecimento da ausência de enfrentamento das alegações levantadas pelo contribuinte em sua defesa.

A aplicação de tal dispositivo do Codex, em conjunto com as regras similares previstas no processo administrativo (arts. 33 e 59, II do Decreto 70.235/72), mostra uma correta aplicação e interpretação sistemática do Direito a fim de proteger o direito de defesa do contribuinte o qual deve ser preservado na maior extensão possível, devendo ser saudada a posição externada pelo CARF no julgado ora em análise como sendo uma efetiva proteção do direito de defesa dos contribuintes.

De igual maneira, mesmo que sob a ótica sistêmica do Direito fosse desnecessária a inserção de regra que prevê a nulidade de decisão caso esta deixe de considerar as alegações suscitadas pelas partes, vemos na prática que o comando em questão inserido pelo CPC tem se mostrado efetivo, não apenas nas fronteiras do processo judicial, mas também no processo administrativo, o que demonstra o acerto da decisão dos proponentes do NCPC de positivar certas obviedades, em especial para proteger o direito fundamental das partes de serem efetivamente ouvidas pelos órgãos julgadores.logo-jota