Opinião e Análise

Fernanda Possebon Barbosa

Hanna Vieira do Carmo

Citando o espírito construtivo e reformista dos representantes do governo e de líderes da Câmara e do Senado, no último dia 21, o Ministro Paulo Guedes entregou ao Congresso Nacional a primeira parte da aguardada proposta de reforma tributária elaborada pela equipe econômica do Governo Federal, enfatizando o tom colaborativo do projeto às proposições que já estão em votação nas duas casas legislativas.
Nos últimos dias havia sido noticiado em diversos veículos de comunicação a conclusão da proposta do Ministério da Economia, fortemente criticada antes mesmo do efetivo encaminhamento ao Legislativo. O centro das discussões estava no possível retorno da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), tributo incidente sobre movimentações bancárias, extinto em 2007, que arrecadou cerca de 223 bilhões<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> aos cofres públicos nos 11 anos em que vigorou.
Como havia sido antecipado pelo ministro da Economia, a proposta finalizada tinha por intuito taxar transações financeiras digitais em cerca de 0,2%, ao argumento de que o crescimento expressivo das transações eletrônicas revela um grande potencial arrecadatório para o governo e, assim, seria possível desonerar a folha de pagamento por meio da criação dessa outra fonte de receita, além de reduzir a informalidade e  fomentar a criação de empregos.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Ante sua semelhança à antiga CPMF, após críticas de especialistas e a sinalização da resistência à aprovação da medida pelo Congresso Nacional, o Ministério da Economia retrocedeu. Por questões estratégicas decidiu, nesse primeiro momento de retomada das discussões da reforma tributária, iniciar a proposta com um ponto de aparente convergência entre o Executivo e o Legislativo: a unificação de duas contribuições federais (PIS e COFINS) na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), incidente, inclusive, sobre serviços digitais.
Para acelerar a aprovação das medidas, a equipe econômica do Governo optou por apresentar um projeto de lei e não uma Proposta de Emenda Constitucional, cuja aprovação demanda quórum de 3/5 dos parlamentares da Câmara e do Senado, bem como votação em dois turnos em cada casa, o que pode tornar o processo mais moroso.
De se ressaltar que a ênfase na tributação sobre o consumo e a intenção de taxar de forma unificada bens e serviços não é exclusividade apenas da equipe de Paulo Guedes. O mesmo intuito é encontrado nas Propostas de Emenda Constitucional nº 45 e nº 110, em trâmite na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente, as quais sugerem a taxação das operações e prestações por meio de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), além da criação de um imposto seletivo.
Em comum, todas essas proposições almejam um tributo similar ao IVA (Imposto de Valor Adicionado), com base ampla, alíquota uniforme e não cumulativo.  É relevante pontuar que a CBS desenhada por Guedes e seu time não propõe uma redução da carga tributária, mas sim a manutenção da arrecadação e da carga global atual.
Sobre os aspectos de incidência, a nova contribuição é devida por pessoas jurídicas de direito privado e a elas equiparadas sob a ótica da legislação do IRPJ, tem como base a receita bruta oriunda do faturamento empresarial relativo à cada operação, é tributada à alíquota geral de 12% e é não cumulativa – ou seja, é permitida a apropriação como crédito do valor destacado no documento fiscal idôneo que acobertar a aquisição de bens e serviços. Assegura-se a manutenção de crédito nas vendas desoneradas da contribuição em decorrência de exportação ou vendas para a Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio, por serem estas últimas equiparadas à exportação.
<blockquote class="jota-article__eye">Ponto positivo da proposta é a não incidência da CBS em sua própria base, a exemplo do que ocorre hoje de forma reprovável com o ICMS. Também é relevante na iniciativa do Governo a não inclusão na base de cálculo da contribuição do ICMS e ISS, esses dois últimos objetos de acirradas discussões na esfera judicial em relação à composição da base do PIS e da COFINS.</blockquote>
Embora o novo tributo busque substituir a contribuição ao PIS e a COFINS, não pudemos deixar de notar a cautela de se evitar litígios e impasses relacionados a outros impostos incidentes sobre o consumo, como o IPI, ISS e ICMS e sua proximidade com pontos já levantados e discutidos pela apresentação das PECs 45 e 110.
Dentre as proposições, chamou nossa atenção a atribuição de responsabilidade às plataformas digitais pelo recolhimento da contribuição sobre operações intermediadas quando o vendedor não emitir documento fiscal eletrônico, o ocorre, normalmente, nas vendas efetuadas por pessoas físicas. A proposição parece atenta às atuais discussões enfrentadas por tais plataformas, em especial por marketplaces, em disputas com fiscos estaduais para a cobrança do ICMS relativo a transações intermediadas, sobretudo após o surgimento de previsões nesse sentido na legislação de Estados como o Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Mato Grosso.
O projeto também parece alerta à pacificação de discussões relativas à apropriação de créditos pelo adquirente lastreados em documentos fiscais reputados inidôneos pela Administração Pública, que permeiam vultuosas autuações nas esferas estaduais, mesmo sendo um tema já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Outra previsão que guarda proximidade com a sistemática de apuração do ICMS e as controvérsias inerentes reportam à operacionalização da não cumulatividade da CBS, baseada no destaque do documento fiscal e não mais no sistema base contra base, próprio da apuração do PIS e da COFINS.</blockquote>
Em um primeiro contato, as afinidades da CBS com traços e conflitos prevalecentes no âmbito do ICMS e do IPI aparentam uma ocasional coincidência. Contudo, uma análise mais detida do projeto denota que os entornos delineados para a contribuição objetivam nortear um tributo sobre o consumo de abrangência ainda maior, que substitua não só as contribuições do PIS e da COFINS, mas outros tributos incidentes sobre o consumo.
A pretensão é notória e confirmada pelo próprio Ministério da Economia. Em coletiva para a apresentação da proposta, os responsáveis por sua elaboração destacaram a intenção de aderência do projeto às PECs em tramitação, numa tentativa de diálogo com os representantes dos Estados e Municípios para a criação de um IVA, o que justifica as similaridades abordadas e o caráter intencional de expansão dos aspectos da CBS para englobar o campo de incidência atualmente ocupado por outros tributos como o ICMS e o ISS.
Assim, à primeira vista tímida, os detalhes e sutilezas da proposição evidenciam que a proposta do Governo federal não visa apenas encabeçar a famigerada unificação do PIS e da COFINS, mas sim reacender os debates de uma reforma tributária mais ampla, com o desígnio do Executivo de ingressar no debate de um tributo único sobre o consumo.
Apesar do clima amistoso entre os líderes do Congresso e o Ministério da Economia, ainda não é possível afirmar qual medida será aprovada pelos parlamentares, se CBS, IBS ou eventual outro tributo, também não se pode garantir que a aprovação ocorrerá ainda este ano. Como bem reconheceu o ministro Paulo Guedes: “é a política que dita o ritmo das reformas”.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/cpmf">https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/cpmf</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Súmula 509: É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.

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JOTA

Ainda não é possível afirmar qual medida será aprovada pelos parlamentares, se CBS, IBS ou eventual outro tributo

E o governo finalmente apresenta a sua proposta de reforma Tributária

Ainda não é possível afirmar qual medida será aprovada pelos parlamentares, se CBS, IBS ou eventual outro tributo