Opinião e Análise

Ana Carpinetti

Alice Marinho

Não são novas (nem poucas) as disputas travadas entre Fisco e contribuintes quanto à interpretação da legislação tributária e a extensão da sua aplicação a fatos concretos. Uma dessas disputas diz respeito à incidência da <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/cide-entenda-como-funciona-calculado-20082021">Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE)</a> sobre remessas ao exterior para pagamento pela aquisição de conhecimentos tecnológicos, transferência de tecnologia e royalties.
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<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cide">Tudo sobre Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico</a></li>
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Editada há quase 20 anos, a Lei nº 10.168/00 teve por objetivo o financiamento de programas voltados ao desenvolvimento tecnológico no país, de modo que a contribuição seria devida sobre as remessas efetuadas pelo detentor de licença ou adquirente de conhecimentos tecnológicos de residentes ou domiciliados no exterior. Um ano após a sua entrada em vigor, foi ampliado o campo de incidência da CIDE prevista na Lei nº 10.168/00<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> para abranger remessas em remuneração a serviços técnicos, assistência administrativa e semelhantes e de royalties a qualquer título.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Com a finalidade de regulamentar a CIDE, o Decreto nº 4.195, de 11 de abril de 2002 (Decreto nº 4.195/02), listou os seguintes contratos cujo objeto seria passível de incidência da contribuição como sendo aqueles relativos (i) ao fornecimento de tecnologia; (ii) à prestação de assistência técnica, entendidos como serviços de assistência técnica e serviços técnicos especializados; (iii) aos serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes; (iv) à cessão e licença de uso de marcas; e, por fim, (v) à cessão e licença de exploração de patentes.
A partir desse contexto legislativo é que surgem as disputas, sendo as mais relevantes com relação à quais serviços estariam sujeitos à incidência da contribuição e ao que se entende por royalties tributáveis pela CIDE.
Sob a perspectiva do Fisco, embora em uma primeira manifestação a Receita Federal tenha reconhecido que serviços técnicos sem transferência de tecnologia (portanto, não tributados pela CIDE) seriam aqueles serviços que não estivessem sujeitos à averbação ou registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e no Banco Central, esse entendimento foi revogado<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Com isso, foram editadas diversas manifestações da Receita Federal a respeito da incidência da CIDE sobre royalties e serviços técnicos e administrativos.</blockquote>
De acordo com essas manifestações, haveria incidência da CIDE sobre pagamentos efetuados por quaisquer serviços que envolvessem “conhecimentos técnicos”, conceito este que abrangeria basicamente todo tipo de serviço, já que qualquer prestação pressupõe a existência de um profissional que detém um nível de conhecimento suficientemente especializado para desempenho do serviço. A título de exemplo, atividades como a apresentação de palestras, banco de dados e advocacia, por exemplo, foram incluídas no campo de incidência da contribuição<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Em relação ao pagamento de royalties, embora a IN nº 1.455/2014 tenha trazido uma definição próxima à prevista na legislação do imposto de renda, o que vemos na prática é que o fisco tem cobrado a CIDE sobre quaisquer pagamentos efetuados a título de exploração de direitos, desconsiderando se o beneficiário dos pagamentos é o autor ou o criador do bem ou da obra ou, ainda, alegando que não seria possível considerar pessoas jurídicas como autor.
Em contraposição a esses argumentos, contribuintes defendem que a contribuição incide apenas sobre remessas relativas a contratos que envolvem a transferência de tecnologia, já que essa é a finalidade expressa da norma instituidora da CIDE (promover o desenvolvimento tecnológico do país e desestimular contratações com empresas estrangeiras), em linha com os preceitos estabelecidos pela Constituição Federal para contribuições de intervenção no domínio econômico<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Ademais, a legislação estabelece que as remessas à título de royalties estarão sujeitas à CIDE e a legislação do Imposto de Renda expressamente prevê que a remuneração para o autor ou criador das obras intelectuais não se enquadra no conceito de royalties para fins fiscais.
Pois bem, embora muitas sejam as disputas travadas na esfera administrativa para discutir cobranças da CIDE, a questão ainda permanece em aberto no Poder Judiciário, especialmente porque não há precedentes definitivos dos Supremo Tribunal Federal (STF) e/ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
<blockquote class="jota-article__eye">Existem atualmente apenas 2 (dois) precedentes da Segunda Turma do STJ que se propuseram a uma análise mais detida sobre o tema, ambos de relatoria do ministro Mauro Campbell e julgados no mesmo dia.</blockquote>
