Opinião e Análise

Carina de Castro Quirino

Thiago Cardoso Araújo

Em primeiro de dezembro, <a href="https://www.economist.com/books-and-arts/2018/12/01/the-economists-books-of-the-year">a The Economist publicou a lista dos livros mais importantes do ano</a>. Na categoria “negócios e economia”, dentre os cinco livros eleitos, há uma importante referência: Radical Markets: Uprooting Capitalism and Democracy for a Just Society (sem tradução para o português), livro de Eric Posner e Eric Glen Weyl, lançado em abril do ano que se finda.
O leitor logo percebe que o sobrenome Posner é familiar: Eric é filho de Richard Posner. Ambos professores na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, Eric tem desenvolvido carreira tão expressiva quanto a do pai. Com obras que tratam tanto do Direito Público quanto do Privado, Eric é um acadêmico de múltiplas  facetas.
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Eric Posner recebeu os entrevistadores em seu escritório, no quarto andar da D'Angelo Law Library da Universidade de Chicago, no dia 19 de julho de 2018, para responder perguntas sobre sua trajetória profissional, preferências acadêmicas, e também um pouco sobre o livro.
* * *
Carina Quirino: Para aquecermos, uma pergunta rápida: gostaríamos de escutar um pouco mais sobre as escolhas que lhe trouxeram onde você está hoje. Primeiro, por que você decidiu ser um professor de Direito?
Eric Posner: Eu fiz faculdade de direito e, ao terminar, não tinha muita certeza do que fazer. Eu pensei em ser advogado, mas sempre gostei de atividades acadêmicas. Durante a graduação, fui inclinado a pensar sobre direito de uma forma acadêmica. Escrevi artigos de pesquisa e gostei. Atuei como assistente no Judiciário (para o Juiz <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Stephen_F._Williams">Stephen F. Williams</a>), por pouco de tempo, após me graduar. Apesar de ter gostado, percebi que preferia fazer pesquisa. Naquele momento, um ex-professor meu sugeriu que eu fosse lecionar. Eu fui.
Thiago Araújo: Você já sentiu que escreveu algo que realmente impactou os juízes e os advogados na forma sobre como se decide ou se interpreta a lei? Você percebe o impacto do seu trabalho acadêmico?
E.P.: A maior parte do meu trabalho acadêmico é orientado mais para políticas públicas em geral do que para casos particulares ou doutrinas jurídicas. Muito do meu trabalho é mais conectado com as ciências sociais, e não com a forma pela qual juízes decidem casos. Ao perceber os meus trabalhos de maior repercussão nos últimos anos, vejo isso de forma mais clara, principalmente no que concerne sobre poderes presidenciais, que é uma questão importante nos Estados Unidos. Eu fui convidado para falar recentemente em uma Comissão do Senado sobre poderes presidenciais e dei conselhos para membros do Congresso.
C.Q.: Você acredita que The Executive Unbound foi sua obra de maior impacto?
E.P.: Eu acredito que a obra que provavelmente teve maior impacto foi... Não tenho muita certeza. Eu diria algumas. O meu trabalho sobre Direito Internacional recebeu muita atenção dos acadêmicos. Recentemente, a obra sobre antitruste recebeu certa atenção e eu acredito que ainda venha a ter mais influência, mas é cedo para dizer.
T.A.: Voltando para sua carreira como professor, quais os cursos que você prefere lecionar?
E.P.: Meu curso preferido é Regulação Financeira. E a razão é porque há algumas convulsões, como a crise financeira de 2008, que levou a uma série de litígios e a significativas reformas que hoje estão sendo questionadas. Eu acho economia financeira extremamente interessante e creio que é muito importante que os estudantes entendam regulação financeira, para lidar melhor com finanças do que a maioria dos advogados. Esse curso é muito gratificante.
C.Q.: Qual é o tópico mais desafiador que você encontrou em suas pesquisas acadêmicas?
E.P.: Eu penso que regulação financeira, a área das finanças é extremamente difícil. A prática e as instituições financeiras são complicadas e pouco estudadas, muito coisa não é pública, e o debate acadêmico ocorre em um nível muito alto de sofisticação. É muito difícil saber quais são as políticas corretas diante dessa complexidade.
T.A.: Passando agora a Radical Markets, você pode fazer um resumo sobre o que ele trata?
E.P.: A motivação do livro é o período de turbulências econômica e política que estamos vivendo, principalmente no que tange ao crescimento da desigualdade e a estagnação das taxas de crescimento econômico. A premissa do livro é de que ambos os problemas decorrem de uma única causa: o crescimento do poder monopolístico na economia em vários sentidos. Esses monopólios, em alguns aspectos, manifestam-se de maneiras tradicionais, como fusões e aquisições, e pelo crescimento de grandes companhias, mas também é possível perceber que a lógica do monopólio impregnou em muitas das instituições econômicas que temos, incluindo a propriedade privada.
