Opinião e Análise

Carolina Botosso

O IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e o ITR (Imposto Territorial Rural) são tributos que por muito tempo geraram debate sobre o campo de incidência de um ou de outro.
Muitos municípios, no desejo de incrementar seus cofres públicos, viram nas grandes propriedades oportunidade de não somente arrecadar – o ITR – a mando da União, mas sim atrair para si a competência tributária municipal plena sobre tais terras – exigindo sobre elas o IPTU.
Os munícipes se viam, em alguns casos, sendo cobrados do ITR e o IPTU ao mesmo tempo, em nítida situação de bitributação, que é inconstitucional. Mas a repartição de competências constitucionalmente estabelecida prevaleceu, trazendo clareza no campo de atuação dos entes federativos. Assim, nos termos dos arts. 153, VI e 156, I da Constituição Federal, o ITR é de competência da União, e o IPTU, de competência municipal.
O CTN – Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), por sua vez, estabelece no art. 32 um regramento que gira em torno do critério espacial do imóvel: se se tratar de imóvel situado na zona urbana do município, assim definida pela legislação municipal e atendidos ao menos dois dos melhoramentos legais (meio fio ou calçamento, abastecimento de água, rede de iluminação pública etc), construídos ou mantidos pelo Poder Público, o tributo cabível é o IPTU. No entanto, ausentes tais requisitos ou em número inferior a dois, o enquadramento da zona não é como "urbana", mas sim "rural", e, portanto, a incidência é do ITR.
Este critério – espacial/topográfico foi o exclusivo definidor destes tributos até meados do ano de 2005/2009, quando foi trazido a lume um outro elemento que reacendeu os holofotes sobre os tributos reais:  trata-se da destinação econômica do imóvel presente no Decreto Lei 57/66 citado pelo STJ em um precedente afetado.
Este dispositivo, de 1966, trouxe diversas alterações sobre a cobrança do ITR, mas o art. 15, em especial, criou uma exceção à regra do CTN:
Art 15. O disposto no <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm#art32">art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966</a>, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados. (destaque da autora)
Com a promulgação da atual CF, algumas adequações de instrumentos legislativos anteriores à sua edição precisaram ser feitas com o objetivo de concatenação com a nova sistemática constitucional.
Uma delas foi a recepção do CTN, pela CF de 88 com status de Lei Complementar, prevista no art. 146, apta a regular normas gerais em matéria tributária.
O DL 57/66, no entanto, não teve o mesmo tratamento, salvo até meados do ano de 2005, quando então o Poder Judiciário se viu com a celeuma da incidência dos tributos IPTU e ITR instaurada, e decidiu incialmente afetar o Recurso Especial n° 1.112.646/SP e, tempos depois, editar a Resolução Senado 9, de 2005, e posteriormente o Tema Repetitivo 174, de 2009.
Neste precedente qualificado pelo STJ, o Min. Herman Benjamin julga caso de Mário Yokoya contra o Mun. de São Bernardo do Campo sobre o ITR x IPTU, que foi assim decidido:
EMENTA TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 15 DO DL 57/1966. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. 1. Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966). 2. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
Esse precedente cita o Resp 140.773/SP, julgado em 1998, no qual o Relator Min, Sydney Sanches argumenta que esse DL foi recebido com natureza complementar pela CF de 1967 e pela EC 1/69, e finaliza fundamentando que, pelas mesmas razões utilizadas no RE 93.850 (acórdão recorrido), é que declarou a inconstitucionalidade do art. 12 da Lei Ordinária 5.868/72, no ponto em que pretende revogar o art. 15 do DL 57/66. Ou seja, um diploma recebido como LC e que, nesse dispositivo, modificara o art. 32 do CTN, (outra LC). E ambas com conteúdo de normas gerais sobre IPTU e ITR.
Este julgamento trouxe à vida legislativa, com status de Lei Complementar, o DL 57/66.
Este, agora em pé igualdade com o CTN como competente para atribuição de normas gerais em matéria tributária, foi considerado como o argumento principal do STJ para definir pela ampliação da regra de incidência do ITR, que, além de levar em consideração o art. 32 do CTN, também deverá considerar o DL, conjuntamente, com critério da destinação do imóvel para definição do campo de incidência dos impostos reais.
Por ter sido proferida em caráter incidental, esta decisão produzia efeitos limitados às partes do processo. Mas uma verdadeira avalanche de medidas judiciais lotou o Poder Judiciário à época, que forçou a edição da Resolução do Senado 9/2005, com efeito aplicável a todos.
E, por fim, anos depois, em 2009 o STJ exarou o Tema Repetitivo 174, posicionando-se definitivamente sobre o assunto:
"Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966)".
Logo, sobre os imóveis situados na zona urbana que tenham exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, haverá o ITR também, e não mais o IPTU.
No entanto, esse entendimento "novo" dado pelo STJ vem causando insegurança jurídica aos contribuintes.
Muitos municípios vêm se apoiando nesse atual entendimento para alegarem que não há destinação agrícola ou pecuária demonstrada no local e, portanto, pretendem impor a cobrança do IPTU sobre as vastas extensões de terras que não possuem os dois melhoramentos mínimos para serem considerados como ‘urbanos’. O que é completamente incompatível com a sistemática tributária atual, afinal, a destinação econômica só será relevante para imóveis urbanos!
Ou, ainda, há em muitos casos a bitributação – pelo IPTU e pelo ITR – dessas áreas de destinação eminentemente rurais, o que é absolutamente vedado pelo Sistema Tributário Nacional vigente.
A própria jurisprudência paulista se mostra em alguns casos – recentes- equivocada, aplicando, ao invés da aplicação conjugada dos critérios (topográficos do art. 32 do CTN e de destinação do imóvel), vêm decidindo pela prevalência do critério da destinação, o que se mostra incompatível com o Sistema Tributário vigente<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
No Brasil, país de dimensões continentais, há inúmeras pequenas propriedades com destinação rural localizadas em zona urbana responsáveis pelo fornecimento de hortifrutigranjeiros de abastecimento de cidades circunvizinhas.
Assim, fadá-las à tributação do IPTU, como pretendem muitos municípios brasileiros, seria o mesmo que tornar o custo dessas propriedades inviável frente à concorrência com os produtores latifundiários que se submetem ao ITR (conhecidamente de menor onerosidade que o IPTU). E isso é inaceitável.
Logo, há aqui ainda esse aspecto de natureza eminentemente social do DL 57/66, que objetiva colocar o pequeno produtor em situação tributária equânime com os demais produtores localizados na zona rural. Trata-se de evidente justiça fiscal ao se impor a sujeição ao ITR ao pequeno latifúndio que, embora situado em zona urbana, tenha destinação rural.
Cabe ao Poder Público municipal – legislativo e executivo - aplicar os critérios espacial (urbano x rural) e material (destinação econômica), conjuntamente, para que o Sistema Jurídico Tributário se mostre suficientemente apto a garantir a segurança jurídica aos contribuintes sem a necessidade de acionamento do Poder Judiciário para garantia do que está notório.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vide Acórdão n. 17002561 | 1000459-61.2022.8.26.0471  | Órgão: TJ-SP  | Relator: Relator(a): Ricardo Chimenti   | Julgado em 31/07/2023  | Publicado em 31/07/2023.

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JOTA

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