Luiz Fernando Gomes Esteves
Professor Assistente do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa). Doutor em Direito do Estado pela USP. Mestre em Direito Público pela UERJ
Depois do escândalo de corrupção em que se viram envolvidos vários conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, o que contribuiu para a aposentadoria do ex-deputado Jonas Lopes, uma dúvida surgiu: quem o governador Pezão poderia escolher para o cargo?
A escolha de um nome para o TCE traz consigo pelo menos duas importantes consequências.
Em primeiro lugar, para o governador que realiza a nomeação, uma indicação política e estratégica pode garantir um voto decisivo em favor da aprovação das contas apresentadas. Apesar do parecer do TCE não ser vinculante, podendo ser superado pela maioria absoluta da Assembleia Legislativa, o impacto de um julgamento negativo das contas não deve ser subestimado, sobretudo no contexto de um governo que tem a legitimidade questionada, e que sofre com sucessivos pedidos de impeachment de seu governador.
Além disso, para o indivíduo nomeado, atribui-se o foro por prerrogativa de função, uma garantia que hoje é muito cara para aqueles que são investigados criminalmente. De acordo com a Constituição, é do STJ a competência para julgar os crimes comuns praticados pelos conselheiros dos tribunais de contas estaduais.
Porém, a nomeação de um indivíduo para compor o TCE não é totalmente livre. Para garantir o bom desempenho deste órgão que possui importantes atribuições fiscalizatórias e técnicas, a Constituição estabeleceu, além de requisitos pessoais – como idade mínima, conhecimentos contábeis, jurídicos e econômicos –, também requisitos quanto a origem dos conselheiros.
De acordo com a Constituição, dois terços dos membros das cortes de contas seriam escolhidos livremente pelo Legislativo, e a nomeação dos outros membros ficaria a cargo do Executivo, que deveria escolher, alternativamente entre um candidato de cuja origem fosse do Ministério Pùblico que atua no Tribunal, outro deveria ser auditor no Tribunal, e apenas a outra vaga seria de livre escolha do chefe do Executivo.
No caso do Rio de Janeiro, das três vagas destinadas ao governador, apenas uma poderia ser realizada de forma livre. O Supremo já interpretou essa regra em caso análogo, no julgamento da ADI 374, no sentido de que a nomeação livre só poderia ser realizada quando o cargo vago fosse oriundo da própria nomeação livre. Além disso, na mesma ação, o Supremo definiu que o governador só teria direito a essa nomeação livre caso o TCE já contasse com conselheiros vindos do MP especial e da auditoria do Tribunal.
Ocorre que, no caso do TCE do Rio de Janeiro, o cargo de auditor foi criado apenas no ano de 2013, e tais auditores foram nomeados apenas em 2016. Ou seja, até o ano passado, o governador indicava livremente candidatos para duas das três vagas a que teria direito. Com a aposentadoria de Jonas Lopes, no entanto, tudo indicava que o novo conselheiro deveria ser escolhido dentre os auditores.
Contudo, na última semana, os três conselheiros, de forma surpreendente e pouco explicada, desistiram de concorrer à vaga, o que abriu caminho para que o governador indicasse ao TCE o líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Edson Albertassi, investigado pela prática de diversos crimes. A nomeação satisfaria os dois propósitos acima nomeados, já que garantiria o foro a Albertassi, de um lado, e também constituiria um importante apoio a Pezão, de outro.,
Porém, o desenho constitucional do Tribunal de Contas não autoriza que uma nomeação pretensamente técnica – de um auditor – seja transformada em uma livre indicação governista, pois isso enfraqueceria a função fiscalizatória do Legislativo sobre o Executivo. Quanto a isso parece não haver dúvidas, já que o texto constitucional é claro, além de existir decisão do Supremo sobre o assunto. Por isso, acertou o TJRJ em anular a nomeação, e também a Procuradoria do Estado, que se recusou a defender a constitucionalidade da nomeação.