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‘Inovício’: a cultura como fator determinante para uma inovação com propósito

Insights para alavancar o processo de formação cultural em equipes jurídicas

Inovação
Imagem elaborada por inteligência artificial pela plataforma Midjourney e idealizada pelos autores. Crédito: Reprodução

Cerca de 79% das organizações esperam que seu orçamento e número de colaboradores permaneçam os mesmos. Apenas 14% esperam um aumento (uma redução de 8% se comparado a 2022) de recursos financeiros e humanos. Estes dados são do relatório "Legal Entity Management 2023[1]", onde os entrevistados citam que as preocupações com a estabilidade da economia e a necessidade de controlar custos favorecem um permanente cenário de alerta considerando esses percentuais.

Não podemos subestimar essa informação. Primeiramente, porque o relatório realizou uma ampla pesquisa com 467 organizações, abrangendo 20 setores e em todas as regiões globais. Segundo, porque participaram empresas de todos os tamanhos. E a primeira reflexão que gostaríamos de provocar é: como implementar iniciativas inovadoras, com orçamento apertado, time operando no limite e inúmeras priorizações que afetam diretamente o dia a dia precisando ser endereçadas em primeiro lugar?

Há alguns meses, publicamos aqui no JOTA um texto sobre o Inovício, o vício em inovar. A vontade de fazer parte dos trending topics o tempo inteiro, a necessidade de aproveitar o hype do momento e o comportamento recorrente em querer estar nos holofotes pode acabar gerando sérios prejuízos, como a criação de inovações inócuas, fomento a um ambiente de trabalho tóxico e a potencialização de vaidades que levam à ineficiência operacional. Portanto, encontrar o meio termo é mais que fundamental. É saudável. É necessário.

Se por um lado o excesso de inovação sem planejamento ou propósito leva ao Inovício e a escassez de iniciativas arrojadas categoriza a equipe jurídica como engessada e conservadora... Existe um caminho para encontrar o meio termo? É possível chegar a um balanço, despertando nos profissionais jurídicos de escritórios e Departamentos uma conduta equilibrada e salutar?

Apostamos que sim e a resposta está na cultura. Enquanto muitos associam que a inovação surge como um resultado de um processo tecnológico ou até mesmo resulta da implementação de um novo método para gerar eficiência operacional, ousamos dizer que é mais que isso. A inovação surge de um conjunto de ideais e, para seu surgimento, há uma parcela significativa de responsabilidade em como a organização se comporta em determinados cenários. Em como o clima é propício para aceitar, absorver e cultivar novas iniciativas. A cultura, de fato, é um fator determinante para inovar com propósito.

Acreditamos que existem alguns comportamentos que podem desenvolver times mais conscientes de quando é o momento para inovar e quando é tempo para recuar. A linha é tênue sobretudo em equipes menos experientes. Cabe aos líderes mais experientes não deixar a empolgação em entregar algo novo prejudicar uma estratégia ou um processo já consolidado, que entrega resultados acima do esperado.

Como a liderança pode se preparar para alimentar essa cultura de inovação com propósito? Se houvesse uma resposta para esse questionamento, certamente muitos líderes respirariam aliviados, afinal qual gestor não quer equipes inovadoras que apostam em ações assertivas para demonstrar que a inovação tem propósitos claros em uma atuação altamente estratégica? Abaixo, reunimos algumas ideias[2] que podem ajudar nessa formação cultural:

  • Valores transparentes: comunicar quais são as condutas esperadas a partir da divulgação de uma mudança de cultura norteia as pessoas da necessidade de criar novos hábitos e comportamentos. Às vezes o óbvio precisa ser dito, então não economize palavras.
  • Escuta ativa: essa forma de comunicação tem um grande impacto em times de alta performance. Como comprova um artigo publicado na Harvard Business Review[3], três aspectos (cognitivo, emocional e comportamental) influenciam para que a escuta ativa se transforme em empatia e desenvolva conexões. Observe o tom de voz, linguagem corporal e a emoção envolvida por trás da fala.
  • Comunicação assertiva: às vezes, o que seus clientes (e até o próprio time) precisam é de ajustes na linguagem. Um Jurídico com uma linguagem mais acessível, que sabe se comunicar e passar a mensagem necessária de forma efetiva, não só incentiva inovações com propósito, como também alavanca a produtividade.
  • Processo de decisão colaborativo e não hierárquico: alguns assuntos podem e devem ser discutidos em grupo. O mero ato de descentralizar o processo decisório em uma sessão de brainstorming pode levar o time a diminuir resistências em mudanças de alto impacto, visto que o coletivo participou das etapas e, assim, eles podem compreender com mais facilidade as razões pelas quais um determinado caminho foi tomado.
  • Resiliência ao fracasso: a famosa frase ‘se não está errando, não está inovando’ tem o seu peso. Demonstrar ao time que o erro deve ser encarado como uma oportunidade de melhoria e constante aperfeiçoamento reverbera na segurança psicológica necessária para que as pessoas tenham atitudes proativas e não tenham medo de sugerir alternativas disruptivas. O fracasso pode ser produtivo se gerou aprendizado e informações relevantes para o futuro acerto.
  • Disposição para experimentar: essa é para acabar com a frase clássica que arrepia qualquer pessoa proativa, a velha máxima “nós sempre fizemos assim”. Se é de resultados diferentes que você precisa, como fazendo as coisas do mesmo jeito que você conseguiria mudar alguma coisa?
  • Inovação aberta: fazer benchmarking e cultivar networking com pessoas de outras organizações são práticas altamente inspiradoras que adubam uma cultura de inovação com propósito. O que funcionou no Jurídico de um amigo, pode não funcionar no seu. Seja para aperfeiçoar uma ideia ou abonar sua implementação de vez, criar o hábito de constantes trocas é um comportamento altamente benéfico para o time. Não existe inovação sem colaboração.
  • Inovação não é tecnologia: defendemos que a inovação é a consequência de um comportamento criativo e que pode – ou não – ter o apoio da tecnologia. A inovação é meio de trazer eficiência e eficácia para os processos e a tecnologia, quando aproveitada de forma assertiva, se torna um pilar fundamental para a inovação.

