Pedro Adamy
Professor da Escola de Direito da PUC-RS. Doutor em Direito (USP). Mestre em Direito (UFRGS). Vice-presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET). Advogado e consultor
O tema dos vícios materiais e formais na jurisprudência do Carf já foi objeto de análise nesta coluna. Nos artigos ressaltava-se a importância em decifrar o vício que tem a capacidade de anular o lançamento ou as características do vício que tornam inviável a convalidação do auto de infração.
Em caso recente julgado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), processo 10314.726343/2014-21, a nulidade arguida pelo contribuinte dizia respeito ao equívoco na determinação do sujeito passivo do tributo. Ou seja, tratava-se de alegação que fulminava um dos elementos essenciais do lançamento tributário. Estando certa a alegação do contribuinte, estar-se-ia diante de um vício material, que tornaria nulo o lançamento.
No caso concreto, o auto de infração foi lavrado em face de empresa já extinta por incorporação, e não em face da incorporadora. Quer isso dizer que a autoridade fiscal, ainda que já tivesse sido informada sobre a incorporação da pessoa jurídica, e a sua consequente extinção, ainda assim lavrou o auto contra contribuinte que, formal e materialmente, não mais existia.
Os argumentos da autoridade fiscal podem ser resumidos em três espécies diferentes: primeiro, que o lançamento é ato que decorre da aplicação da legislação em virtude da ocorrência do fato gerador, o que de fato havia ocorrido, ainda que não tenha sido realizado pelo contribuinte identificado no auto de infração. Nesse sentido, segundo a autoridade fiscalizadora, mais relevante que a identificação do contribuinte do tributo é a verificação dos elementos fáticos que compõem o fato gerador e a sua ocorrência.
Segundo, que o erro formal na identificação não representa a realidade dos fatos, devendo ser considerado que o contribuinte efetivo era a sucessora e não a empresa já extinta. Segundo este entendimento, o auto de infração instaurou uma relação jurídico tributária com a real contribuinte – a sucessora – e não com a contribuinte identificada no auto – já extinta. Algo como a prevalência da realidade sobre o erro formal constante do auto de infração.
Por fim, terceiro, que não houve qualquer prejuízo ao contribuinte, uma vez que foi possibilitada a defesa. Sendo assim, diante da ausência de prejuízo, não há que se falar em vício formal/material, mas em irregularidade juridicamente irrelevante, não se cogitando em retificação ou aperfeiçoamento do lançamento e nem em declaração de nulidade do ato administrativo de lançamento.
Nas decisões recorridas, havia restado decidido que o erro na identificação do contribuinte levava à nulidade do auto de infração, independentemente da ocorrência ou não de prejuízo. Veja-se:
"PRELIMINAR. NULIDADE. AUTO DE INFRAÇÃO. ERRO DE IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR VÍCIO FORMAL. PESSOA JURÍDICA INCORPORADA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SÚMULA CARF no 112.
É nulo, por erro na identificação do sujeito passivo, o lançamento formalizado contra pessoa jurídica extinta por liquidação voluntária ocorrida e comunicada ao Fisco Federal antes da lavratura do auto de infração. Violação das prescrições dos artigo 142 do CTN e artigo 10, I, do Decreto n° 70.235/1972. Há nulidade por vício formal, se o defeito for provocado por descumprimento de formalidades indispensáveis à existência do lançamento, mas restar presente a motivação e se não houver prejuízo ao contraditório".
No julgamento perante a CSRF, por 5 votos a 3, os conselheiros da 3ª Turma entenderam que um erro na identificação do sujeito passivo na autuação fiscal tem como consequência a nulidade do auto de infração por vício formal.
Quer isso dizer que, independentemente da gravidade do erro presente no auto, foi possível reconhecer razões para a ocorrência do equívoco. Assim, segundo a maioria da CSRF, as peculiaridades do caso justificariam que a incorreta identificação do sujeito passivo fosse considerada como vício formal, e não vício de natureza material.
Neste ponto, deve-se fazer menção ao fato de que o artigo 142 do CTN determina, expressamente, o dever de a autoridade administrativa identificar o sujeito passivo, nos seguintes termos:
"Artigo 142 — Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível".
Da mesma forma, é sabido que o artigo 10, inciso I do Decreto 70.235/72 também determina a qualificação do autuado como um dos elementos necessários do auto de infração. Veja-se:
"Artigo 10 — O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente:
I — a qualificação do autuado".
A divergência, inaugurada pela conselheira Tatiana Midori Migiyama, entendeu que as exigências legais de identificação do sujeito passivo levam à caracterização da infração como vício material. No entanto, restaram vencidas, com a decisão por maioria entendendo como sendo mera violação por vício formal.
Importante notar que, seguindo-se a lógica desta decisão, a própria identificação do contribuinte pode ser considerada como um elemento não essencial do lançamento, podendo haver novo lançamento em face de outro contribuinte.