O livro busca repensar essas instituições básicas e como elas podem ser alteradas. Usamos a expressão radical markets porque, de um lado, não queremos abandonar o mercado, como muitos críticos do capitalismo fazem. Nós pensamos que, em geral, os mercados são bons. Eles estimulam as pessoas nos seus institutos competitivos, canalizando-os para que se convertam em bens e serviços. Mas o mercado pode ser desenhado de diversas maneiras, podendo gerar efeitos melhores ou piores. Esse é o enfoque geral do livro. Nós falamos de cinco diferentes áreas da vida social – ou institutos jurídicos – onde, ao criarmos ou desenharmos mercados, poderíamos reduzir a desigualdade e aumentar o crescimento.
C.Q.: Muitos argumentos do livro são bem sofisticados... você acha que o livro é acessível a todos ou só a acadêmicos?
E.P.: Nós escrevemos o livro para todos. Nós esperamos atingir todo o público que tenha algum nível de educação. Nós tentamos evitar argumentos técnicos – não há matemática no livro – mas algumas noções centrais são complicadas e inicialmente as desenvolvemos no campo acadêmico. Mas acho que a conversa consegue fluir baseada na ideia geral.  É minha esperança. Nem sempre conseguimos, mas acho que tivemos uma boa recepção.
C.Q.: Em outra oportunidade<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, você criticou a timidez dos economistas modernos. Você acha que Radical Markets pode representar um renascimento de um papel mais amplo dos economistas no debate político?
E.P.: Pode ser. Tivemos algumas reações boas de economistas que pareciam concordar conosco. Então, acho que pode tornar economistas mais interessados nesses problemas mais amplos e usar essas diferentes disciplinas de uma maneira mais ambiciosa para resolver os problemas de política pública apontados.
T.A.: Karl Marx defendeu que a sua teoria só poderia ser aplicada em países desenvolvidos, com economias desenvolvidas. O livro Radical Markets pressupõe a existência de uma série de características que existem em economicas desenvolvidas. Quando falo isso estou pensando no trabalho de Hernando de Soto e nos direitos de propriedade, por exemplo. Você acha que Radical Markets pode impactar países em desenvolvimento também, mesmo sem essas instituições tão bem desenvolvidas?
E.P.: Um dos pontos do livro é que para que as instituições se desenvolvam, você precisa modernizá-las. Assim, nos países em que as instituições estão em um estágio inicial de desenvolvimento, pode ser prematuro introduzir voto quadrático. Mas, por outro lado, uma série de ideias foram aceitas por cientistas da computação e pessoas que trabalham com blockchain, por exemplo. Países em desenvolvimento têm acesso à internet e a usam, então talvez algumas das reformas que propomos possam ser estruturadas a partir da internet. E na medida em que elas possam ser utilizadas, é possível que nossas ideias atinjam alguns países em desenvolvimento. Eu acredito que isso depende muito de quão desenvolvido o país é, como são suas instituições, e que tipos de problemas possui.
C.Q.: Quais assuntos você acha que precisam ser revistos ou ser estudados de modo mais racional? Quais oportunidades acadêmicas você acha que possam ser desenvolvidas pelos estudiosos dos países em desenvolvimento?
E.P.: É uma pergunta muito interessante. Vocês mencionaram Hernando de Soto e como fazer os direitos de propriedade funcionarem adequadamente.... Isso provavelmente depende muito da cultura, da sociologia de uma área em particular ou do país, mas isso é algo que pode ser estudado nos países em desenvolvimento, porque é uma questão local. Acho que o Direito Internacional é uma área interessante não só para países em desenvolvimento, mas países em geral que não estejam na Europa, América do Norte ou talvez China e algumas poucas outras nações. O Direito Internacional é bem paroquial e não trabalha muito os interesses e as necessidades de maior parte dos países do mundo: é muito focado em um pequeno número de países. Alguns acadêmicos abrangem em seus estudos instituições regionais, como as Cortes de Direitos Humanos da África ou América Latina, mas eu penso que pessoas que vivem nesses locais podem fazer um trabalho muito bom, provavelmente um trabalho melhor.
T.A.: Você é um professor que escreve sobre muitas matérias: Direito Constitucional, labor and economics... Você possui contribuições em muitos campos. Como você lida com toda essa leitura? Qual conselho você dá aos estudiosos com uma mente curiosa, tentando lidar com muitas matérias e assuntos de modo a controlarem o tempo para serem efetivos em seus estudos?
