Opinião e Análise

Maria Carolina Maldonado Mendonça Kraljevic

I - Introdução
Em maio de 2020, foi apresentado o Projeto de Lei (PL) nº 367<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, para alterar a Lei nº 13.457/2009, que rege o processo administrativo tributário no Estado de São Paulo. O referido PL tem por objetivo adequar a legislação ao Código de Processo Civil de 2015 (“CPC”) e ajustar deficiências, de forma a conferir maior efetividade aos consagrados princípios da eficiência, celeridade, contraditório, ampla defesa e, principalmente, segurança jurídica<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Para refletir as disposições do novo CPC, pretende-se modificar a contagem dos prazos processuais, que passaria a ser em dias úteis; instituir recesso no período compreendido entre 20 de dezembro e 20 de janeiro; e vincular as decisões do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (“TIT/SP”) aos precedentes firmados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e pelos Tribunais Superiores, listados no art. 927 do CPC<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
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Relevante é também a proposta de revogação no valor mínimo de alçada, que, hoje, é de 20 mil Ufesps, o equivalente a R$ 552.200,00. Tal alteração tem o condão de possibilitar o acesso ao TIT/SP a todos os contribuintes, qualquer que seja o valor de sua demanda<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Propõe-se, ainda, alterar o procedimento de admissibilidade dos recursos especiais à Câmara Superior do TIT/SP. A análise da admissibilidade passaria a ser, não mais do Presidente do TIT/SP, mas, sim, do Presidente da Câmara que julgou o processo. Em caso de decisão denegatória de recurso especial, caberia agravo ao Presidente do TIT/SP, que analisaria a questão de forma definitiva. Ademais, passa-se a exigir que os despachos, que admitem ou não recurso especial, sejam devidamente fundamentados, nos termos em que exige o art. 489, §1º, do CPC<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Não obstante a importância de todos esses temas, o objeto do presente artigo é analisar outras alterações buscadas no PL nº 367/2020, igualmente relevantes, mas menos noticiadas até o momento. Assim, examinaremos, abaixo, (i) a exigência de o auto de infração conter elementos suficientes para se determinar o montante objeto do lançamento; (ii) a obrigatoriedade de intimar as partes para se manifestar sobre o resultado da diligência, bem como de facultá-las à realização de nova sustentação oral após a diligência; e (iii) a possibilidade de o contribuinte transferir eventual depósito administrativo para garantir o débito em discussão judicial.
II – Certeza do Quantum exigido, Contraditorio e Utilização dos Depósitos Administrativos nas Alterações Propostas 
A segurança jurídica, como princípio basilar do Estado Democrático de Direito que é, tem observância obrigatória pelo Executivo, Judiciário e, principalmente, pelo Legislativo, em todas as matérias. No âmbito tributário, a concretização plena do princípio da segurança jurídica é ainda mais imperativa, já que são claros os limites constitucionais ao poder de tributar. Isso porque a tributação, apesar de essencial ao financiamento da máquina pública, implica restrição aos direitos fundamentais dos contribuintes, em especial aos direitos de propriedade e liberdade<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Assim, em tal seara, o princípio da segurança jurídica objetiva, em linhas gerais, salvaguardar as justas expectativas dos contribuintes, de forma que eles tenham, por um lado, a confiança de que todos os seus direitos serão protegidos pelo Estado e, por outro, a capacidade de prever as consequências jurídicas de seu comportamento<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. Além de abrigar um conteúdo próprio, o princípio da segurança jurídica serve de base para diversos outros princípios constitucionais tributários – como o da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade e da igualdade –, dando a tônica que deve guiar a relação entre Fisco e contribuinte.
Aplicando tais lições ao processo administrativo tributário, isso significa que o contribuinte deve ter a segurança de que se submeterá a um processo administrativo justo, no qual todos os seus direitos fundamentais serão devidamente respeitados, ou seja, ele precisa ter pleno conhecimento da infração que lhe está sendo imputada e dispor de amplos meios para exercer seu contraditório.
Disso decorre a modificação proposta pelo PL nº 367/2020 no art. 11 da Lei nº 13.457/2009. Atualmente, quando o auto de infração contém elementos suficientes para se determinar, com segurança, a natureza da infração e a pessoa do infrator, eventuais incorreções ou omissões no documento, relativamente ao cálculo, ou outros elementos de importância, há interpretação de que estes elementos não acarretam sua nulidade, isoladamente considerados. A contrario sensu, será nulo o lançamento eivado de incorreções ou omissões, que não dispuser de elementos suficientes para a identificação da natureza da infração ou da pessoa do infrator.
A alteração pretendida objetiva exigir que haja, no auto de infração eivado de erro, elementos suficientes para se identificar também o montante objeto do lançamento, sob pena de sua nulidade. Dessa forma, não basta que o contribuinte identifique a natureza da infração e a pessoa do infrator, ele deve ser capaz de extrair do auto de infração o racional adotado pela autoridade fiscal para calcular o débito a ele imputado, sob pena de cerceamento de seu direito de defesa. Tal critério pode ser evidenciado, por exemplo, por meio de planilhas com a apuração da base de cálculo dos débitos lançados e explicações acerca da metodologia adotada para tanto, de forma que o contribuinte possa cotejar tais informações com sua contabilidade e, se for o caso, impugnar devidamente o auto de infração.
Cumpre ressaltar que a inclusão proposta não afasta a possibilidade de o julgador corrigir erros com relação à capitulação da infração ou à penalidade imposta, o que é expressamente autorizado pelo art. 13 da Lei nº 13.457/2009. Mas, sim, assegura ao contribuinte o direito de acesso, não apenas ao valor em exigência, mas também aos elementos utilizados pelo Fisco na sua apuração, trazendo maior segurança jurídica ao contribuinte.
