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DPU

A solidão da tribuna

Embora não facilmente compreensível para todos, o não-dito é quase tão relevante quanto o proferido

Gustavo Ribeiro
16/05/2016|19:24
Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF

A avaliação de uma sustentação oral como de qualidade é sempre associada com a capacidade de se falar bem, impressionar, prender a atenção dos Julgadores em primeiro lugar. Em seguida, valoriza-se o conhecimento do assunto abordado.

Os dois aspectos acima são realmente importantes e talvez os mais perceptíveis em uma manifestação oral de qualidade, mas estão longe de ser os únicos capazes de influenciar no efeito que ela causará.

A tribuna é um momento, um instante de 15 minutos, via de regra, em um processo que se arrastou por anos. Não permite consultas longas, dúvidas, hesitações.

Eleger antecipadamente o que falar ou não falar talvez seja das tarefas mais difíceis. Inicialmente, porque o que é dito tem peso diferente do que está escrito, para o bem e para o mal. Em segundo lugar, porque a sustentação não permite uma explicação demorada sobre um mesmo assunto sem que se perca o sentido.

Mas o pior de tudo são as decisões que precisam ser tomadas a poucos instantes da fala ou até mesmo na hora, na solidão, na ilha chamada tribuna, em que reflexões e conclusões têm segundos para ocorrer.

Embora não facilmente compreensível para todos, o não dito é quase tão relevante quanto o proferido. O silenciado e suas razões não serão explicados posteriormente aos que assistiram a sustentação, como em um filme em que as dúvidas são esclarecidas ao final. Ficarão apenas no conhecimento de quem optou por aquela via, com o fardo ou a glória do resultado obtido.

O relator do processo, a composição do colegiado julgador no dia, as manifestações orais eventualmente feitas pelos procuradores das partes adversas, tudo isso deve ser considerado na hora de se escolher o caminho a seguir e os atalhos e desvios tomados no momento.

Antecipar o que será usado por quem discorda da sua tese, seja o ex-adverso, o Ministério Público ou algum julgador, também não é tarefa fácil.

Um dos piores pesadelos de quem faz uma sustentação oral é ver o que foi dito ser usado contra si, sentir que uma tese contrária ao que se defende foi lembrada apenas em razão de ter sido mencionada na própria manifestação. Por outro lado, esse medo precisa ser equilibrado com a antecipação do que a outra parte ou os Juízes falarão. Às vezes, como parece, é quase um exercício de adivinhação e probabilidades incidente sobre uma circunstância que pode mudar em fração de segundos, pelas causas mais inesperadas

Recentemente, experimentei um caso em que fui ao Supremo Tribunal Federal pronto para sustentar a tese principal e fazer diversas sugestões subsidiárias caso superada aquela. Para minha surpresa, nem o recorrente, contrário à minha tese, ou os amici curiae, que o secundavam, apareceram para falar. Os precedentes eram-me favoráveis na jurisprudência do STF, bem como o parecer lançado nos autos pela Procuradoria Geral da República. Confiei que um mínimo estava garantido e que não haveria provimento integral do recurso em decisão desfavorável à tese que eu defendia. Assim, não quis ser eu o arauto de limites e restrições. E se nenhum deles estivesse se lembrando? - pergunta inevitável. Sustentei apenas a tese principal. Curiosamente, o voto do relator trazia exatamente as ponderações secundárias que eu tinha decotado de minha fala. Talvez se eu as tivesse mencionado, um expectador desavisado se impressionasse: tudo foi antecipado pelo orador. Entretanto, foi melhor deixar as restrições para a voz do Juiz, já que eu sentia um mínimo assegurado. Sentia, sem ter certeza, é bem verdade.

No caso específico da Defensoria Pública, pesa também falar em nome da Instituição e de tantos a quem ela representa, principalmente em processos que terão seus efeitos espraiados por incontáveis outros, mesmo em se tratando de um caso concreto. Não temos um, dois, quatro clientes que serão atingidos por aquela decisão. A depender do tema, milhares, talvez milhões de pessoas serão colhidas pela força do precedente formado.

Em suma, são cálculos, sagacidades, antecipações sem garantia e sem direito à explicação posterior. É quase um jogo, sério, valendo muito. Muitas vezes o resultado está traçado, pelo que palavras nada mudarão. Outras tantas, pesam, alteram um desfecho e é preciso saber lidar com as duas formas de cobrança surgidas dessas decisões tão íntimas e secretas, a dos outros e a própria. Não deixa, contudo, de ser um mister diferenciado, um misto de medo e satisfação. É impossível não me lembrar daqueles a quem eu represento nos passos que antecedem o púlpito, da responsabilidade e da exposição que a sustentação oral representa, mas sentir o coração acelerar faz valer o dia.logo-jota