Opinião e Análise

Ellen Souza Martins

Lara Hoeltz Sperb

No último dia 3, o julgamento dos Temas 881 e 885, que discutem os limites da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/coisa-julgada">coisa julgada</a> em matéria tributária, foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) em razão de pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. 
Esse julgamento é de suma importância e merece especial alerta na seara tributária, pois gira em torno da possibilidade de decisão proferida pelo STF cessar automaticamente os efeitos de uma decisão já transitada em julgado.  
Apesar do fato de os julgamentos tratarem sobre a constitucionalidade da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/csll">CSLL</a>), o entendimento fixado atingirá outros temas tributários. Com efeito, a relativização da coisa julgada fará com que que todos os contribuintes que já obtiveram decisões favoráveis permitindo o não recolhimento de um tributo pago de forma continuada possam vir a perder os direitos já adquiridos no passado. 
Explica-se: se proferida nova decisão alterando entendimento pelo STF, ainda que a decisão favorável ao contribuinte já tenha transitado em julgado, o fisco poderá lançar e cobrar automaticamente o tributo, sem necessidade de ajuizamento de ação revisional ou rescisória.  
Essa é a pretensão da União e que, a nosso ver, representa evidente afronta ao princípio da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal), segundo o qual "a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito". 
No tema 881 (RE 949297), de relatoria do ministro Edson Fachin, discute-se a possibilidade de uma decisão de controle abstrato e concentrado (ADI, ADO, ADC ou ADPF), no qual o STF decide em tese sobre a constitucionalidade de uma lei, cessarem automaticamente os efeitos de decisões anteriores já transitadas em julgado. 
O placar é de seis votos favoráveis à Fazenda Nacional, concluindo que a decisão judicial transitada em jugado perde automaticamente eficácia diante de uma nova decisão do STF – em controle concentrado e abstrato — que considere a cobrança constitucional, sem necessidade de ação revisional ou rescisória, observado o princípio da anterioridade anual ou nonagesimal. 
Note-se que se assegurou a coisa julgada para os fatos geradores anteriores à decisão do STF e, assim, em se tratando de relações jurídicas de trato continuado, a decisão do STF com efeito erga omnes prevalece para os fatos geradores futuros considerando a anterioridade aplicável ao tributo. 
Em seu voto, o ministro consigna que não se trata de retroatividade jurisprudencial, posto que eventual decisão em controle concentrado que se mostre contrária à coisa julgada, em relações jurídicas tributárias de trato sucessivo, termina por corresponder à norma jurídica nova, como se novo tributo fosse.  
Já no tema 885 (RE 955227), de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, a discussão envolve cessação de efeitos da coisa julgada diante de decisão do STF em controle difuso.  
O placar está em cinco votos a favor da Fazenda Nacional, no sentido de que a decisão do STF em um recurso extraordinário, com repercussão geral, tem o condão de fazer cessar os efeitos da coisa julgada, respeitada a anterioridade anual ou nonagesimal.  
O ministro relator fez um distinguishing com outros temas, nos quais a corte decidiu sobre a possibilidade de desconstituição pretérita da coisa julgada, quando ajuizada a ação rescisória. Afirmou que o cerne da questão é saber se deve ou não haver uma limitação temporal dos efeitos futuros da coisa julgada. 
Baseando-se no princípio da isonomia entre os contribuintes, assevera que “a segurança jurídica, resguardada pela coisa julgada, não é valor absoluto, sendo passível de flexibilização em favor de princípio que, na hipótese, cumpra mais fielmente a vontade constitucional.” 
Até o momento há apenas um voto em sentido contrário do ministro Gilmar Mendes que abriu a divergência para defender que a cessação de efeitos da coisa julgada se aplicaria também para os fatos geradores passados. 
Com relação à modulação de efeitos, os relatores propuseram que a tese firmada seja aplicada apenas a partir da publicação da ata de julgamento dos temas, o que significa dizer que as autuações fiscais de CSL deveriam ser canceladas. 
Nosso entendimento é de que, caso a corte admita a flexibilização da coisa julgada de tal modo que altere a segurança jurídica, se estará diante de um perigoso cenário em que as garantias constitucionais serão relativizadas a ponto de não termos mais a força da coisa julgada. 
Com fito de proteger a segurança jurídica, comumente, o STF modula os efeitos de decisões exatamente para que não haja a quebra do preceito constitucional, sendo inequívoco que o dever protetivo do tribunal ultrapassa os direitos alegados em ambos os casos aqui debatidos. 
Em verdade, a Carta Magna é destinada a assegurar todo o sistema democrático de direito do país, pois prevê em seus preceitos a preservação da segurança jurídica, impedindo que o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada, como no caso em tela, sejam violados. 
O Supremo Tribunal Federal, no que lhe concerne, deve proteger os ditames constitucionais, posto que é um compromisso assumido e um dever “de manter, defender e cumprir a Constituição”. 
Nos parece que os julgamentos serão concluídos pela Corte Suprema com observância ao impacto não só financeiro aos cofres públicos, mas também ao sistema jurídico como um todo. Por outro lado, a relativização da coisa julgada nas relações tributárias de trato continuado ensejará em prejuízo imensurável à segurança jurídica dos contribuintes.

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JOTA

Relativização nas relações tributárias de trato continuado ensejará em prejuízo imensurável

Limites da coisa julgada: relativização e (in)segurança jurídica

A relativização da coisa julgada nas relações tributárias de trato continuado ensejará em prejuízo imensurável à segurança jurídica