Opinião e Análise

Pamela Gottardini

Carolina Meneghin

A materialidade do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/icms">ICMS</a> e os reflexos de sua forma de arrecadação têm sido tema cada vez mais frequente nos tribunais, especialmente quanto às regras aplicáveis ao <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/icms-entenda-os-aspectos-fundamentais-13052021">ICMS próprio</a> e ao ICMS recolhido mediante a sistemática de substituição tributária (ICMS-ST).
Inicialmente, da leitura do artigo 155, II, da Constituição, depreende-se uma única materialidade do ICMS, independentemente dos possíveis mecanismos de arrecadação como, por exemplo, a substituição tributária. Nessa linha, a lógica aplicada ao ICMS-ST deveria ser a mesma aplicada ao ICMS próprio.
Apesar de referida previsão constitucional, há diversas divergências quanto à sua interpretação, havendo posicionamentos antagônicos nos tribunais quanto às regras que seriam aplicáveis ao ICMS próprio, mas que não seriam extensíveis ao ICMS-ST.
Nessa linha, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.851 (<a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1718462">ADI 1.851</a>), o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) se posicionou no sentido de que o contribuinte não possuía o direito de recuperar os créditos de ICMS-ST em razão da realização de venda em valor inferior à base de cálculo presumida.
Ou seja, na prática, na época do julgamento, o entendimento pela definitividade do fato gerador presumido do ICMS-ST ensejava a possibilidade de interpretação de que o ICMS-ST teria contornos distintos do ICMS próprio.
Apesar do entendimento firmado na época pelo STF a respeito da possibilidade de tratamento diverso aos ICMS próprio e ICMS-ST, já era possível identificar diversos precedentes antagônicos dos tribunais, ora legitimando a aplicação de tratamentos diferenciados ao ICMS próprio e ao ICMS-ST, ora reputando indevida essa diferenciação, assumindo que haveria apenas uma materialidade do ICMS e que a adoção de mecanismos distintos para a sua arrecadação não teria o condão de alterar essa materialidade.
Um dos exemplos da oscilação da jurisprudência sobre o tema envolve a possibilidade de exclusão dos descontos incondicionais da base de cálculo do ICMS-ST.
Apesar de o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ), em 2010, ter editado a Súmula 457 determinando que “os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS”, a jurisprudência divergia em relação à possibilidade ou não de sua aplicação ao ICMS-ST.
As decisões que acolhiam a tese dos contribuintes pela possibilidade de exclusão dos descontos incondicionais da base de cálculo do ICMS-ST sustentavam que “a despeito dos propósitos de facilitação arrecadatória que fundam a substituição tributária, é evidente que a mesma não pode ensejar a alteração dos elementos estruturais do ICMS, especialmente no que atine a composição de sua base de cálculo”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Por outro lado, as que negavam a exclusão aos contribuintes possuíam como principal justificativa o fato de que não haveria como se exigir que os descontos concedidos fossem repassados ao consumidor final, pois não seria possível garantir se referidos descontos estariam refletidos no preço da operação futura tributada pelo ICMS-ST.
Ocorre que, posteriormente à edição da Súmula 457, a partir de 2011<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, o STJ fixou entendimento pela impossibilidade de exclusão de descontos incondicionais da base de cálculo do ICMS-ST.
Dessa forma, nos últimos anos, a interpretação da jurisprudência foi cada vez mais pontuando uma distinção entre as regras aplicáveis ao ICMS próprio e ao ICMS-ST.
Contudo, recentemente, o tema da materialidade do ICMS ganhou novos contornos com a revisão pelo STF do posicionamento adotado no julgamento da ADI 1.851 quanto à definitividade do fato gerador presumido.
Isso porque o STF, no julgamento do <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2642284">RE nº 593.849/MG</a>, sob o rito da repercussão geral, posicionou-se no sentido de que a substituição tributária seria mero mecanismo de arrecadação do ICMS, não alterando sua materialidade.
A mudança da orientação foi mencionada textualmente no voto do ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/edson-fachin">Edson Fachin</a>, o qual afirmou que “reconhece-se que a presente proposição representa uma alteração parcial de um precedente desta Corte (overturning), qual seja, a ADI 1.851”.
Nessa linha, não haveria alteração de qualquer elemento formador da hipótese de incidência: o fato gerador do ICMS continua sendo a circulação de mercadorias, o contribuinte ainda é aquele que realiza a saída das mercadorias e a base de cálculo deve guardar relação com o fato gerador.
É o que se extrai do voto do ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ricardo-lewandowski">Ricardo Lewandowski</a>, o qual conceitua o ICMS-ST como técnica especial de arrecadação, mas que não desnatura se estar diante de exação de ICMS:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 90px;">“E, embora tenha esta Suprema Corte considerado legítima a técnica da substituição tributária para frente, ela não deixa de ser uma forma excepcional de arrecadação, devendo ter, por isso mesmo, suas bases e limites muito bem definidos.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 90px;">A excepcionalidade dessa técnica decorre exatamente da circunstância de se permitir a tributação de um fato ainda não ocorrido, ou melhor, de um fato que terá lugar no futuro. Em outras palavras, permite que se presuma a ocorrência de um fato gerador, para o efeito de incidência do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.”</blockquote>
Diante desse novo entendimento pela provisoriedade do fato gerador presumido, há reforço do posicionamento de que o ICMS-ST não seria tributo apartado do ICMS, mas possuiria a mesma materialidade, divergindo apenas quanto à sistemática de arrecadação.
Na nossa opinião, as discussões constantes desse julgamento contêm elementos para revisitar algumas antigas discussões, a exemplo da aplicação da Súmula 457 ao ICMS-ST e, consequentemente, reabrir nova discussão quanto à possibilidade da exclusão de descontos incondicionados também na substituição tributária.
Inclusive, pois, o STJ já proferiu decisão no julgamento do <a href="https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201400610357&amp;dt_publicacao=09/06/2016">REsp 1.454.184</a><a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> afirmando que o ICMS-ST consiste no mesmo imposto do ICMS próprio:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 90px;">“O ICMS/ST não é um tributo diferente do ICMS próprio. A base de cálculo do ICMS não sofre modificação quando se trata de arrecadação mediante substituição tributária, como ocorre na hipótese em exame. E nem poderia ser diferente, uma vez que, como a própria nomenclatura informa, a substituição tributária trata-se de uma técnica de arrecadação e fiscalização fazendária, não tendo o condão de afastar a aplicabilidade da norma disposta no artigo 13, § 1º, I, da LC 87/96.”</blockquote>
Nesse contexto, cabe uma provocação nos processos em julgamento no STJ sobre o tema, eis que existindo uma única materialidade do ICMS há espaço para arguir que deveriam ser aplicadas ao ICMS-ST as mesmas regras do ICMS próprio, posicionamento esse reforçado pela linha de entendimento do STF quanto ao fato de que o ICMS-ST apenas difere do ICMS próprio quanto à sistemática de sua arrecadação.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> REsp nº 975.373/MG (Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 28.03.2006)
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> EREsp. nº 715.255/MG (Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 23.02.2011)
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> REsp 1454184/MG (Rel. Min. Mauro Campbell, DJe 09/06/2016)

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JOTA

Novo entendimento do Supremo reacendeu debate a materialidade do ICMS

Descontos incondicionais e a base de cálculo do ICMS-ST

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