Com a publicação da decisão no Recurso Especial nº 1.221.170/PR pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) (“Caso Anhambi”), em 24/4/2018, o longo embate referente ao conceito de “insumo” para fins de créditos de PIS e COFINS encontrou enfim uma diretriz, que é a verificação de sua essencialidade e relevância para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pela empresa.
A esse respeito, vale relembrar que o inciso II do artigo 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03[1] define que os contribuintes que apuram o PIS e a COFINS segundo a sistemática não cumulativa podem descontar créditos fiscais em relação a determinados custos e despesas com a aquisição de bens e serviços utilizados no curso de seus negócios regulares ou vendidos à terceiros.
Embora esse dispositivo legal liste algumas despesas que são geralmente creditáveis (como com a aquisição de energia elétrica, locação de imóveis, equipamentos, máquinas, etc.), ele também dispõe sobre a possibilidade de os contribuintes se creditarem sobre o custo incorrido com os “insumos” utilizados na prestação de serviços e/ou na fabricação de outros produtos, sem qualquer especificação sobre a extensão ou conteúdo de tal conceito.
Como é esperado em situações como essa, a aplicabilidade do conceito de “insumo” foi levada à resolução jurisprudencial. Nesse sentido, enquanto os contribuintes defendiam a interpretação conforme o regramento para dedutibilidade de despesas do IRPJ (conceito amplo), as Autoridades Fiscais adotavam interpretação divergente e mais restritiva, de maneira que os “insumos” seriam unicamente aqueles aplicados diretamente no processo produtivo ou na prestação de serviço, semelhantemente ao que prevê a legislação do ICMS e do IPI.
Crédito fiscal
Entretanto, com a evolução da jurisprudência administrativa e judicial, o conceito de insumo passou a se desenhar na forma intermediária pela visão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs). E precisamente esta abordagem que prevaleceu no STJ, resultando na decisão do Caso Anhambi, em sede de recursos repetitivos.
A relevância das diretrizes estabelecidas nesse precedente é inquestionável. O fato de ter sido consolidada a “teste da essencialidade”, que depende apenas da verificação da correlação entre essencialidade ou relevância das despesas para o desenvolvimento da atividade econômica pelo contribuinte, permitiu que as distorções decorrentes da apuração cumulativa do PIS e da COFINS sejam corrigidas de modo objetivo, com exame simplificado de cada caso concreto.
Não obstante a evidente intenção do STJ no Caso Anhambi, as Autoridades Fiscais continuaram a impor restrições ao aproveitamento dos créditos de PIS e COFINS, sobretudo com relação às empresas comerciais, sob a justificativa de que não exercem atividade de produção de bens, tampouco de prestação de serviços.
Pautados em premissas desatualizadas, a Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) editaram o Parecer Normativo COSIT nº 5/2018 e a Nota Explicativa PGFN n° 63/2018[2], que têm sido reiteradamente utilizadas para fiscalizar e impor cobranças elevadas sobre os contribuintes que apuram créditos de PIS e COFINS segundo a essencialidade e/ou relevância das despesas em sua atividade comercial.
Ao contrário da limitação pretendida pelas Autoridades Fiscais, entendemos que existem diversas despesas (como com propaganda e marketing, comissões, aluguéis, etc.) que são imprescindíveis à viabilização do negócio comercial e, portanto, devem ser interpretadas enquanto essenciais e relevantes, de acordo com os parâmetros do STJ.
“Tese da essencialidade”
Ao nosso ver, o STJ nunca pretendeu limitar a aplicação do Caso Anhambi a empresas industriais e/ou prestadoras de serviços. Nosso posicionamento fica evidente a partir da constatação que, no Voto Vencedor da Ministra Regina Helena da Costa, foram mencionados diversos votos que ela proferiu enquanto Desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, favoráveis ao uso de créditos de PIS e COFINS por empresas comerciais[3], posto que a “tese da essencialidade” não comporta diferenciação quanto à atividade econômica desenvolvida.
Ainda que a interpretação lógica do Caso Anhambi leve inevitavelmente à conclusão acima, notamos que ainda há uma escassez de decisões aplicando as orientações do STJ no caso de empresas comerciais.
Em verdade, as únicas decisões que localizamos até o momento são de primeira instância judicial[4] ou de câmaras comuns do CARF[5], que ainda pendem de revisão por órgãos superiores.
Insegurança jurídica
Sem prejuízo do mérito aos contribuintes beneficiados com tais decisões, frisamos que o assunto ainda está longe de ser pacificado. Enquanto os Tribunais administrativos e judiciais se furtam a firmar posicionamento para constituição de uma jurisprudência sólida, as empresas dedicadas a atividades comerciais continuam a sofrer com as consequências de um Fisco que subverte o Caso Anhambi para manter a constância de sua arrecadação.
Essa insegurança jurídica é extremamente prejudicial às empresas comerciais, especialmente em um contexto de crise econômica agravada pela pandemia do Covid-19.
Lembramos, nesse sentido, que ao instituir a não-cumulatividade para o PIS e a COFINS, o legislador visava corrigir distorções do sistema cumulativo, mediante a autorização de desconto de certos custos e despesas, em contrapartida à elevação das alíquotas das contribuições. Atualmente, contudo, as empresas comerciais estão apenas sujeitas à alíquota majorada, sem qualquer garantia concreta para o aproveitamento do entendimento do Caso Anhambi sem o risco de autuações.
Acreditamos que esse cenário poderá se reverter em um futuro próximo, já que o tema “insumos” de PIS e COFINS está pendente de exame, sob a perspectiva constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário nº 841.979/SP (“Caso Unilever”), sem previsão para inclusão em pauta. Enfim, espera-se que a futura decisão do STF traga soluções mais específicas para o caso das empresas comerciais, garantindo a isonomia no tratamento tributário que tanto deixa a desejar na discussão jurídica atual.
[1] Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (…) II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi;
[2] Parecer Normativo COSIT nº 5, de 17.12.2018 (“Parecer Normativo COSIT nº 5/2018”) e Nota Explicativa PGFN n° 63, de 26.9.2018 (“Nota Explicativa PGFN n° 63/2018”)
[3] Apelações Cíveis em Mandado de Segurança ns. 0012352-52.2010.4.03.6100/SP e 0005469-26.2009.4.03.6100/SP. DJ: 15.12.2011 e 31.5.2012, respectivamente.
[4] Veja-se, (i) Mandado de Segurança nº 5025323-66.2019.4.03.6100, decisão de 17.12.2019 (“Caso Riachuelo”); (ii) Mandado de Segurança nº 5024180-42.2019.4.03.6100, sentença de 1.10.2020 (“Caso Daiso”); e (iii) Mandado de Segurança nº 5019482-56.2020.4.03.6100, sentença de 4.2.2021 (“Caso Brooksfield Donna”).
[5] Nesse sentido (i) Acórdão nº 3302-008.120. Processo nº 10540.721182/2016-78. Sessão de 29.1.2020 (“Caso Ricardo Eletro”); e (ii) Acórdão nº 1401-003.133. Processo nº 19515.721262/201524. Sessão de 19.2.2019 (“Caso Alô Kids”).