Banner Top JOTA INFO
TJSP

Qual a obrigação de um juiz?

Setores do Tribunal de Justiça (SP) não suportam juízes que aceitaram a Constituição de 88

Thiago Gomes Anastácio,
21/02/2017|05:13
Atualizado em 24/01/2018 às 12:38

Desde que a Constituição da República vige nos tornamos um país em que as leis trazem todas as promessas possíveis – ou como diria o Min. Barroso, “só não promete trazer o amor verdadeiro” – e quase nenhuma delas é cumprida.

Isso é tão triste como o pai divorciado que promete visitar o filho para levá-lo ao parque e não aparece, deixando a criança esperando na porta com a mochilinha nas costas.

Particularmente sou um amigo da Academia e um cultor político que tento, dentro de minhas limitações, propagar, de mesa em mesa ou de tribuna em tribuna, que precisamos construir um país de bases liberais, de leis aplicadas e mecanismos de Estado exíguos, mas úteis. Sobremaneira úteis. Caso contrário, continuaremos jogando dinheiro fora e caindo no conto dos vigários políticos.

Penso, sob o prisma do direito penal, nas seguintes características de um Estado:

  1. O respeito aos direitos e garantias individuais resguardados principalmente pelos juízes e sem a imbecilidade, cada vez mais dominante, de se entender que existem juízes garantistas ou legalistas. As garantias do cidadão estão nas leis processuais e nas normas vetoriais;
  2. Um Judiciário aberto, ritualístico (em homenagem ao passado e em memória dos cuidados) e que se areje para além dos concursos públicos; mas que ao mesmo tempo tenha tempo para decidir com sabedoria e não virar uma Ford de despachos legais, como acontece hoje com nossos heroicos juízes;
  3. Um Judiciário que não tenha a obrigação de números e sim que exija gente, com qualidade e vigor, para decidir com sabedoria o que é melhor em cada caso;
  4. Um Ministério Público voltado para fora e que passe pelo que minhas meias passam em casa: descalçado de sua situação e virado para o avesso, mostrando-se como advogados públicos, não sacerdotes donos da verdade, revelando seus números, correções, punições e teses internas;
  5. Um Ministério Público que exija da polícia investigações plenas, técnicas, científicas, com cuidados contra a possibilidade do erro judiciário;
  6. E ao mesmo tempo, o aparelhamento, não só instrumental, mas humano, para uma polícia judiciária sem corrupção, com salários dignos e respeito aos direitos da cidadania;
  7. E todas essas carreiras, é claro, com a mais absoluta liberdade de opinião sobre os casos, mesmo as resguardando da fúria da multidão e sem pressões políticas verticais – como todos sabem acontecer.
  8. Seria bom ter uma advocacia mais cuidadosa, sem retóricas de uma esquerda fora de época, sem as frases prontas de sempre, mas isso é uma ilusão por agora. Humana, sempre. Abobalhada e de cócoras, jamais.

 

Qualquer um da área criminal entende o que está escrito acima. Falta vontade política, a grande prostituta dos bons argumentos brasileiros.

Escrevi tudo isso para sintetizar que não acredito em discursos antigos e fora de época, nem em ideias ortodoxas sobre nenhum assunto. Acredito na responsabilidade dos homens públicos brasileiros e na vergonha na cara que todo pai e mãe de família devem ter. De resto, tirando a vergonha, a regra deve ser a liberdade de opinião política, judicial ou administrativa. Opinião, não achismos ou chutes.

Juízes livres e firmes com as garantias individuais. Polícia capacitada e estruturada, livre de corrupção. Ministério Público com medo de errar.

Por isso não me conformo com a barbaridade sofrida por uma desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo. Considerada de esquerda e garantista – seja lá que raio essa expressão signifique para além dos lobotomizados de cursinhos – a respeitada magistrada foi punida com a “pena de censura” por ter, como amplamente divulgado, aplicado cautela imposta pelo CNJ; qual seja, ter libertado presos que poderiam estar sofrendo coações para além dos limites legais.

