Opinião e Análise

Evanilda N. Godoi Bustamante

No momento em que os debates sobre <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-tributaria">reforma tributária</a> voltam com força ao cenário político nacional, um acontecimento político internacional chama a atenção. Talvez tenha passado desapercebido pela grande maioria dos brasileiros, mas a <a href="https://www.bbc.com/news/uk-scotland-64647907">renúncia da primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon</a>, leva a reflexões mais profundas sobre a participação das mulheres na política. 
Nicola é a terceira mulher a renunciar ao mais alto cargo do escalão político de seus países num intervalo de apenas quatro meses: no mês anterior, <a href="https://www.dw.com/pt-br/jacinda-ardern-anuncia-ren%C3%BAncia-do-cargo-de-premi%C3%AA-da-nova-zel%C3%A2ndia/a-64449307">Jacinda Ardern renunciou na Nova Zelândia</a>, e antes dela, <a href="https://www.theguardian.com/politics/2022/oct/20/liz-truss-to-quit-as-prime-minister">Liz Truss no Reino Unido</a>. O fio comum que liga essas três mulheres pode ser extraído de seus discursos de renúncia. Nas falas de Nicola e Jacinda, elas discorrem expressamente sobre a pressão a que são submetidas e o peso do cargo que ocupam. Ambas com boa avaliação de seus governos, ambas sob um período considerado longo de liderança – oito anos no caso de Nicola e quase seis anos de Jacinda – expressaram em tom de desabafo que já não se sentem mais aptas a ocupar o cargo, tamanha a pressão a que chegam a ser submetidas. 
Liz Truss, por sua vez, ficou marcada por ter chefiado o governo mais curto da história do Reino Unido. Sobre ela, pesou o impopular projeto orçamentário com previsão de cortes de impostos para os ricos e corte de benefícios para os pobres. Mas, sobretudo, pesou o fato de os políticos (homens) terem se reunido e decidido que não mais a queriam como líder do Partido Conservador. Em seu <a href="https://www.bbc.co.uk/news/uk-63328000">pronunciamento</a> de renúncia de apenas 90 segundos, não há qualquer menção às pressões sofridas ou o real motivo de sua resignação. Mas a própria escolha por falar apenas por um minuto e meio já diz muito. Os <a href="https://www.bbc.co.uk/news/uk-politics-63285226">fatos</a> que antecederam sua saída, em suas breves seis semanas de governo, levam a concluir que Liz foi a figura política queimada para testar a ultraliberal proposta gestada pelo partido, que já não mais se sustenta na Inglaterra. 
No Brasil, <a href="https://olb.org.br/parlamentares-mais-influentes-na-camara-dos-deputados-atuam-de-forma-positiva-ou-negativa-frente-ao-meio-ambiente/">recente pesquisa do Observatório do Legislativo Brasileiro</a> (OLB), vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ, sobre a distribuição do Índice de Influência Parlamentar (INF) por Gênero, demonstrou que nenhuma mulher aparece entre os dez deputados mais influentes da Câmara no período analisado entre 2019 e 2022. Os pesquisadores, no entanto, explicam que embora as mulheres não tenham aparecido no ranking dos dez mais influentes, quando analisada a distribuição dos INFs da legislatura passada, os índices não variam muito em relação ao gênero. Os homens aparecem com um índice médio de 0,64 e as mulheres com 0,58, números que indicariam influência baixa ou mediana. 
Em um <a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/02/mulheres-ocuparam-menos-de-10-dos-cargos-de-comando-do-congresso-nos-ultimos-20-anos.shtml?utm_source=sharenativo&amp;utm_medium=social&amp;utm_campaign=sharenativo">levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo</a>, verificou-se que as mulheres ocuparam menos de 10% dos cargos de comando no Congresso Nacional nas duas últimas décadas. Nenhuma mulher jamais foi eleita presidente da Câmara ou do Senado. Pelos dados apurados, foi demonstrado que nos últimos 20 anos apenas 10 dos 121 cargos disponíveis na Câmara foram ocupados por mulheres. No Senado não foi diferente: apenas 11 dos também 121 cargos foram ocupados por mulheres. 
E o que tudo isso tem a ver com a tributação? 
Fazendo um recorte histórico para fins do século 19 e início do século 20, basta lembrar que no movimento das sufragistas a reivindicação pelo direito ao voto das mulheres esteve diretamente relacionada a questões tributárias. O movimento, marcado pela demanda no taxation without representation, também esteve ligado a uma resistência ativa contra os tributos. No Reino Unido, as mulheres puderam votar pela primeira vez em fevereiro de 1918, ainda assim somente as maiores de 30 anos, graças à campanha encabeçada pelas suffragettes. A luta pelo voto feminino das britânicas, no entanto, vem de longa data.
