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Saneamento: consequências da (não) comprovação da capacidade econômico-financeira

Com adesão de 15 estados, ainda não há clareza sobre os próximos passos e consequências

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Crédito: Unsplash

Não é novidade que a redação trazida pelo artigo 11-B da Lei 11.445/2007, conforme alterada pela Lei 14.026/2020, determinou que os contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento deverão definir metas de universalização que garantam o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento, viabilizando a sua inclusão nos instrumentos até 31 de março de 2022. 

Para garantir o atingimento das referidas metas, o legislador impôs requisitos distintos com vistas à comprovação da capacidade econômico-financeira para contratos de programa e concessões licitadas. Em linhas gerais, aos primeiros, as alterações em face da universalização são mandatórias, enquanto para os segundos parece haver uma subdivisão: para os contratos de concessão sem metas definidas, a inclusão seria obrigatória, enquanto para aqueles que possuem metas diversas das previstas no novo Marco Regulatório do Saneamento, a adequação seria facultativa. 

Isto é, em regra, os instrumentos contratuais oriundos de licitação podem não ser modificados, permanecendo inalterados nos moldes licitados, sem que isso implique a irregularidade dos contratos. Neste caso, foram facultadas diversas possibilidades ao ente titular, como a prestação direta da parcela remanescente dos serviços, licitação complementar para atingimento das metas ou aditamento voluntário dos contratos por acordo entre as partes, mediante o respectivo reequilíbrio econômico-financeiro. 

Há quem defenda, por outro lado, que a aplicação do Decreto é somente subsidiária ao universo dos contratos de concessão, os quais não estariam sujeitos ao procedimento de comprovação econômico-financeira tal como os contratos de programa, em particular pela interpretação conjunta da redação dos artigos 10-B e 11-B trazida pela Lei 14.026/2020. Defende-se que a intenção do legislador ao dispor sobre “contratos em vigor” na redação do §1º do artigo 11-B teve como objetivo tratar somente dos contratos de programa, enquanto as diretrizes atribuídas aos contratos de concessão seriam exclusivamente aquelas dispostas pelo §2º do artigo1-B. 

A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) entendeu que, no caso de contratos firmados por meio de procedimentos licitatórios que possuam metas de universalização distintas das previstas no novo marco, o prestador de serviço também deveria comprovar capacidade econômico-financeira, com a ressalva de que, caso não o fizesse, as metas originalmente pactuadas continuarão inalteradas. 

Fato é que, ainda que prevaleça o entendimento de que todos os contratos em vigor estariam sujeitos à comprovação, os ônus aos contratos de concessão (que não tenham apresentado requerimento tempestivamente ou não tenham a comprovação econômico-financeira atestada) serão distintos e menos gravosos do que aqueles atribuídos aos contratos de programa. 

Os operadores tinham até 31 de dezembro de 2021 para encaminhar as informações para comprovação da capacidade econômico-financeira às agências reguladoras responsáveis pela fiscalização de seus contratos. Não obstante os prestadores terem encaminhado cópia do protocolo de requerimento e dos documentos à ANA acerca da submissão da documentação, a deliberação sobre a capacidade econômico-financeira dos operadores será feita por cada entidade reguladora competente até 31 de março de 2022. Findo o prazo, a ANA deverá disponibilizar em seu sítio eletrônico, no mínimo, cópia eletrônica das manifestações técnicas e das decisões da entidade reguladora.

Ao final do processo, as informações poderão ser utilizadas pelas instituições para balizar o repasse de recursos públicos para o setor. Nessa linha, a lista publicada pela ANA tem como objetivo garantir transparência ao processo de repasse de recursos públicos da União àqueles que tenham cumprido as condicionantes previstas na legislação e no Decreto nº 10.588/2020, nos termos do artigo 50 da Lei 11.445/2007. 

No último dia 12 de janeiro, a ANA divulgou a relação dos operadores dos serviços que apresentaram tempestivamente, às agências reguladoras locais, a documentação exigida no §2º, artigo 11, do Decreto 10.710/2021. 

Dentre as CESBs, apresentaram o requerimento 16 operadores públicos de 15 estados:

  1. Companhia de Água e Esgoto do Rio Grande do Norte (Caern);
  2. Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp);
  3. Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan);
  4. Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece);
  5. Companhia de Águas e Esgoto da Paraíba (Cagepa);
  6. Companhia de Água e Esgoto de Rondônia (Caerd);
  7. Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e sua subsidiária, Copanor;
  8. Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar);
  9. Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan);
  10. Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa);
  11. Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan);
  12. Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso);
  13. Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. (Embasa);
  14. Empresa de Saneamento do Mato Grosso do Sul (Sanesul);
  15. Saneamento de Goiás (Saneago).

Ainda de acordo com as informações disponibilizadas pela ANA, parte dos operadores privados (municipais/regionais) também apresentaram requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira, tais como algumas concessões do Grupo Águas do Brasil e da BRK Ambiental. 

Ainda que não seja possível prever a decisão das entidades reguladoras quanto à comprovação econômico-financeira dos operadores que submeteram tempestivamente a documentação requerida, espera-se que sejam respeitados os preceitos da segurança jurídica, previsibilidade nas relações contratuais, competitividade e sustentabilidade. 

Com relação aos operadores dos estados do Acre, Amazonas, Maranhão, Pará, Piauí, Roraima e Tocantins que, de acordo com as informações disponibilizadas até o momento, não teriam cumprido o prazo para apresentação dos requerimentos de capacidade econômico-financeira, tais operadores estão sujeitos a perder os contratos com os titulares. 

Se, de um lado, a não comprovação da capacidade econômico-financeira abre a oportunidade para que os blocos regionais busquem conceder os serviços em processos competitivos e aponta o caminho da privatização, por outro, ainda restam dúvidas quanto ao futuro desses operadores e dos respectivos instrumentos caso a regionalização ou a privatização não seja concluída nos prazos fixados na legislação aplicável.

Como se dará a declaração/constatação da irregularidade dos contratos de programa e quais serão as consequências práticas, além de não ter acesso a recursos públicos federais e financiamentos com recursos da União ou geridos por órgãos ou entidades da União?

Finalmente, é importante notar que o novo Marco Regulatório do Saneamento e o Decreto nº 10.710/2021 não trazem, de maneira clara, regras para lidar com as formas de prestação direta (autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista controlada pelo titular) e demais estruturas de delegação da prestação por instrumentos de gestão associada (consórcio público e convênio de cooperação) e, nesses casos, ainda não há clareza sobre a (in)existência de condições econômico-financeiras para cumprimento das metas de universalização.

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