No risco da coação (fumaça do bom direito e perigo na demora), a i. Magistrada soltou os presos sem esperar que os colegiados se reunissem. Até aí nada demais.

Um desembargador mais cioso pelo nominado princípio do colegiado reclamou à Corregedoria ao perceber que solturas foram ordenadas antes das reuniões colegiais.

Uma celeuma cheia de patinhas.

O princípio do colegiado é absoluto? Eu gostaria que sim. A Constituição também. Infelizmente o relativizaram – na verdade o termo correto é estupraram – em nome da administração dos Tribunais e do abarrotamento de processos nas estantes.

Até o Habeas Corpus se adaptou ao tempo dos tribunais. Criaram-se as liminares e delas todas as anomalias possíveis ao remédio constitucional, como súmulas contra sua amplitude, demoras injustificáveis, posições de política criminal no âmbito judicial etc.

Logo, a maior parte dos atos praticados sob o signo do princípio do colegiado são ficções. Basta uma manhã ou tarde nos Tribunais (quaisquer que sejam) para se perceber os julgamentos em bloco, os “acompanho o relator” sem ao menos se saber do que se trata etc.

Ou alguém acha que em 4 horas se julgam 300 casos.

Repito: isso é resultado de judicializações excessivas dos conflitos entre particulares e de conflitos que envolvem o Estado.

Pois é, o Estado abarrota o Estado para não ter que pagar suas dívidas, empurrando-as com a barriga. E o Judiciário não tem muito que fazer sobre isso.

Mas e o que o cidadão tem com isso? A resposta é nada.

Qual a obrigação de um juiz? Respeitar o regimento dos Tribunais ou superá-los em homenagem às regras constitucionais?

Essa discussão, como coloquei, seria de enorme valia caso estivéssemos em estágio de discutir conflitos entre altos valores do direito positivo. Mas não é nada disso, embora aparente e seja assim apresentado como forma de camuflar as querelas politiqueiras das instituições.

A i. Desembargadora foi é caçada por suas posições. Pode-se até fingir acreditar na ficta celeuma jurídica, que apenas serviu de desculpa para sua punição. Os motivos que ensejaram seu processamento foram anteriores ao fato apurado. Era sabido por todos, comentado, refutado. Setores do Tribunal de Justiça (SP) não suportam juízes que aceitaram a Constituição de 88.

Isso aconteceu com outro Juiz de Direito, Roberto Corciolli, que deixou insatisfeitos alguns promotores, pois que soltava réus provisoriamente contra a vontade do Ministério Público. Por soltar réus presumidamente inocentes, foi processado por “promotores de justiça”.

É curioso num período de aplausos a um juiz, como no caso de Sérgio Moro, que as liberdades e garantias da magistratura tombem à mercê das posições jurídicas de...  Uns poucos juízes.

Se condenadores, se vezeiros de prisões preventivas, estão nas capas dos jornais. Se temerem errar, forem cuidadosos e preferirem esperar a comprovação da culpa para prender, são processados.

Uma pena que o sindicalismo dos juízes só se promova pelo som dos aplausos de fácil recepção social.

Liberdade de pensar e julgar significa liberdade de pensar e julgar seja agradando a todos, seja agrando a poucos, tendo como vetor apenas o estudo dos processos e a busca pelo que é justo.

O caso da Desembargadora Kenarik demonstra o quanto os novos sindicalistas brasileiros só querem o que queriam os sindicalistas dos anos 70... Poder, mais poder, não importa como, e sabe-se lá por quê.

Deixem-na em paz. Imitem-na. Antes que o CNJ os faça passar vergonha e tenha-se que camuflar essa vergonha com mais discursos vazios. Ninguém mais suporta tanta notícia.

Era só o que faltava nesse país: juízes julgando juízes por pensarem diferente. logo-jota