Bárbara Helena Breda
Diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA)
As previsões mundiais para o futuro da humanidade apresentam uma série de graves flagelos, especialmente em relação aos bens mais essenciais à vida: água e alimentos. As mudanças climáticas, o aumento exponencial da população e os impactos das recentes crises humanitárias na economia criam um cenário nocivo para o desenvolvimento humano.
Visando o controle – e tentativa de correção – desse déficit, o agronegócio se apresenta como coluna não apenas importante, mas essencial. Sendo aquele que garante alimentos e provê alimentação, garantindo o fornecimento de energia limpa, além de representar grande parte do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, o setor está sob constante pressão para continuar assegurando suas atividades. Para isso, entretanto, o agronegócio depende de desenvolvimento técnico e inovação tecnológica, capaz de garantir o aumento da produtividade vocacionada à eficiência. Ainda, depende da implementação de práticas ambientalmente positivas, que abracem as diretrizes ESG (Environmental, Social and Governance) e corroborem com a demanda do mercado internacional de tornar a atividade econômica mais verde.
Com esse cenário-base desenhado, fica evidente que a produção agrícola é incapaz de sustentar-se meramente através da seara física; em virtude disso, e, com a aliança entre a prática da atividade e as inovações tecnológicas que atingem o mercado produtivo e implementam mudanças significativas dentro do setor, surge-nos o conceito de Agricultura 4.0 (Agro 4.0). Emprestando o termo “Indústria 4.0”, cunhado na Alemanha em 2011, o termo destina-se a dar destaque às tecnologias de inovação, termo que, agora, vem sendo aplicado de maneira setorial para definir a evolução na atividade agrícola.
A titulação “4.0” refere-se à existência da quarta revolução industrial, calcada em transformações profundas no âmbito cibernético, convergindo as tecnologias físicas às digitais. Automatização total das fábricas, biotecnologia, inteligência artificial e procedimentos inteiramente digitalizados são as características fundamentais do que se compreende como um verdadeiro rompimento à forma de operação da indústria.
O Agro 4.0, por seu turno, fundado na inafastável agricultura digital, facilita a entrada das práticas tecnológicas inovativas no campo, empregando métodos computacionais de alto desempenho e conectividade, que contribuem diretamente para o aumento da produtividade agrícola, da eficiência dos insumos utilizados na produção, da segurança dos agentes responsáveis pelo trabalho e, até mesmo, podem e, espera-se, devem levar à diminuição dos níveis de impacto ao meio ambiente.
A produtividade, ora referida, é o fator de maior importância no agronegócio, estando diretamente relacionada à lucratividade do setor. Ponto sensível, vale dizer, o lucro a qualquer custo não tem espaço em um mercado que se responsabiliza pela produção alimentícia e que tem o dever (cada vez mais manifestado) de zelar pelo meio ambiente. É, assim, necessário que a qualidade da produção caminhe lado a lado à sua quantidade. Justamente nesse ponto o Agro 4.0 faz morada. Permitindo ao produtor rural melhor compreensão de sua atividade, seja através de máquinas que fazem uso da inteligência artificial ou ferramentas de conectividade, que garantem a fazenda “na palma da mão”, é nova fronteira que garante a principal ferramenta da sociedade moderna: o (acesso ao) conhecimento.
Aliado à produtividade está o respeito às medidas de sustentabilidade que se tornaram um verdadeiro padrão a ser seguido para a consolidação de qualquer agente como player no mercado internacional. O Agro 4.0 reside também aqui, investigando novas formas ambientalmente sustentáveis de impulsionamento do crescimento produtivo, pretendendo o menor impacto ambiental possível e, até, auxiliando na recuperação de áreas degradas. Ainda, o uso de biotecnologia na produção de insumos e fertilizantes garante uma maior eficiência em sua aplicabilidade, além da inovação tecnológica no agronegócio garantir maior previsão na lavoura e implementar medidas de reuso de água e energias renováveis, o que colabora com a adaptação do setor, cada vez mais, aos padrões de sustentabilidade. É, portanto, possível mapear exposições da safra às oscilações climáticas e eventuais pragas, garantindo ao produtor e ao proprietário rural melhor aproveitamento de seu espaço disponível e o devido cumprimento às demandas regulatórias.
Para além da conceituação, tornando a inovação tangenciada palpável, algumas tecnologias são destacadas para fomento do desenvolvimento digital do setor: (i) drones, que possibilitam a visão panorâmica da produção ao produtor, identificando eventuais falhas de plantio, necessidade de irrigação e o acompanhamento dos animais, nos casos da produção pecuária e (ii) maquinários, especialmente tratores, autônomos que manifestam e materializam a ideia base de uma quarta revolução industrial – de automatização total das atividades – responsáveis por descartarem a urgência de operadores utilizando a máquina a todo momento, facilitando os resultados e, até mesmo, evitando prejuízos a partir do uso de tecnologias inovadoras
O agronegócio brasileiro vivencia um momento de extrema relevância no que concerne ao desenvolvimento digital. Não apenas no campo, mas em todo o empreendedorismo nacional, vê-se uma tendência por empresas de tecnologia em ascensão, e, dentro delas, um dos segmentos que melhor se consolida como revolucionário ao mercado são, justamente, as chamadas AgTechs.
Essas startups atuam no desenvolvimento de tecnologias específicas para as atividades produtivas agrícolas, sendo provedoras de soluções inovativas aos gargalos do setor. Diferenciam-se de uma empresa tradicional por serem, desde sua fundação, totalmente digitais, inovando processos e serviços através do uso de inteligência artificial. As startups, especificamente as fintechs, ganharam muito destaque em âmbito nacional com o surgimento de empresas como Nubank e PicPay, mas a tecnologia no campo está revolucionando o gerenciamento do agronegócio e orgulhosamente se consolida.
Dados levantados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estimam que, apenas em solo nacional, mais de 1.500 startups estão atuando na agricultura, a maioria delas voltada aos fertilizantes e nutrição vegetal. Isso demonstra uma expectativa ao futuro do agro que vai além da ideia tradicional de dentro da porteira da fazenda, expandindo as atividades de forma com que os produtores sejam capazes de automatizar a produção, reduzindo os custos com mão de obra e maquinários, aumentando seus níveis de produtividade e, consequentemente, os lucros obtidos através dela, tudo isso com a maior variável do futuro em mente, a sustentabilidade.
Se engana quem ainda encara o agronegócio como o primeiro setor da economia. Já dissemos e, manteremos coro na repetição: “o agro é tech”. Devemos, agora, garantir que essas novas tecnologias sejam acessíveis e um fomentador da atividade, não aumentando o hiato existente entre as realidades produtivas nacionais. Essa é a próxima e dificultosa, é bem verdade, barreira a ser rompida.