Opinião e Análise

Danielle Bertagnolli

Se na década de 90 você precisasse de um serviço, buscaria na lista telefônica o melhor prestador. Se quisesse alugar uma fita VHS para o final de semana, procuraria pela locadora mais próxima da sua casa ou pela melhor locadora da cidade, onde encontraria um catálogo com muitos títulos. Porém o mundo mudou e, com a supremacia da internet, os modelos de negócio também precisaram se reinventar.
Atualmente, ainda que muitas empresas digitais guardem relação com atividades já existentes há bastante tempo, seu modelo de negócio não envolve lojas físicas, operando exclusivamente em meio digital. Veja-se, por exemplo, o caso da Netflix e do Spotify, em que toda a divulgação dos serviços, sua contratação e prestação ocorrem em meio online. Disso decorre a importância dessas empresas incorrerem em despesas com publicidade para sua divulgação na internet e fora dela.
Nesse contexto surge a discussão acerca da (im)possibilidade de aproveitamento de créditos das contribuições sociais sobre a receita, no caso o PIS e a Cofins, em relação às despesas com publicidade e marketing em razão do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STJ">STJ</a>).
As Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que dispõem sobre a sistemática de apuração não-cumulativa do PIS e da Cofins, respectivamente, estabelecem diversas hipóteses nas quais os contribuintes poderão apurar e aproveitar créditos das referidas contribuições. No que interessa à presente discussão, o inciso II do artigo 3 de ambas as leis permite a tomada de crédito sobre insumos utilizados no processo produtivo e na prestação de serviços.
Em relação aos insumos, seu conceito vem sendo delimitado pelo Poder Judiciário e por atos da Receita Federal a partir do julgamento do REsp 1.221.170/PR, em que o STJ definiu que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou de relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item, bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
A Receita Federal publicou o Parecer Normativo 5/2018 esclarecendo que são “essenciais” os itens dos quais o processo produtivo ou o serviço a ser prestado dependa “intrínseca e fundamentalmente”, enquanto são “relevantes” os itens cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, seja necessária para a realização da atividade exercida em razão de imposição legal ou das singularidades de cada cadeia produtiva ou serviço prestado.
Contudo, ainda que o STJ tenha definido o conceito de insumo como os bens ou serviços essenciais e relevantes à atividade empresarial e a Receita tenha delimitado o que se entende por insumo essencial e por insumo relevante, ainda subsistem muitas dúvidas sobre quais insumos especificamente e na prática se enquadram nestes conceitos. É o caso das despesas com publicidade e marketing, sendo que daremos ênfase a essas despesas incorridas por empresas com modelos de negócios digitais.
Entendemos que, no caso das empresas com modelos de negócios digitais, a imprescindibilidade dos serviços de publicidade e marketing decorre da própria natureza da sua atuação. É inconcebível sua atividade sem relevantes despesas com publicidade e propaganda, notadamente empregadas no meio online, tendo em vista a inexistência de estabelecimento físico que possibilite ao consumidor outras formas de acesso ao produto que não a venda pela internet.
Especificamente em relação à Netflix, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Carf">Carf</a>) apreciou a possibilidade de créditos de PIS/Cofins sobre publicidade e propaganda, negando tal direito no processo administrativo <a href="http://acordaos.economia.gov.br/acordaos2/pdfs/processados/10855722334201878_6543440.pdf">10855.722334/2018-78</a>, <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/netflix-carf-credito-pis-cofins-propaganda-28102021">conforme já noticiado pelo JOTA</a>. Porém queremos chamar a atenção para o voto divergente apresentado no acórdão 3302.012.005, em que o Conselheiro Raphael Madeira Abad destacou que “dentre todas as formas existentes para promover a venda de produtos a Recorrente [Netflix] utiliza tão somente estratégias de publicidade, marketing e propaganda, e que estas despesas equivalem à praticamente metade de todas as despesas da empresa, e que se for subtraída inviabiliza toda a atividade empresarial indubitavelmente disruptiva por ela realizada”.
Nesse sentido, é preciso destacar a necessidade de a essencialidade e a relevância dos insumos serem analisadas à luz da atividade específica da empresa em questão, levando em consideração as peculiaridades da sua forma de atuação e do seu modelo de negócio. Portanto, se determinadas atividades exigem uma boa localização física – que, se decorrente de contrato de locação firmado por pessoa jurídica, dará direito ao crédito de PIS/Cofins – outras atividades exigem maior dispêndio com publicidade e marketing, que igualmente devem possibilitar o crédito de PIS/Cofins, mormente quando estas despesas forem relevantes, sem as quais haveria significativa redução da receita, base de cálculo do PIS/Cofins.
Por oportuno, destacam-se as lições de Ives Gandra da Silva Martins, Ricardo Castagna e Rogério Gandra da Silva Martins<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> sobre o tema:
<blockquote class="jota-article__citation">É inconteste o fato de que as despesas com propaganda e marketing, sobretudo para diversas atividades empresariais, são muitas vezes absolutamente necessárias, razoáveis e efetivas para a produção de receitas e a manutenção da respectiva fonte produtora, caracterizando-se como operacional na dicção do citado artigo 299 do RIR/1999. O marketing congrega todos os esforços estratégicos e de comunicação, assumindo papel de vital importância para a própria sobrevivência de inúmeras atividades econômicas. [...] Mostram-se tais despesas, assim, totalmente usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa (Lei 4.506/1964, atrigo 47, parágrafo 2º), razão pela qual, sob nosso entendimento, desde que se mostrem essenciais à manutenção da fonte produtora, enquadram-se no conceito de insumo definido no artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 para fins de apropriação de créditos do PIS e da Cofins no regime da não cumulatividade.</blockquote>
Portanto, levando em consideração as peculiaridades dos modelos de negócios digitais, essencialmente ligadas à internet, as despesas com publicidade e marketing mostram-se ainda mais relevantes para o desenvolvimento da atividade econômica da empresa. Na inexistência de estabelecimentos físicos nos quais haja a prestação de serviços, todo acesso pelo consumidor decorre da promoção e marketing realizados (links patrocinados, campanhas em redes sociais, entre outros). Assim, tais custos revelam-se de extrema relevância, sem os quais a atividade seria extremamente prejudicada ou, até mesmo, inviabilizada.
Tal raciocínio conduz à possibilidade de apuração e aproveitamento dos créditos de PIS/Cofins sobre despesas de publicidade e marketing suportadas pelas empresas que desenvolvem modelos de negócios digitais, para as quais a propaganda é de extrema relevância e, nesse contexto, atendem aos requisitos delineados pelo STJ no julgamento do REsp 1.221.170/PR e pela Receita Federal no Parecer Normativo 5/2018.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> REsp 1221170/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018, DJe 24/04/2018.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> MARTINS, Ives Gandra da Silva e outros. Direito à escrituração de créditos do PIS e da COFINS em relação às despesas com marketing e publicidade e com taxa de emissão de boletos de administradoras de cartões de crédito. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 208, p. 88-89, 2013.

netflix

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Imprescindibilidade dos serviços de publicidade e marketing decorre da própria natureza da sua atuação

Créditos de PIS/Cofins sobre despesas de publicidade em empresas digitais

Imprescindibilidade dos serviços de publicidade e marketing na internet decorre da própria natureza da sua atuação