E.P.: Tem ficado mais difícil, porque law and economics, quando eu comecei, era um campo muito menor e era mais fácil escrever sobre diferentes aspectos dele. Eu acredito que provavelmente, na atualidade, o segredo é colaborar com diferentes estudiosos em coautorias. Por eles serem especializados em campos diferentes, garantem que o artigo que esteja sendo escrito seja atualizado. Eu não fico me atualizando a respeito todos os campos sobre os quais escrevo, porque eu adoto esse método de colaboração. Eu me atualizo em alguns campos, como Regulação Financeira, Direito Internacional, Direito Contratual... E às vezes, depois de alguns anos, volto a me atualizar em alguns campos. Mas se você não estiver em uma rede de colaboração, você deve focar somente em um ou dois campos. Acredito que deveria ter sido mais focado, mas se você me perguntasse quais campos mais sei, eu diria três ou quatro áreas. O que tento fazer é trazer ideias de um campo para outro, algo muito produtivo e útil, mas você só pode fazer isso se você colabora com alguém de outra área.
C.Q.: Nessa época de excesso de informação, internet, bibliotecas, como você escolhe o que ler? Você escolhe estudiosos específicos ou você lê tudo o que lhe interessa ou se apoia no critério de alguém?
E.P.: Eu faço uma série de coisas. Eu recebo e-mails da <a href="https://www.ssrn.com/">SSRN</a> e leio os resumos de artigos de duas ou três áreas. Olho as revistas jurídicas e alguns jornais de economia, e alguns outros jornais diversos. Eu vejo os títulos de artigos, e quando algo me interessa, leio o resumo e, se for interessante, leio o artigo. Outro método que uso: tenho vários colegas e amigos que, se leem algo muito bom, ou relevante para o que faço, me avisam, mandam e-mail ou o mencionam para mim. Isso é muito útil. E, finalmente, eu penso que, ao final, a resposta é, quando eu tenho uma ideia geral sobre o que escrever, faço buscas no <a href="https://scholar.google.com.br/">Google Acadêmico</a> ou no <a href="https://www.jstor.org/">Jstor</a>. E também tenho assistentes de pesquisa que me ajudam a encontrar referências. Acho que, no atual estágio da minha carreira, usualmente consigo elaborar certos tópicos que são plausíveis partindo da seguinte sistemática: vejo o que está acontecendo, leio o que tem sido escrito nos últimos cinco anos e escrevo. Com essa abordagem, acabo acompanhando o que está acontecendo em determinado campo, mas não com uma visão profunda.
T.A.: Então, nesse momento da sua carreira, o senhor passa mais tempo escrevendo do que lendo?
E.P.: Eu faço os dois... Conforme se ganha mais experiência em um campo, se torna mais fácil ler alguns materiais. Quando se tem algum conhecimento em uma área e nos deparamos com um artigo, é possível realizar uma leitura mais rápida. Muitos fundamentos serão repetições do que você já sabe. Então acaba não tomando tanto tempo para ler do que no passado. Então, eu provavelmente acabo não passando tanto tempo lendo como antigamente.
C.Q.:. Quais são os livros que mais influenciaram sua formação jurídica?
E.P.: Um autor que me influenciou muito foi Jon Elster. Eu li todos os livros dele durante a faculdade, nos meus 20 anos. Eu fiquei impressionado com como ele escrevia bem, de maneira tão clara e interessante e isso me ajudou a ter interesse no lado acadêmico e me persuadiu a achar que eu poderia contribuir com algo. Mas há algo um tanto quanto enganoso em pessoas que escrevem de maneira tão clara. Elas fazem parecer mais fácil do realmente é. Mencionando alguns livros que me vem à mente, uma vez eu li um livro de Erving Goffman, um sociólogo famoso, há uns anos. Ele escreveu um livro chamado “A Representação do Eu na Vida Cotidiana” e, outro, “ Estigma”. Ele escreve de maneira muito clara e também de uma maneira muito própria, muito original. Ele me despertou interesse no tópico de normas sociais que eu já havia lido em meu início de carreira. Há também Cass Sunstein, que escreve com uma alegria contagiante: você quer entrar na festa quando o lê.  Quais outros livros… são tantos! Acho que vou parar por aqui.
***
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Em palestra proferida no Coase-Sandor Institute for Law and Economics da Universidade de Chicago, em julho de 2018.

eric posner

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14 rápidas perguntas sobre o livro, escolhas profissionais e conselhos acadêmicos

Eric Posner, radical markets e insights

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