Opinião e Análise

Fernanda Ramos Pazello

Fernanda Donnabella Camano

Atualmente, muita polêmica circunda o debate sobre a liquidação antecipada da garantia ofertada por terceiros (mais especificamente a fiança bancária e o seguro garantia), antes do trânsito em julgado dos embargos à execução fiscal, não sendo possível antever qual será o desfecho desta discussão.
Isso porque no âmbito dos tribunais locais há posicionamentos opostos, ora determinando que se proceda àquela liquidação – apenas impedindo-se que o valor depositado seja convertido em renda ou transformado em pagamento definitivo para o fisco –, ora proibindo tal providência.
Sob o ponto de vista do contribuinte, um dos argumentos a sustentar que se deve aguardar o trânsito em julgado dos embargos à execução para que tal providência seja adotada, reside no fato de que o art. 19, II da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-execucoes-fiscais">Lei de Execuções Fiscais</a> (LEF) determina que terceiro seja intimado a “pagar” o valor do débito executado, o que significa que ao fazê-lo o crédito tributário será extinto, nos termos do <a href="https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10570390/inciso-i-do-artigo-156-da-lei-n-5172-de-25-de-outubro-de-1966">artigo 156</a>, I do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CTN">CTN</a>, ensejando o encerramento da discussão travada nos embargos à execução correlatos.
Segundo o referido artigo 19, II as hipóteses autorizativas para que terceiros quitem o montante exigido do devedor são: (i) execução não embargada, o que supõe a definitividade da exigência do crédito tributário, pois operou-se a preclusão e (ii) a rejeição dos embargos, o que, ainda que não se tenha expressamente prescrito a necessidade de sua solução definitiva, por coerência com a situação anterior, deve-se compreender que se trata de julgamento encerrado, pois ambas são atingidas pelo mesmo efeito: quitação do crédito tributário pelo garante.
Como se vê, a realização do pagamento enquanto a discussão do mérito do crédito tributário inadimplido encontra-se em curso (pois, nestas situações, ainda pendem recursos a serem apreciados pelo Judiciário), não é providência possível neste momento processual.
No entanto, para afastar a aplicação deste dispositivo, o juiz poderia intimar o próprio executado a realizar o depósito do valor cobrado, sem a convocação da instituição financeira ou da entidade seguradora para tanto.
E aqui reside o ponto da controvérsia: esta providência encontraria óbice no artigo 32, § 2º da LEF, o qual determina que “após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente”?
E a resposta tem relação com o sistema de precedentes cuja aquisição definitiva se instalou com o Código de Processo Civil de 2015 (CPC).
O Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STJ">STJ</a>) proferiu no passado decisões no sentido de que, como a LEF equiparou a fiança bancária e o seguro garantia ao depósito (artigo 9º, II e § 3º e artigo 15, I da LEF), aplica-se àquelas garantias a mesma lógica deste: só pode haver a sua liquidação com a definitividade da ação executiva (AGRg no REsp 1.254.985/SC, relator min. Benedito Gonçalves, DJe 06/03/2012; REsp 1.033.545/RJ, rel. min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 28/05/2009).
Não obstante esse entendimento, a mesma corte exarou recentes julgados em sentido oposto autorizando a antecipação da liquidação da garantia enquanto pendente a discussão judicial a respeito do ataque, pelo contribuinte, à exigibilidade do crédito tributário executado. Alegou, para tanto, que o mencionado § 2º do art. 32 da LEF apenas impediria o levantamento do depósito judicial pelo fisco, mas não a providência que lhe é preliminar (liquidação antecipada da garantia).
Um primeiro ponto a abordar é que não há precedente vinculante no âmbito do STJ autorizando a liquidação antecipada da garantia ofertada pelo contribuinte. Os prolatados nessa linha (portanto, de modo contrário à pretensão do contribuinte) decidiram o tema, quando muito, a título de obiter dictum, como se verifica do AgInt no AREsp 1.646.379/RJ, rel. min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJE 01/10/2020, reiteradamente citado em decisões da Corte, a exemplo do AgInt no AREsp 1.756.612/RJ, rel. min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, DJe 03/10/2022 e AREsp 2.160.267/SP, rel. min. Assusete Magalhães, DJe 18/10/2022.
Naquela decisão utilizada como “paradigma” (AgInt no AREsp 1.646.379/RJ) do suposto enfrentamento da questão pelo STJ, o Agravo em Recurso Especial apenas foi conhecido no tocante à violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC e, quanto ao tema relativo à liquidação da garantia antes do trânsito em julgado dos embargos à execução fiscal, houve aplicação das Súmulas 283 e 284/STF.
Ainda, o mesmo julgado invocou a Súmula 83/STJ como óbice ao conhecimento do Recurso Especial ao fundamento de que a Corte considerou “possível a liquidação da carta de fiança”, citando outros prolatados em sede de Medidas Cautelares, a exemplo do AgRg na MC 18.155/RJ, rel. min. Castro Meira, 2ª Turma, DJe 16/08/2011 e AgRg na MC 19.565/RJ, rel. min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 11/09/2012.
Ocorre que, além do “mérito” cautelar não configurar orientação a ser aplicada em outros casos, tais Medidas Cautelares foram liminarmente indeferidas “por não restar caracterizada a excepcionalidade necessária à superação do óbice das Súmulas 634 e 635/STF”. Portanto, o STJ entendeu que não detinha competência para análise do respectivo mérito cautelar.
Em suma, as recentes decisões do STJ autorizativas da liquidação antecipada da garantia decorrem de uma sucessividade de aplicação de julgados que não exauriram o debate. Quando muito, poder-se-ia alegar que o tema foi tratado como obiter dictum, mas ainda assim não se afigura correto qualificá-lo como tal.
E a razão encontra-se na teoria dos precedentes adquirida em definitivo pelo CPC pois, para que uma determinada porção do julgado caracterize obiter dictum, é necessário que o recurso a ensejar o precedente seja plenamente conhecido pela Corte. Somente com a resolução do caso quando do respectivo julgamento será possível identificar a parcela vinculante da decisão (ratio decidendi) e aquela periférica (obiter dictum).
Quando muito, seria possível assumir que em obiter dictum o STJ autorizou a liquidação antecipada da garantia (seja pelo garante, seja pelo contribuinte). Mas, ainda assim, a parcela identificada como tal não impõe a vinculabilidade obrigatória para observância por outros juízes e tribunais.
Eis o motivo pelo qual o posicionamento dos tribunais locais é instável quanto ao tema. Para a questão ser resolvida sem inconsistências, como impõe o artigo 926 do CPC, seria necessário que fosse afetado um caso como repetitivo, à luz não apenas da extensão da interpretação do § 2º do artigo 32, como do art. 19, II, ambos da LEF, para que a coerência, tão almejada com o sistema de precedentes, possa ser plenamente realizada.
Mas, enquanto o tema permanece sem resolução mediante um julgamento com eficácia vinculante, o pleito fazendário deve ser sopesado cuidadosamente para não ocasionar prejuízos irreparáveis mediante imposição de alto custo ao contribuinte litigante.

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JOTA

Não há precedente vinculante no âmbito do STJ autorizando a liquidação antecipada da garantia ofertada pelo contribuinte

Liquidação antecipada da garantia prestada por terceiros em sede de execução fiscal

Não há precedente vinculante no âmbito do STJ autorizando a liquidação antecipada da garantia ofertada pelo contribuinte