Com as ideias e insights acima trazidos, há o fomento de um ambiente propício para a implementação de cultura inovadora no ambiente de trabalho nas organizações. Importante salientar o protagonismo da liderança no processo de transformação cultural. O time precisa enxergar a cultura no seu líder, o que é um desafio dos maiores dentro de uma dinâmica corporativa. Entretanto, ainda que saibamos que gerir pessoas seja uma atividade altamente complexa, recordamos um fenômeno que trabalha em prol daqueles que estudam a arte de inspirar, o “Efeito Hawthorne".

Tal fenômeno social se origina em 1927, pelo Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos (National Research Council), em uma fábrica da Western Electric Company, situada em Chicago, no bairro de Hawthorne. Naquele local, um grupo de pesquisadores da Universidade de Harvard estudavam a relação entre a intensidade da iluminação e a eficiência dos operários medida por meio de sua produção.

A experiência ampliou-se para questões relacionadas à fadiga, acidentes no trabalho, rotatividade do pessoal (turnover) e ao efeito das condições de trabalho sobre a produtividade do pessoal.[4] A cereja do bolo consiste no fato de que o estudo trouxe a noção que as pessoas melhoravam sua performance quando eram observadas e valorizadas por seu trabalho.

Assim, a pesquisa deu luz ao fato que as normas sociais e as expectativas coletivas influenciavam a produção do time no ambiente de trabalho. Ou seja, quanto maior a integração social e o sentimento de pertencimento entre os membros do time, mais desenvolvida a cultura. O efeito reflexo era naturalmente a incrível melhora na qualidade dos resultados, levando ainda em conta a construção de um clima organizacional harmônico e o papel do líder nesse processo.

Neste sentido, é neste espaço de atuação que o líder é o principal agente para a transformação cultural do time, pois quanto mais difusa e perene for a cultura, maior o “efeito bola de neve” positivo para a organização.

Construir e influenciar para a criação (ou mudança) de uma cultura não é algo fácil. Sobram críticas, faltam elogios. Para instigar uma nova forma de pensar, agir e planejar inovações com propósito, com finalidade pré-determinada, entendemos que o primeiro pacto coletivo a ser firmado é acreditar que todos ali possuem uma função importante, seja desempenhando um papel na liderança ou não (até mesmo porque já sabemos do impacto da liderança 360).

Em um primeiro momento, ter o passe livre para inovar resulta em uma enorme sensação de liberdade. Agora, quando as cobranças pelos resultados prometidos começam a surgir, a ficha cai. É nesse momento que as pessoas começam a entender a necessidade de a inovação ter um propósito claro e uma finalidade pré-determinada. Aqui é sentido o peso da responsabilidade.

Esse momento pode ser evitado se o processo cultural for bem costurado. A colaboração deve existir sempre, mas a eleição de responsabilidades individuais e transparentes reforça o papel de cada um no conjunto potente e forte. Há uma frase atribuída a Peter Druker, onde ele diz que “a cultura devora a estratégia no café da manhã”. O ambiente de inovação com propósito tem a necessidade de a cultura organizacional estar altamente conectada com a estratégia do time. Um impacta no outro. Não há hierarquia. Talvez isso algum dia tenha funcionado... Mas hoje, o jogo é outro.


[1] Legal Entity Management 2023 é um relatório publicado pela Deloitte e pela ACC – Association of Corporate Counsel. Todos os direitos reservados para estas organizações. Recomendamos a leitura do relatório na íntegra disponível em <https://www.acc.com/2023-legal-entity-management-survey>. Acesso em 11/06/2023.

[2] Recomendamos a leitura do artigo "Innovation: The Hard Truth About Innovative Cultures", de autoria de Gary P. Pisano, publicado originalmente em <https://hbr.org/2019/01/the-hard-truth-about-innovative-cultures>. Acesso em 11/06/2023.

[3] Recomendamos a leitura da matéria "How to become a better listener". Disponível em < https://hbr.org/2021/12/how-to-become-a-better-listener >. Acesso em 09/07/2023.

[4] *Mayo, Elton. The human problems of an industrial civilization. New York: The Macmillan Company, 1933.logo-jota