Na última década, políticas de sustentabilidade corporativa tem sido objeto de grande debate e incentivo. Hoje, com a emergência de novas perspectivas econômicas pós-pandemia, grandes empresas sugerem que, mais do que nunca, é hora de investir em diretrizes de desenvolvimento sustentável para os negócios.
Esta tendência recentemente chegou na XP Investimentos, uma das maiores corretoras de títulos e valores mobiliários do Brasil, que anunciou[1] o lançamento de seu primeiro fundo de investimento dedicado a empresas com boas práticas, segundo critérios ambientais, sociais e de governança corporativa (Environmental, Social and Governance ou ESG, como conhecido na sigla em inglês).
Através da experiência norte-americana com o advento desta prática, é possível concluir sua influência positiva no trinômio “empresa, investidor e sociedade”, principais players do desenvolvimento econômico sustentável, e observar a emergência de fundos ESG como instrumento de fortalecimento da prática.
Com iniciativa da Organização das Nações Unidas em 2004, o investimento em boas práticas de ESG surgiu de um convite do secretário-geral às maiores instituições financeiras, para elaborar um projeto de inserção destas diretrizes sustentáveis no mercado de capitais.
A iniciativa conjunta concluiu que a incorporação de fatores de proteções ambientais, sociais e de governança no mercado faz sentido para os negócios, e oferece melhores resultados para as sociedades em que se inserem. Em pouco tempo esta hipótese se provou correta, e hoje estima-se que somente no mercado norte-americano haja mais de US$ 30 trilhões em ativos geridos em fundos ESG.

Os investimentos sustentáveis são amplamente entendidos como a integração dos fatores ESG nos processos de investimento e tomada de decisões. Estes fatores cobrem um amplo espectro de questões que tradicionalmente não fazem parte de análises financeiras, mas que podem ter relevância e impacto financeiro nos negócios.
Isso inclui, por exemplo, como as empresas respondem às mudanças climáticas, como realizam a gestão de recursos naturais, quão eficazes são suas políticas de saúde e segurança na proteção de empregados, como gerenciam suas cadeias de suprimentos, e se têm uma cultura de empresa que promove a inovação.
Um estudo elaborado em 2015, apontou[2] que o foco excessivo de empresas em resultados de curto prazo está diretamente associado a redução de investimentos realizados no mercado de capitais norte-americano.
Assim, ventilou-se mais ainda a ideia de investir em empresas que observem as diretrizes de ESG, a começar pela cobrança dos próprios acionistas na divulgação de informações corporativas sobre o que tem sido feito para atender a esta pauta.
A eficácia dos mercados de capitais na alocação de investimentos, bem como na proteção dos investidores contra fraudes e altos riscos, depende, acima de tudo, da disponibilidade de informações. Hoje, os investidores e o público carecem de informações críticas sobre ESG necessárias para tomar decisões “mais bem-informadas” e orientadas a longo prazo.
Não obstante, com o infeliz avanço da pandemia de Covid-19 pelo mundo, investidores e público têm cada vez mais cobrado as empresas acerca de sua resposta à proteção de empregados e demissões em massa, e estas, por sua vez, têm sido pressionadas a oferecer respostas claras. Cientes, ou não, as empresas estão sendo forçadas a pautar seus negócios à ESG – e cientes, ou não, estarão mais propensas a receber mais investimentos, nesta nova tendência.
Adicionalmente, com os recentes protestos nos EUA, após a morte de George Floyd em ação policial em Minneapolis, investidores e público passaram a cobrar das maiores empresas do país, mais ações para promover igualdade racial – como política de governança corporativa. Resta saber agora se o investimento em ESG e a integração de diretrizes de sustentabilidade nos modelos de negócios, se tornarão o novo normal ou se a pandemia terá algum efeito negativo sobre eles.
A fim de assegurar que esta prática seja consolidada no Brasil, e impulsione o trinômio de desenvolvimento econômico sustentável, algumas políticas regulatórias que vêm sendo discutidas nos EUA podem auxiliar no desenvolvimento da pauta nacional, como o investimento em transparência corporativa e fundos ESG.
Em primeiro lugar, como exposto, a captação de investimentos de longo prazo é melhor assegurada através do investimento em transparência corporativa e maior informação aos investidores e potenciais investidores, para que tomem decisões “mais bem-informadas”. Porém, pode não ser do interesse de grandes empresas divulgar suas políticas de forma tão transparente, dependendo da forma como conduzem seus negócios.
Com o surgimento expressivo de empresas autoproclamadas ESG nos EUA, nem sempre a prática anunciada é de fato executada. Apesar de a maioria das legislações empresariais pertinentes estabelecerem critérios de disclosure bastante minuciosos, ainda não há aderência total ou uniformizada quanto a divulgação de relatórios de sustentabilidade, ou que comprovem a execução de práticas ESG.
Assim, no Brasil, ações regulatórias que estimulem maior disclosure das práticas empresariais adotadas, pode ser um caminho para incentivar a adoção de práticas ESG, ao estimular a adoção destas políticas de sustentabilidade.
Em segundo lugar, a adoção de regulação de fundos de investimento mais branda ou facilitada, para aqueles que tiverem como estratégia principal o investimento em empresas ESG, pode fomentar a economia de forma extensa, ao passo que assegura melhores práticas empresariais. Esta é uma forma menos burocrática e invasiva de se alcançar um estímulo ao desenvolvimento econômico sustentável.
Com o pioneirismo da XP Investimentos em lançar fundos com essa estratégia, espera-se que se torne uma tendência, assim como ocorreu nos EUA há 20 anos atrás com o início da negociação de fundos ESG pela gigante Vanguard, consolidando esta estratégia de investimento no mercado norte-americano.
Apesar da Securities and Exchange Commission (CVM norte-americana) não ter regulado fundos ESG especificamente, o diálogo com os players do mercado está aberto, e é esperado que em breve proponham regulação para garantir que estes fundos são de fato pautados em empresas ESG e atendem a critérios predefinidos para essa denominação.
Assim, considerando a previsão[3] de que o Brasil está em posição privilegiada para atrair recursos estrangeiros, mesmo em meio a situação pandêmica atual, o momento é ideal para ser proativo e estimular o investimento em meios que gerem maiores benefícios sociais e reduzam as disparidades existentes, como fundos ESG. Ademais, de acordo com a gestora de ativos norte-americana BlackRock, é estimado[4] que até 2028 os ativos de fundos negociados em bolsa (ETFs) pautados em ESG atinjam o patamar de $ 400 bilhões.
A utilização de mecanismos regulatórios para incentivar determinadas práticas econômicas deve ser vista como alternativa para buscar o desenvolvimento sustentável do mercado, e deve-se levar mais a sério em um momento tão sensível para a saúde pública e as relações sociais.
Com o apoio da CVM, é possível realizar um framework de incentivo pleno a práticas que beneficiem o trinômio “empresa, investidor e sociedade”, com a finalidade de fortalecer o mercado, captar investimentos de longo prazo, e fomentar a proteção do meio-ambiente e as boas relações sociais.
[1] Disponível em: <https://conteudos.xpi.com.br/fundos-de-investimento/relatorios/o-retorno-de-um-mundo-melhor-incorporando-fatores-esg-em-seus-investimentos/>.
[2] Disponível em: <https://www.americanprogress.org/issues/economy/reports/2015/10/21/123717/long-termism-or-lemons/>.
[3] Disponível em: <https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKCN2253PV-OBRBS>.
[4] Disponível em: <https://www.ft.com/content/f66b2a9e-d53d-11e8-a854-33d6f82e62f8>.