Opinião e Análise

Silvana Bussab Endres

Mais uma vez, desta feita ao julgar o RE nº 598677 do Rio Grande do Sul, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou seu entendimento sobre a competência dos estados para anteciparem o critério temporal da regra-matriz de incidência do ICMS (tema 456 em repercussão geral).
Ao final do julgamento, a tese proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso foi a seguinte: “somente a lei em sentido formal pode determinar a antecipação do pagamento do ICMS próprio para momento anterior ao fato gerador”. Ou seja, a Corte Suprema reforçou a legitimidade de os estados anteciparem o consequente normativo para momento anterior ao da ocorrência do fato imponível, “ex vi” do comando do artigo 150, §7º, da Carta Constitucional.
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Segundo o ministro Dias Toffoli, relator do julgado, a validade da antecipação, por ficção, da ocorrência do fato gerador, sem substituição tributária, já teria sido examinada e reiterada pelo STF na ADI nº 3426/BA, relator ministro Sepúlveda Pertence; e no RE nº 499.608/PI, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, entre outros julgados. Vejamos.
Na ADI nº 3426/BA, o STF julgou válido o artigo 12-A da Lei nº 7.014/96 do estado da Bahia, que antecipava o pagamento do ICMS próprio em operações interestaduais, consignando que a lei estadual pode, nos termos da previsão do artigo 150 §7º, antecipar a obrigação tributária relativa aos bens oriundos de outros estados da federação, deslocando o aspecto temporal da norma de incidência do imposto. Já no RE nº 499.608/PI a Suprema Corte julgou inconstitucional o ato do poder executivo do estado do Piauí que usurpou competência exclusiva da lei estadual ao prever, por meio de decreto, a antecipação da obrigação tributária do adquirente, ofendendo a legalidade estrita, que rege o sistema constitucional tributário.
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No presente leading case foram analisados decretos do estado do Rio Grande do Sul, todos prevendo a obrigação de antecipação do ICMS próprio, pelo contribuinte gaúcho, em operações interestaduais de aquisição de mercadorias para revenda, em desobediência à legalidade. Mais uma vez, mas agora com a fixação da tese em repercussão geral, o STF, de forma categórica, firmou que a previsão de alteração do elemento temporal da norma de incidência do ICMS depende de lei, em sentido formal.
O decisum faz clara distinção entre a mera definição de prazo para pagamento do imposto e o instituto da antecipação da hipótese de incidência do ICMS, ressaltando que o último diz respeito ao aspecto temporal da norma de incidência, vinculado à legalidade, plasmada no artigo 150, I, da Carta Constitucional.
A Fazenda dos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, este último, admitido no feito na qualidade de amicus curie, defenderam que os decretos gaúchos apenas estabeleciam prazo de vencimento do ICMS, hipótese não afeita à reserva de lei ordinária e, em relação à qual a jurisprudência da Corte seria pacífica.
Entretanto, a tese fazendária foi afastada de plano, prevalecendo incólume o baluarte do sistema constitucional tributário, a legalidade estrita, em grau de lei ordinária, como foi aplicada no caso examinado, por força do disposto no art. 150, I, da Carta Constitucional, ou em grau de lei complementar, tal como decorre do seu artigo 155,§2º, XII, b.
O julgado abordou, ainda, a inconstitucionalidade do artigo 24, §7º, da Lei nº 8.820/89<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> do Rio Grande do Sul, que teria autorizado o Poder Executivo a antecipar a obrigação relativa ao imposto devido pela operação própria do adquirente da mercadoria.
<blockquote class="jota-article__eye">Nesse sentido, foi reconhecida a invalidade da referida norma, por prever delegação de competência própria do poder legislativo para o poder executivo, em confronto com a legalidade estrita.</blockquote>
Segundo o voto do ministro Luís Roberto Barroso, firme neste ponto, a norma do estado do Rio Grande do Sul, que delegou competência ao poder executivo para legislar sobre antecipação do fato gerador do ICMS, ofende a legalidade ao permitir “a criação de fatos geradores presumidos, sem qualquer parâmetro”. Trata-se de conclusão relevante e aplicável na validade de outros atos do executivo de outros Estados, que seguem o mesmo modelo.
Não por outra razão o estado de São Paulo requereu sua admissão no processo como amicus curie e defendeu a validade dos decretos do Rio Grande do Sul. Em Parecer da lavra do Secretário da Fazenda defendeu-se a importância da figura da antecipação do ICMS próprio, nas operações interestaduais, alegando necessidade de equalizar tais operações às operações internas.
Data vênia, o argumento não convence, visto que, de acordo com a sistemática de recolhimento do ICMS, os débitos devidos pela venda subsequente da mercadoria adquirida fora do Estado, assim como os débitos relativos às vendas da mercadoria adquiridas no Estado são confrontados com os créditos relativos às aquisições destas mercadorias, independentemente de sua origem, ao final do período de apuração mensal. Portanto, à luz da sistemática de apuração do imposto, o argumento não procede.
A nosso ver, a antecipação do imposto que seria devido no momento da revenda das mercadorias adquiridas fora do estado, cria mero mecanismo de financiamento para este, gravando sobremaneira o adquirente contribuinte do imposto, que se vê obrigado a antecipar valores de ICMS antes mesmo da ocorrência da materialidade criadora do liame obrigacional, ex vi do disposto no art. 150, §7º da CF.
Este é um dos mecanismos que transformou o ICMS em um imposto contraditório.
Conforta verificar que a nossa Corte Máxima não se afasta do cânone da legalidade estrita, vedando que os Poderes Executivos Estaduais manuseiem, ao seu próprio talante e sanha arrecadatória, os elementos de constituição da norma de incidência tributária.
<hr />
O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça:
https://youtu.be/o8E3sXtx7j0
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 24. O imposto será pago em estabelecimento bancário credenciado, na forma e nos prazos previstos em regulamento.
[...]
<ul>
<li>7º - Além das hipóteses previstas no parágrafo anterior, sempre que houver necessidade ou conveniência, poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto, com a fixação, se for o caso, do valor da operação ou da prestação subseqüente, a ser realizada pelo próprio contribuinte, exceto nas saídas de couro e de pele, classificados no Capítulo 41 da NBM/SH-NCM. (Redação dada pela Lei Nº 11.458 DE 17.04.2000 - Efeitos a partir de 18.04.2000)</li>
</ul>

responsabilidade tributária

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JOTA

Análise sobre o julgamento do RE nº 598677, no STF

STF e a inconstitucionalidade da cobrança antecipada do ICMS

Supremo Tribunal Federal e a inconstitucionalidade da cobrança antecipada do ICMS. Análise sobre o julgamento do RE nº 598677, no STF