A esse respeito, vale relembrar a lição de Roque Antonio Carrazza<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, quando trata do referido princípio, nos ensina que sua observância exige que o lançamento se revista de “um mínimo de densidade descritiva”. Isto é, na eventualidade de um auto de infração eivado de erro e sem elementos suficientes para se determinar, com segurança, montante objeto de lançamento, a expectativa do contribuinte em um processo administrativo justo e seguro restará frustrada, juntamente com seus direitos ao contraditório e à ampla defesa – que, frise-se, são constitucionalmente assegurados aos litigante, inclusive, em processos administrativos<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Esse mesmo propósito é compartilhado pelas alterações buscadas nos artigos 25 e 44 da Lei nº 13.457/2009. A realização de diligência no curso do processo administrativo pode ajustar erro formal, clarificar ponto obscuro ou até alterar o resultado do julgamento. Por isso, é de extrema importância que ao contribuinte seja oportunizada a manifestação sobre as conclusões da diligência, seja por meio de petição, seja pela realização de nova sustentação oral, quando o julgamento já tenha sido iniciado.
A diligência é realizada pelo próprio Fisco, por isso é essencial que o contribuinte possa sobre ela se manifestar oportunamente, sob pena de cerceamento de seu direito de defesa, o que igualmente fere a segurança jurídica. Tanto é assim que a possibilidade de realização de nova sustentação oral, quando o julgamento é interrompido pela determinação de diligência, é direito do contribuinte consagrado no âmbito do processo administrativo tributário federal<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Atualmente, a Lei nº 13.457/2009 prevê, em seu art. 19, que, na hipótese de apresentação de novas provas no curso do processo, a parte contrária será ouvida. No entanto, na realização de diligência não há, necessariamente, a juntada de novos elementos aos autos, mas, sim, a valoração de documentos já acostados ao processo. Assim, não há na legislação vigente previsão de intimação do contribuinte para se manifestar sobre o resultado da diligência – não obstante saibamos que essa é uma prática comum nos tribunais administrativos, ela pode facilmente ser alterada com mudança no quadro de julgadores, o que reforça a necessidade de a Lei nº 13.457/2009 salvaguardar esse direito dos contribuintes.
Por fim, mas não menos importante, o PL nº 367/2020 pretende alterar o art. 32 da Lei nº 13.457/2009, de forma a conferir aplicabilidade prática à previsão de depósito administrativo contida no dispositivo. De acordo com sua redação atual, é facultado ao contribuinte efetuar o depósito da importância em exigência, o que faz cessar a aplicação dos acréscimos moratórios. Contudo, caso o débito seja mantido na esfera administrativa, a quantia depositada é imediatamente convertida em renda do Estado, o que torna o depósito pouco usual.
Nesse ponto, a alteração pretendida consiste em facultar ao contribuinte vencido no processo administrativo a opção de ter o depósito convertido em renda do Estado ou transferir a quantia para servir como garantia do processo judicial no qual o débito será discutido. A medida favorece tanto os contribuintes, como o próprio Estado de São Paulo.
O contribuinte terá a segurança de que seu débito seguirá com a exigibilidade suspensa após o término da discussão administrativa<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a> e, com isso, afastará por completo o risco de constrição de seus bens. Ademais, caso opte por realizar o depósito administrativo e, ao final, seja vitorioso no judiciário, o contribuinte não mais precisará se submeter à tortuosa via dos precatórios para recuperar os valores prematuramente convertidos em renda do Estado.
Nos termos da Lei Complementar nº 151/2015 e do decreto que a regulamenta no Estado de São Paulo<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>, 70% dos depósitos referentes a processos tributários, administrativos ou judiciais, poderão ser utilizados pelo Estado no pagamento de precatórios, dívida pública, despesas de capital, dentre outros. Além da disponibilidade de parte do valor, o depósito confere ao ente público a segurança de satisfação do débito ao final do processo judicial.
III - Conclusões 
O PL nº 367/2020, portanto, além de adequar a legislação do processo administrativo do Estado de São Paulo ao novo CPC, unificando a forma de contagem dos prazos processuais, a previsão de recesso no final do ano e a vinculação aos precedentes, tão noticiadas, propõe diversas outras alterações não menos importantes, que prestigiam a igualdade, o contraditório e a ampla defesa e, ao final, garantem a máxima concretização do princípio da segurança jurídica.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O PL nº 367/2020 foi apresentado pelo deputado estadual Sérgio Vitor e é resultado de um grupo de trabalho que contou com a participação de membros da sociedade civil, academia e advocacia.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>O projeto e sua justificativa podem ser acessados em https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000325252.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Questões debatidas por Tathiane Piscitelli em artigo publicado no Valor Econômico (Disponível em https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2020/05/alteracoes-necessarias-ao-processo-administrativo-paulista-pl-3672020.ghtml, acesso em 15.07.2020).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Tema tratado por Janaína Lourenço em artigo publicado no Consultor Jurídico (Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-jul-01/janaina-lourenco-questao-justica-fiscal. Acesso em 15.07.2020).
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Assunto abordado por Luiz Roberto Peroba e Bruno Lorette Corrêa em artigo publicado no Migalhas (Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/329550/pl-367-20-e-a-proposta-de-alteracao-das-regras-de-admissibilidade-de-recursos-especiais-nas-disputas-administrativas-no-estado-de-sao-paulo, acesso em 15.07.2020).
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre a permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 289.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 344 e 345.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 352.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Art. 5º, LV da Constituição Federal.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Art. 59, § 4º, do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), aprovado pela Portaria MF nº 343/2015.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Nos termos do art. 151, II, do Código Tributário Nacional.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Decreto nº 61.460/2015.

Calculadora, papéis e canetas. Imagem: pixabay

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JOTA

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