A discussão envolvia a possibilidade de incidência da CIDE sobre remessas relativas à concessão de licença de uso e comercialização de softwares e serviços de assistência técnica previstos no mesmo contrato, sendo que a Segunda Turma do STJ, adotando por unanimidade o voto do ministro relator, sistematizou as regras de incidência para defender que existiriam 3 (três) tipos da contribuição: CIDE-Tecnologia, CIDE-Serviços e CIDE-Royalties.
A CIDE-Tecnologia incidiria sobre as situações em que houvesse pagamentos pela (i) detenção da licença de uso de conhecimentos tecnológicos; (ii) aquisição de conhecimentos tecnológicos; e (iii) transferência de tecnologia, assim entendida nos casos em que se verifica (iii.1) a exploração de patentes, (iii.2) o uso de marcas, (iii.3) o fornecimento de tecnologia, ou (iii.4) a prestação de assistência técnica.
Especificamente com relação ao “fornecimento de tecnologia”, prevaleceu nesse julgamento o entendimento de que a simples entrega de cópia de programa de computador, ainda que não houvesse a absorção de tecnologia pelo licenciado (transferência do código-fonte e registro no INPI), estaria sujeita à CIDE.
A CIDE-Serviços, por sua vez, incidiria sobre as remunerações para pagamento por serviços técnicos e de assistência administrativa ou semelhantes e, por fim, a CIDE-Royalties, que incidiria sobre o pagamento de royalties, a qualquer título, no que se inclui a exploração de direitos autorais, exceto nos casos em que a remuneração é percebida pelo autor ou criador do bem/obra.
Embora essa sistematização represente um avanço nos debates sobre a interpretação da legislação da CIDE, a decisão do STJ adotou uma interpretação ampla do conceito de “fornecimento de tecnologia”. Até o momento, não há precedentes divergentes sobre o tema no STJ e apenas na hipótese de esses precedentes serem firmados é que o assunto poderia ser decidido na Primeira Seção.
De toda forma, ainda existem muitos aspectos a serem considerados com relação à própria constitucionalidade dessa contribuição e o assunto deve ser analisado pela sistemática da repercussão geral pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 928.943/SP (Tema 914 da Repercussão Geral)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
A expectativa é que o STF analise, em especial: (i) a inexistência de efetiva ação interventiva no domínio econômico que legitime a exigência da referida contribuição (violação ao artigo 149 da CF/88;  (ii) o desvio de finalidade do ato legislativo, na medida em que a finalidade pretendida com a criação da CIDE (promover e incentivar atividades universitárias) é, na verdade, de responsabilidade exclusiva do Estado e deveria ser alcançada por uma intervenção no domínio social (violação aos artigos 212, 213, 218 e 219 da CF/88); (iii) a ausência de referibilidade entre a cobrança e a destinação dos recursos, uma vez que não é possível identificar o setor econômico supostamente sujeito à intervenção estatal (violação aos artigos 146, inciso III e 149 da CF/88); e (iv) o fato de que a exigência da CIDE sobre as remessas ao exterior representa uma discriminação contra os importadores, o que viola o princípio da isonomia (violação aos artigos 5, caput, e 150, inciso II, da CF/88).
Por se tratar de um caso de repercussão geral, é possível que a Suprema Corte leve em consideração ainda outros argumentos adicionais como a inconstitucionalidade superveniente da CIDE e a impossibilidade de cobrança da CIDE e do Imposto de Renda Retido na Fonte sob o mesmo fato gerador e mesma base de cálculo ante a natureza de imposto da CIDE (violação ao artigo 154, inciso I, da CF/88).
Portanto, mais debates são necessários para se chegar a uma diretriz clara e racional acerca não apenas da constitucionalidade da CIDE no que se refere aos seus aspectos formais como também da própria limitação do seu campo de incidência, a fim de garantir segurança jurídica aos contribuintes e evitar uma majoração indevida da carga tributária que, como se sabe, já é bastante elevada no país.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Alterações trazidas pela Lei nº 10.332/2001.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Ato Declaratório Normativo COSIT nº 01/2000, revogado pelo Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5/2014.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Soluções de Consulta COSIT nºs 05/2016, 138/2014 e 04/2016, por exemplo.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Artigos 149 e 218 da Constituição Federal.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Tema 914 (“Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada pela Lei 10.332/2001”).

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JOTA

A necessidade de consolidação de um entendimento no Poder Judiciário

Disputas acerca da CIDE sobre remessas ao exterior

Foram editadas diversas manifestações da Receita Federal a respeito da incidência da CIDE sobre royalties e serviços técnicos e administrativos.