Opinião e Análise

Antonia Camily Gomes Cruz

Compliance significa estar em conformidade com algo e consiste no cumprimento de leis e diretrizes com o fim de minimizar riscos prejudiciais à credibilidade da empresa e custos advindos de potenciais sanções administrativas e judiciais<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Sobre a esse tema, aplicado a seara fiscal, muito se debate a respeito de políticas de incentivos aos “bons contribuintes”, das quais são exemplos a MP do Contribuinte Legal, no âmbito da União, o “Programa nos Conformes” da SEFAZ de SP e o “Contribuinte Pai D’égua” da SEFAZ do Ceará. São elas políticas que distinguem contribuintes de acordo com o seu perfil de conduta junto ao Fisco e preveem contrapartidas para estimular a conformidade. Mas qual o objetivo que se pretende atingir na distinção de contribuintes?
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Bobbio<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> já afirmava que “nas constituições pós-liberais, ao lado da função de tutela ou garantia, aparece, cada vez mais com maior frequência a função de promover”. Portanto, o direito tem a função de promover condutas por meio de técnicas de encorajamento (incentivos) ou desencorajamento (repressão).
A tendência é que aqueles que não se encaixem na conduta padrão de contribuinte “nota A” se esforcem e se sintam estimulados para isso pelo fenômeno da conformidade. Portanto, a diferenciação de contribuintes com a promessa de facilitação, em contraposição a repressão, tem por fim promover uma conduta conforme dos contribuintes.
Não se abandona o comando repressivo, mas o direito é usado para além da repressão com o fim de transformar o contexto do relacionamento entre o Fisco e o contribuinte.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> Assim, a categorização de contribuintes com a previsão de consequências diversas tem o fim de induzir comportamentos que, logicamente, favoreça à arrecadação de receitas.
<blockquote class="jota-article__eye">Mas a questão é: o que deve ser considerado para identificar um bom contribuinte? O quanto paga de tributo? O quanto consegue ser pontual nas suas obrigações?</blockquote>
Logicamente, a avaliação do histórico fiscal é importante nessa régua de discriminação, atentando-se sempre em distinguir situações de inviabilidade financeira e empecilhos burocráticos que não permitem empresas estarem em conformidade daqueles casos que envolvem fraude ou habitual indiferença do dever fundamental de pagar tributos.
De outro lado, algumas reflexões podem surgir: somente o histórico fiscal deve ser considerado para avaliar o perfil de uma empresa? Não se tem dúvidas de que o Estado precisa de receita para cumprir com os objetivos sociais e constitucionais, mas existe um clamor da sociedade, especialmente potencializado pela pandemia que estamos passando, a se exigir que outros elementos sejam considerados de forma mais consolidada e que não se restrinja à habitual concessão de benefícios fiscais a determinados setores da economia que gerem receita e empregos numa região.
Não é novidade que os entes já se utilizam da extrafiscalidade de tributos para promover condutas. Aliás, para Becker<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, em toda política tributária coexistem finalidades fiscais e extrafiscais de forma harmônica.
O art. 170 da Constituição Federal admite a intervenção do Estado na economia para promover condutas que visem à existência digna e a justiça social, portanto, é dever do Estado  induzir condutas na atividade econômica atendam a valores sociais mais amplos, como respeito ao meio ambiente, geração de empregos com respeito à legislação trabalhista,  ao devido tratamento de dados de terceiros,  especialmente após a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exigir várias condutas de pessoas jurídicas e físicas na proteção de privacidade dos cidadãos.
Nesse contexto, recentemente, no julgamento da ADI 5.465, o STF declarou a constitucionalidade de leis estaduais que determinam sanções administrativas, como o cancelamento de inscrição no cadastro de contribuinte de ICMS de empresas que se utilizam de trabalho escravo no processo de fabricação de seus produtos. Um impulso importante para que, no histórico fiscal do contribuinte, seja considerada análise se o contribuinte consta em “lista suja” de trabalho escravo.
Seguindo a mesma linha, no mercado financeiro já desponta a sigla Environmental, Social and Corporate (ESG), resultado de movimento global, tendência para 2021, impulsionado pela pandemia, consiste numa expressão cujo conceito utiliza critérios para avaliar empresas a receber investimentos de acordo com os resultados positivos que possam trazer para a sociedade e não exclusivamente o retorno financeiro. O propósito das empresas passa a ser considerado com o objetivo de geração futura de valores relacionados ao meio ambiente e à sociedade. Fala-se em capitalismo social, ou capitalismo além do lucro.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
No Brasil, já existem alguns marcos regulatórios em diversos setores com a função de promover valores sociais em paralelo à obtenção de lucro, como a Resolução nº 4.327/2014, a qual determina que as instituições financeiras cumpram com políticas de responsabilidade socioambiental; o Decreto nº 9.571/2018, o qual estabelece diretrizes para o Poder Público e empresas promoverem o respeito aos direitos humanos com a instituição do selo “Empresas e Direitos Humanos” para aquelas empresas que cumprirem voluntariamente as orientações; o Decreto nº 10.387/2020, que autoriza incentivos aos financiamento de projetos de infraestrutura que gerem benefícios ambientais e sociais; e, mais recente, a Lei nº 14.119/2021 (Lei do Agro), que ampliou o acesso ao financiamento para produtores rurais que preservam o meio ambiente.
É muito cedo para tirar conclusões, mas o certo é que há um movimento do Estado e do mercado de se exigir cada vez mais que as empresas cumpram o seu papel social, como o respeito ao meio ambiente, combate à corrupção, cumprimento de obrigações tributárias e, a necessária proteção de dados de terceiros.
Administrações fazendárias mais sofisticadas e organizadas podem, inclusive, ampliar seus elementos de avaliação de contribuintes utilizando-se da mesma métrica ESG nas suas pirâmides regulatórias. De outro lado, caberá ao Estado desburocratizar medidas para minimizar os custos de cumprimento da legislação e facilitar o interesse das empresas em serem contribuintes nota A- ESG.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Veja-se a obra “Compliance no Direito Tributário”, de Paulo Barros de Carvalho, publicado pela editora Thomson Reuters (2018).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BOBBIO, Noberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccacia Versiani. Revisão técnica de Orlando Seixas Bechara e Renata Nagamine. São Paulo: Manole, 2007. p.105
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O tema é desenvolvido no artigo “Nudges fiscais: a economia comportamental e o aprimoramento da cobrança da dívida ativa”, produzido por essa autora e por Gustavo Raposo Pereira Feitosa, publicado na  PENSAR - REVISTA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, v. 24 (2019). Disponível em: &lt;<a href="https://doi.org/10.5020/2317-2150.2019.10258">https://doi.org/10.5020/2317-2150.2019.10258</a>&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2007. p. 628
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Recomenda-se o artigo “ESG: capitalismo além do lucro”, de Edson Vismona, publicado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO). Disponível em: &lt;<a href="https://www.etco.org.br/noticias/esg-capitalismo-alem-do-lucro/">https://www.etco.org.br/noticias/esg-capitalismo-alem-do-lucro/</a>&gt;.

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JOTA

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