Registros históricos anotam que a primeira referência à relação feita entre tributos e o direito ao voto feminino remonta a 1832, “quando Mary Smith, uma viúva rica de Yorkshire, peticionou, sem sucesso, ao governo argumentando que ela deveria ser autorizada a votar porque ela pagava seus tributos”[1]. Passaram-se, então, 40 anos até que “as irmãs Maria e Mary Priestman, de Bristol, aparentemente se tornassem as primeiras sufragistas a utilizar o não pagamento de tributos como meio de protesto”[2]. Como resultado de seus protestos, as irmãs Priestman tiveram seus móveis da sala de jantar apreendidos e levados a leilão para pagar sua dívida fiscal. Contudo, a venda nunca aconteceu porque uma pessoa misteriosa pagou os impostos devidos antes da realização do leilão. 
O pleito pela representação parlamentar, pelo direito a poder participar das decisões que impactam diretamente suas vidas, só veio a ser garantido às mulheres brasileiras 90 anos atrás. No Brasil, as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932, por meio do Decreto 21.076, e puderam votar e ser votadas pela primeira vez na eleição para a <a href="https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/a-conquista-do-voto-feminino/index.html">Assembleia Nacional Constituinte de 1933</a>. Com a promulgação da Carta de 1934, o voto feminino foi consagrado constitucionalmente. Apesar disso, a representatividade política feminina continua muito baixa. 
Segundo relatado pela Agência Senado, dados do IBGE apontam que 51,13% da população brasileira é feminina e que elas representam, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 53% do eleitorado. Entretanto, <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/05/aliados-na-luta-por-mais-mulheres-na-politica">ocupam hoje menos de 15% dos cargos eletivos</a>. Em <a href="https://www.oxfam.org.br/justica-racial-e-de-genero/raca-e-genero/desigualdade-de-raca-e-genero-na-politica-brasileira/">pesquisa</a> publicada pela Oxfam sobre as eleições municipais de 2020, as candidatas às prefeituras chegaram a apenas 13,6% das candidaturas apresentas, sendo 8,7% de brancas e 4,8% de negras. O resultado do pleito daquele ano resultou em 12,1% de prefeitas eleitas contra 87,9% dos homens. A Oxfam calcula que sejam necessários cerca de 144 anos para se alcançar a paridade de gênero nas prefeituras Brasil afora. 
No <a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/mais-mulheres-sao-eleitas-para-o-congresso-mas-bancada-feminina-cresce-menos-que-em-2018.shtml">âmbito federal</a>, também pouco se espera de mudanças. Em meados de fevereiro, o presidente da Câmara dos Deputados criou um <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/quem-sao-os-deputados-do-grupo-de-trabalho-da-reforma-tributaria-na-camara-16022023?utm_campaign=jota_info__ultimas_noticias__destaques__16022023&amp;utm_medium=email&amp;utm_source=RD+Station">grupo de trabalho da reforma tributária</a> composto por 12 deputados. Apenas homens. Nenhuma das 91 deputadas eleitas integra o grupo de trabalho. Não se admira que o sistema tributário brasileiro seja um dos mais injustos para os pobres e para as mulheres. E assim continuará caso não se aumente a representação feminina no Congresso. No caso de Nicola Sturgeon, por exemplo, um dos pontos marcantes do discurso de renúncia da ex-primeira-ministra escocesa foi justamente apontar que no seu governo foi alcançada mais justiça e progressividade na tributação.  
Muitas foram as lutas para que as mulheres pudessem exercer algum protagonismo na sociedade e na política. E é por isso que, quando se veem mulheres renunciando a altos cargos políticos, acende-se um alerta.
<hr />
[1] HOKE, William. How Women Wove Tax and Suffrage Together. In Tax Analysis. 2018. Disponível em: &lt;<a href="https://www.att.org.uk/sites/default/files/Tax%20Notes%20International%20Article%20-%20How%20Women%20Wove%20Tax%20and%20Suffrage%20together.pdf">https://www.att.org.uk/sites/default/files/Tax%20Notes%20International%20Article%20-%20How%20Women%20Wove%20Tax%20and%20Suffrage%20together.pdf</a>&gt;, p. 834. 
[2] Ibid. p. 834.

diversidade de gênero

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JOTA

Não se admira que o sistema tributário brasileiro seja um dos mais injustos para os pobres e para as mulheres

Participação política feminina e tributação

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