“O que é imponderável no mundo é maior do que aquilo com que podemos lidar”.
- Pierre Teilhard de Chardin.
As maiores desgraças normalmente se acometem aos mortais por excesso de confiança. As pessoas, em seus negócios públicos ou privados, planejam o mais genial dos cursos de ação, até que um detalhe ignorado ou um evento inesperado, pela força irresistível do imponderável, o destrói irremediavelmente. “Desta vez será diferente”, diria o Conselheiro Acácio. Nunca o é. Nihil novi sub sole.
Na Grécia Antiga, que em muitos aspectos estava mais adiantada do que nós, essa constante da experiência humana era representada pela deusa Nêmesis. Personificação da retribuição divina, Nêmesis castigava os homens acometidos por hubris – a autoconfiança excessiva (característica relativamente incomum entre advogados e economistas), seja negando-lhes totalmente seus intentos, seja realizando-os de maneira excessivamente perfeita, de forma a impedir-lhes a fruição da vitória pela mácula de um detalhe não antecipado, porém fatal.

Tome-se o caso de Péricles, por exemplo. Um dos maiores gênios político-militares da história, Péricles concebeu a estratégia perfeita para que a sua cidade, Atenas, enfrentasse Esparta, militarmente superior, na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.). Dado que Atenas, potência marítima, não tinha condições de enfrentar Esparta, potência terrestre que contava com a melhor infantaria do mundo conhecido de então, Péricles refugiou toda a população ateniense atrás das famosas muralhas que conectavam a Acrópoles ao porto de Piraeus, protegendo a cidade dos ataques espartanos e concentrando o potencial ofensivo em sua armada, muito superior à de qualquer outra cidade-estado. A estratégia funcionou perfeitamente: Esparta, apesar de destruir os campos atenienses, não foi capaz de tomar a cidade nem de resistir aos ataques navais às suas costas, terminando essa primeira fase do conflito com a Paz de Nícias (421 a.C.), favorável a Atenas.
Péricles não contava, entretanto, com um detalhe crucial, hoje tão presente em nossas vidas: uma pandemia. Com toda a população ateniense refugiada atrás das muralhas, em uma cidade com condições sanitárias longe das ideais, uma pandemia eclodiu, vitimando cerca de 25% da população ateniense, inclusive seu grande líder, o próprio Péricles, em 429 a.C. Nêmesis não perdoa. Há sempre um detalhe coadjuvante que, no imponderável dos acontecimentos, acaba por tornar-se o protagonista. Homo proponit, sed Deus disponit.
Nos mercados financeiros não poderia ser diferente. As debacles, contudo, soem ser mais frequentes e regulares.
A história é repleta de movimentos de euforia que, culminando em bolhas frágeis, sempre acabam estourando, com a quebra dos mercados e a consequente ruína de centenas de milhares de pessoas.
“Desta vez é diferente”, talvez seja a frase mais repetida – e desmentida – da história financeira universal. Plínio o Velho (23/24-79 d.C.) dizia que o melhor plano é o de lucrar com a loucura alheia. Aí, cara leitora, reside o segredo dos mercados financeiros.
A experiência – e o conhecimento histórico – ensinam a reconhecer os sinais de quando uma bolha financeira está prestes a estourar. O principal deles, talvez, seja a sensação de os mercados terem se descolado da realidade. Para onde quer que se olhe, tudo aparece extremamente caro, como se não houvesse pandemia ou mesmo restrição de sorte alguma. Tome-se o mercado imobiliário, por exemplo. Os preços globais estão em níveis delirantes, como o estavam em 2008, em muito superando a capacidade aquisitiva da renda média da população local. Nos EUA, os preços residenciais sobem no ritmo mais acelerado em 30 anos. “O preço dos imóveis nunca cai” é a versão setorial do “desta vez é diferente”.
Nêmesis não perdoa. A única certeza é a de que o imponderável, mais cedo ou mais tarde, se manifestará, trazendo consigo inexoravelmente o castigo pela hubris financeira. Se a história serve para algum análogo, o momento atual é muito similar ao do período do Entre-Guerras, nos anos 1920, época também de pandemia, a da Gripe Espanhola. O frenesi financeiro acabou em quebra das bolsas, depressão econômica e uma segunda guerra mundial. Isso sem mencionar os flagelos políticos do populismo e do nazi-fascismo. Nihil novi sub sole.
A saída, cara leitora, é manter o sangue frio, a cabeça no lugar e os pés no chão. Não sucumbir à tentação de se lançar na loucura dos mercados e seguir o exemplo histórico de quem dominou o jogo, como o Barão de Rothschild (1777-1806). Homem mais rico do mundo em seu tempo, Nathan Rothschild fez uma fortuna com o pânico causado nos mercados pela derrota de Napoleão em Waterloo. Dizia o Barão que “o momento de comprar é quando há sangue nas ruas, mesmo que o sangue seja seu”.
