Opinião e Análise

Alane Stephanie Muniz Barbosa

Maria Rita Ferragut

Os contribuintes estão acompanhando atentamente as discussões relativas à <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-tributaria">reforma tributária</a> nas PECs 45/2019 e 110/2019. A PEC 44, em especial, ganhou grande notoriedade dos contribuintes e da comunidade jurídica por ter sido <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/reforma-tributaria-e-aprovada-em-1o-turno-na-camara-dos-deputados-07072023">aprovada pela Câmara dos Deputados</a>, aguardando, atualmente, a votação pelo Senado Federal para significativas alterações no sistema tributário nacional atualmente vigente. 
Paralelamente a tal fato, os contribuintes também vêm acompanhando o desenvolvimento de discussões litigiosas de matérias tributárias perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos casos que ganhou destaque foi o julgamento ocorrido no último dia 9 de junho, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5835 e 5862 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 499, cujo resultado foi a declaração da inconstitucionalidade das Leis Complementares 157/2016 e 175/2020, que estabeleciam a competência dos municípios onde situados os tomadores de serviço para a exigência de ISS sobre determinados serviços. 
A ligação entre o aludido julgamento e a reforma tributária está contida na dúvida jurídica a respeito das implicações quanto ao entendimento do STF sobre a impossibilidade de tributação pelo ente federativo de destino e a proposta contida na <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833">PEC 45</a>, a qual prevê a outorga da competência tributária ao ente federativo onde o bem ou serviço for consumido, isto é, no destino. 
Convém esclarecer, primeiramente, que o STF julgou a inconstitucionalidade de duas leis complementares (LCs 157/2016 e 175/2020) que estabeleciam a exigência de ISS pelos municípios onde situados os tomadores de serviços de planos de saúde e veterinários, de administração de cartões de crédito e débito, de agenciamento de contratos de leasing, franquia e factoring e de arrendamento mercantil. Referidas leis objetivavam excetuar a regra geral de tributação pelos municípios onde situados os prestadores de serviço (na origem), por sua vez prevista no artigo 3º da Lei Complementar 116/2003. 
Por outro lado, a reforma tributária em debate pretende substituir cinco tributos incidentes sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) para dois: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS). Com isso, as alterações discutidas na Câmara alteram profundamente o sistema constitucional tributário brasileiro. 
Nesse contexto, uma vez aprovada a reforma, o sistema atualmente conhecido será gradualmente substituído por outro e, excetuando às cláusulas pétreas constitucionais, as bases constitucionais tributárias passarão a ser distintas daquelas hoje aplicáveis. Nessa toada, é precipitado afirmar que o julgamento das ADIs 5835 e 5862 e da ADPF 499 criará entrave à PEC 45 no que se refere à tributação pelos entes de destino de bens ou serviços, visto que as premissas são absolutamente distintas. 
Os fundamentos utilizados pelo STF para o julgamento da inconstitucionalidade das LCs 157/2016 e 175/2020 abarcaram única e tão somente a sistemática do ISS nos moldes constitucionais contemporâneos, não havendo que estendê-los ou mesmo confundi-los com as novas normas que estão sendo delineadas na PEC 45.  
Do voto do ministro Alexandre de Moraes, relator das ADIs 5835 e 5862 e da ADPF 499, é possível extrair o posicionamento da Corte quanto à inexistência, no texto constitucional, das hipóteses de incidência tributária do ISS, sendo categórico ao afirmar que: 
<blockquote class="jota-article__citation">O texto constitucional, por vezes, avança no sentido de definir os elementos da hipótese de incidência de um determinado imposto, por exemplo, quando atribui ao município da situação do bem a competência para cobrar o imposto de transmissão de bens imóveis, conforme dispõe o artigo 156, § 2º, II). Todavia, isso não se verifica em relação ao ISSQN. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que a Constituição Federal não regulou as regras atinentes a determinados aspectos da hipótese de incidência do imposto sobre serviço[1].</blockquote>
Assim, pelo entendimento do STF, não existe no texto constitucional atual vedação a outorga da competência tributária ao município onde situado os tomadores de serviço, dando carta branca ao legislador infraconstitucional para estabelecer, via lei complementar, a quem compete a instituição do ISS. 
Por outro lado, a PEC 45, ao estabelecer a substituição de tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS), insere no corpo da Carta Suprema quais são as hipóteses de incidência dos novos tributos bem como a vinculação de tais hipóteses com o ente que poderá instituí-los e exigi-los dos contribuintes. É o que se constrói da redação do artigo 156-A, §1º, incisos I, II, III e VII, §5º, inciso IV: 
<blockquote class="jota-article__citation">"Artigo 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. 
1º O imposto previsto no caput atenderá ao seguinte: 
I – incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços; 
II – incidirá sobre a importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade; 
III – não incidirá sobre as exportações, assegurada ao exportador a manutenção dos créditos relativos às operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, ou serviço, observado o disposto no § 5º, III; 
(...) 
VII – será cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do município de destino da operação; 
5º Lei complementar disporá sobre: 
IV – os critérios para a definição do ente de destino da operação, que poderá ser, inclusive, o local da entrega, da disponibilização ou da localização do bem, o da prestação ou da disponibilização do serviço ou o do domicílio ou da localização do adquirente do bem ou serviço, admitidas diferenciações em razão das características da operação".</blockquote>
Ademais, a inconstitucionalidade das LCs 157/2016 e 175/2020 foi fundamentada na violação da segurança jurídica dos contribuintes do ISS diante da falha do legislador ordinário em definir quem seriam os tomadores de serviços e a qual domicílio a norma legal se referia: se o domicílio civil, se o fiscal ou se o domicílio informado no cadastro do contribuinte. 
A redação do texto substitutivo da PEC 45 não adentra a essas minúcias, cabendo as normas infraconstitucionais fazê-los (§5º, inciso IV). No entanto, a sistemática da distribuição da competência está sendo mais bem delineada, afinal, a proposta altera profundamente a forma de arrecadação atual dos entes federais (União, estados e municípios), retirando tributos de suas competências e unificando-os para a simplificação da cobrança tributária. 
Esse fato é nitidamente verificado no artigo 156-B da PEC 45 cujas disposições preveem ação conjunta dos estados, Distrito Federal e municípios para disporem sobre normas infralegais sobre temas relacionados ao imposto, que deverão ser de observância obrigatória a todos os entes, assim como a uniformização da interpretação e a aplicação da legislação.  
Dessa forma, ao contrário das LCs 157/2016 e 175/2020, não haverá insegurança jurídica a respeito de qual domicílio o legislador infraconstitucional está se referindo, uma vez que todos os entes deverão estar alinhados quanto aos critérios para a definição do ente de destino da operação, não apenas em função da lei complementar que será editada, mas também das próprias normas infralegais, sob pena de violar disposição de norma constitucional. 
Portanto, as alterações trazidas pela PEC 45 nos parece completamente alheia aos impactos do que fora decidido nas ADIs 5835 e 5862 e na ADPF 499.
<hr />
[1] Fls. 14 do voto do ministro Alexandre de Moraes nos autos do julgamento conjunto das ADIs 5835 e 5862 e da ADPF 499.

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JOTA

Alterações trazidas pela PEC 45 são alheias aos impactos do decidido nas ADIs 5835 e 5862 e na ADPF 499

Julgamento no STF não constitui entrave à reforma tributária

Alterações trazidas pela reforma tributária na PEC 45 são alheias aos impactos do decidido pelo STF nas ADIs 5835 e 5862 e na ADPF 499