O município do Rio de Janeiro tem tirado do papel ideias que oportunizam a melhora do ambiente de negócios. Uma delas é o projeto Sandbox.Rio, criado pelo Decreto municipal nº 50.697, de 26 de abril de 2022, que institui o sandbox regulatório municipal. É uma conquista técnica, pensada e estruturada para que houvesse a oportunidade de criar um ambiente em que agentes privados e públicos possam dialogar e trazer composições inovadoras para a cidade.
O artigo “A importância do sandbox regulatório para municípios”, publicado no JOTA, explicou o que são esses instrumentos, alguns benchmarks relevantes e, por fim, afirmou que um sandbox regulatório pode servir à municipalidade para a promoção de desenvolvimento econômico local. É preciso desenvolver os argumentos que justificam essa correlação.
Não custa relembrar que o sandbox regulatório, por definição, constitui-se em ferramenta que permite o teste de inovações de serviços e produtos de modo temporário, por meio do afastamento do quadro regulatório aplicável, sob o controle de algum ente estatal. Sua estruturação permite que os agentes privados e públicos observem os efeitos na prática e, assim, avaliem a necessidade de construir normativas baseadas em evidências produzidas pela experimentação. O sandbox regulatório funciona, portanto, como um experimentalismo estruturado.
Apesar de sua vasta utilização pela regulação setorial, há um campo fértil para sua utilização em políticas de desenvolvimento econômico municipais. Teoricamente, o sandbox é capaz de promover a mitigação dos problemas de conhecimento local ao permitir avaliar — de modo específico a determinado contexto — as consequências de inovações de serviços, produtos ou processos existentes. Nesse breve texto, desenvolve-se três argumentos que traduzem a utilidade do sandbox para o desenvolvimento econômico municipal.
Correlação entre inovação e crescimento econômico
O crescimento econômico pode resultar de um aumento dos fatores de produção — como o aumento da participação da força de trabalho — ou de uma maior eficiência na produtividade, quando, utilizando-se a mesma quantidade de recursos, melhora-se a produtividade total dos fatores. A inovação, por si só, não aumenta a quantidade de recursos. Ela promove a otimização de processos, produtos ou serviços, podendo ser tecnológica (gerando, de fato, novos produtos e serviços), ou não tecnológica, gerando mudanças organizacionais no processo produtivo.
Um crescente corpo de evidências tem demonstrado que o aumento da atividade de inovação gera um impacto mensurável e positivo na produtividade dos agentes econômicos[1]. A inovação, portanto, geralmente correlaciona-se à produtividade total dos fatores.
A atuação do Estado na promoção da inovação justifica-se (a) quando são identificadas falhas de mercado ou (b) quando há determinadas lacunas de caráter fático ou institucional que tornam o ambiente menos propenso à inovação[2]. Estas podem ser categorizadas como:
- Falhas na infraestrutura: fenômeno que ocorre quando há falta de acesso a uma infraestrutura mínima necessária para a atuação dos agentes que promovem inovações, como, por exemplo, acesso adequado a energia e tecnologia da informação.
- Falhas institucionais: circunstâncias em que regulações estatais desalinhadas ou um sistema jurídico engessado podem criar barreiras intransponíveis à promoção da inovação. Esse tipo de falha também pode derivar de instituições sociais, como, por exemplo, o nível de alfabetização tecnológica de uma determinada população ser insuficiente para que se adaptem a novos paradigmas tecnológicos.
- Falhas de interação: quando há ausência de interação entre atores com diferentes habilidades e recursos, necessários para que a inovação seja gerada. Falhas de interação e colaboração entre esses agentes podem afetar negativamente seu desenvolvimento.
- Incapacidade produtiva: circunstância em que os agentes que promovem inovações precisam ter know-how para levar adiante suas ideias e projetos. Pode haver, por exemplo, falhas de transição, que demonstram uma incapacidade das empresas em se adaptarem a novos desenvolvimentos tecnológicos.
É possível afirmar, portanto, que há uma correlação entre a inovação e o crescimento econômico (a inovação pode promover eficiências ao processo de produção de bens e serviços), e o mercado, por si só, pode não promover um ambiente propício em termos de incentivos à inovação, o que justificaria a atuação estatal em sua promoção.
Sandbox regulatório promove um saber local
O sandbox regulatório nasceu e enraizou na regulação setorial, mas não se restringe a ela. Ele permite identificar com maior clareza os agentes que têm interesse em desenvolver inovações, auxiliando o regulador na compreensão dos incentivos que esses agentes têm para conduzir seus negócios naquela localidade.
O formulador de políticas públicas e o regulador, de modo geral, possuem informações menos completas sobre o mercado quando comparados aos próprios agentes privados. Isso acentua-se quando se trata de novos produtos ou serviços fruto de inovações. O sandbox é uma ferramenta que permite a obtenção de informações mais precisas sobre os efeitos de um novo serviço ou produto sobre a sociedade, sendo seu diferencial a possibilidade de coleta desses dados em tempo real, à medida que o experimento é executado.
O experimentalismo abarca soluções de caráter aberto em termos de sua formulação e execução por parte da administração pública. Isto é, as respostas a problemas identificados pelo poder público não são vistas como soluções estanques: o ambiente — que está sempre em constante mudança — determina os ajustes necessários às respostas construídas por meio do experimento. Não levar em consideração a mutabilidade das circunstâncias fáticas tornaria improvável o sucesso dos remédios desenhados pela administração pública[3].
Um dos elementos citados na literatura que correlacionam a atuação da administração local e o desenvolvimento econômico é justamente o conhecimento das autoridades locais a respeito das particularidades de suas jurisdições, viabilizando a tomada de decisões mais adequadas a nível local[4]. É em razão disso que o sandbox se apresenta um instrumento pertinente aos governos locais.
Sandbox regulatório atua sobre eventuais falhas de coordenação
O sandbox regulatório pode criar diálogo entre diversos agentes sociais, principalmente desenvolvendo uma triangulação entre academia, setores produtivos/econômicos e a administração pública. O poder público é munido de informações e dados. A academia pode se encaixar tanto como parceiro da administração pública na avaliação dos resultados, quanto como beneficiária passiva, ao ter acesso aos relatórios finais resultantes da experiência. Os setores produtivos/econômicos, a seu turno, podem testar suas inovações com menor risco de represálias legislativas e judiciais.
Como observado no item anterior, uma das falhas de mercado latentes a níveis sub-ótimos de inovação é, justamente, a falta de articulação entre setores interessados. Falhas de coordenação ocorrem quando projetos poderiam ser melhor executados em parceria com os atores envolvidos. A colaboração, no entanto, normalmente está sujeita a diversas barreiras, como a falta de ciência da existência de outros interessados, prioridades discrepantes entre colaboradores em potencial e altos custos associados às parcerias. O sandbox é um instrumento que permite atenuar essas assimetrias.
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A institucionalização do sandbox regulatório permitirá avaliar, em concreto, como esses argumentos se desenvolverão e seus impactos no desenvolvimento econômico. É uma janela de oportunidade para consolidar ferramentas de construção de dados e de monitoramento a serviço da sociedade.
[1] MOHNEN, Pierre; HALL, Bronwyn H. Innovation and productivity: An update. Eurasian Business Review, v. 3, n. 1, p. 2, 2013.
[2] WOOLTHUIS, Rosalinde Klein; LANKHUIZEN, Maureen; GILSING, Victor. A system failure framework for innovation policy design. Technovation, v. 25, n. 6, p. 609-619, 2005.
[3] SABEL, Charles F.; SIMON, William H. Minimalism and experimentalism in the administrative state. Geo. LJ, v. 100, p. 53, 2011.
[4] SCOTT, Zoë. Decentralisation, local development and social cohesion: an analytical review. GSDRC Research Paper, v. 5, p. 11, 2009.