Opinião e Análise

Giovana Carneiro

Como mencionado na <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/reg/a-autoridade-competente-do-marco-legal-da-inteligencia-artificial-parte-1-22032023">última coluna do UERJ Reg. para o JOTA</a>, a comissão de juristas instalada no Senado apresentou em dezembro de 2022 uma proposta de substitutivo aos três principais projetos de lei que tratam do uso e desenvolvimento de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inteligencia-artificial">inteligência artificial</a> (IA) no Brasil. Um dos pontos principais da proposta é a previsão, no artigo 32, da designação de uma autoridade competente para zelar pela implementação e fiscalização da lei. Seu artigo 4º, V, conceitua a autoridade competente como o “órgão ou entidade da Administração Pública Federal responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento desta Lei em todo o território nacional”.
Naquela oportunidade, iniciamos uma conversa sobre o possível papel dos estados e municípios na busca por um uso e desenvolvimento ético da IA, a partir do federalismo cooperativo brasileiro. Tratamos, assim, de uma postura de cooperação e eventual coordenação no plano vertical entre a autoridade e os órgãos públicos dos entes subnacionais. Uma outra camada dessa abordagem está no plano horizontal, ou seja, entre a autoridade competente e demais agências e órgãos governamentais federais do Poder Executivo Federal.
De maneira similar ao que ocorre com o tratamento de dados pessoais, o uso e desenvolvimento da IA tem se dado de maneira cada vez mais transversal. Não existe, afinal, um setor regulado único capaz de centralizar todo o desenvolvimento tecnológico. A tecnologia protagoniza transformações em diversas áreas – de transporte, energia, finanças, telecomunicações, saúde etc. Nesse contexto, haveria algum papel de cooperação entre a autoridade competente e as demais agências já instituídas? Em caso positivo, qual?
Segundo o artigo 33 do substitutivo, a “autoridade competente será o órgão central de aplicação desta Lei e do estabelecimento de normas e diretrizes para a sua implementação”, o que indica o caráter central de sua atuação na implementação do Marco Legal. Continuará existindo, contudo, o espaço de atuação regulamentar de outras agências setoriais específicas. São as agências que orbitam em volta da centralidade mencionada no artigo. Nesse espaço de atuação, dado o caráter transversal da matéria, há um ambiente profícuo para a cooperação entre as autoridades, a fim de garantir a troca de expertise e de informações, bem como uma maior segurança jurídica e previsibilidade na elaboração e na aplicação da regulação.
Em uma primeira análise dos incisos do parágrafo único do artigo 32, que centraliza as competências centrais da autoridade, o Marco parece atribuir um papel de especial relevância à cooperação e à atuação conjunta entre autoridades. O inciso VII dispõe que cabe à autoridade “articular-se com as autoridades reguladoras públicas para exercer suas competências em setores específicos de atividades econômicas e governamentais sujeitas à regulação”. Tal dispositivo cria um pressuposto de articulação capaz de influenciar o Marco Legal como um todo.
Nos termos do inciso VIII, a autoridade deve “fiscalizar, de modo independente ou em conjunto com outros órgãos públicos competentes, a divulgação das informações previstas nos arts. 7º e 43”. O primeiro dispositivo (artigo 7º), trata do direito à informação clara e adequada sobre a utilização da IA e suas consequências, tais quais as características das decisões e recomendações e as medidas de segurança adotadas. Aqui, como uma entidade geral não é capaz de compreender todos os detalhes técnicos e o que pode ou não ser relevante no que tange a um sistema de inteligência artificial, serão bem-vindas consultas a órgãos especializados para se evitar expectativas inadequadas (para mais ou para menos) no cumprimento dessa obrigação.
O artigo 43, por sua vez, dispõe sobre a base de dados públicas de IA de alto risco, a ser criada e mantida pela autoridade competente. A fiscalização dessas atividades pode ser feita, assim, com outros órgãos públicos, aumentando a capilaridade da atuação da autoridade. Afinal, ninguém melhor do que a agência específica do setor regulado para conhecer quais seriam as atividades arriscadas naquele âmbito específico.
Tanto é que uma das principais atribuições da autoridade competente, a confecção e atualização da lista de sistemas de IA de risco excessivo e de alto risco (artigo 18 do substitutivo), deve ocorrer em consulta com agências de outros setores regulados. O parágrafo único do artigo 18 dispõe que “a atualização da lista pela autoridade competente será precedida de consulta ao órgão regulador setorial competente, se houver”, abarcando a hipótese de relação com matérias de competência de outras entidades do poder público federal.
Atribuir a um órgão regulamentar essa atualização periódica é positivo, vez que evita o engessamento de hipóteses previstas em lei. Seria irrazoável, porém, esperar que uma única autoridade detenha a expertise necessária para classificar o risco de sistemas de IA em todos os setores da economia. O dispositivo menciona também a consulta e audiência públicas, além da análise de impacto regulatório, indicando o caráter transversal e consequente inclusão de diversos outros atores na atividade regulamentar.
Outra competência capaz de se beneficiar da cooperação com outras entidades do Poder Executivo Federal é a regulamentação e fiscalização da avaliação de impacto algorítmico, prevista nos artigos 22 a 26 do Substitutivo. Obrigatória para os agentes de IA de alto risco, deverá ser realizada por agentes externos ao fornecedor e observar a metodologia disposta em lei. A autoridade competente deverá regulamentar a periodicidade de atualização dessas avaliações, centrais ao processo de avaliação de risco interno e de governança da IA. Segundo o parágrafo 4º do artigo 24, essa regulamentação pode “incorporar melhores práticas setoriais”. Ela não só pode, como deve, vez que a regulação da IA não pode pairar como disciplina isolada da prática (que já é, em especial nos setores regulados, informada por ditames legais).
A coordenação de atividades e a postura cooperativa entre diferentes entidades é necessária ao pensarmos sobre um domínio regulatório transversal a diversos setores como a IA. Não à toa, como mais um princípio geral a ser observado pela autoridade, o artigo 34 do Substitutivo estabelece que “a autoridade competente e os órgãos e entidades públicas responsáveis pela regulação de setores específicos da atividade econômica e governamental coordenarão suas atividades, nas correspondentes esferas de atuação”. Para além de fóruns permanentes e cooperações técnicas, como prevê o parágrafo 1º do dispositivo, há que se pensar em outras possibilidades de cooperação em âmbito federal, fazendo uso, por exemplo, da decisão administrativa coordenada.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Na atividade regulamentar da autoridade competente, diversas de suas competências fiscalizatórias podem se beneficiar de uma postura cooperativa e de um diálogo com outras agências setoriais. Uma regulação eficiente, do ponto de vista dos agentes de tratamento e da Administração Pública Federal, demandará tal postura e novas formas capazes de levar a cabo um uso e desenvolvimento ético da IA em um setor transversal em constante transformação.
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Este é segundo ensaio da série do UERJ Reg. sobre a autoridade competente prevista na minuta de substitutivo aos PLs 5051/2019, 21/2020 e 872/2021, apresentada no Senado em dezembro de 2022.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Sobre o tema, ver: webinário Decisão Administrativa Coordenada. Decisão coordenada: tradeoffs, limites e impossibilidades. 2021. Disponível em: <a href="https://www.youtube.com/watch?v=QY_RMO_b-Kg">https://www.youtube.com/watch?v=QY_RMO_b-Kg</a>; CABRAL, Antonio do Passo; MENDONÇA, José Vicente Santos de (Coord.). Decisão Administrativa Coordenada: reflexões sobre o art. 49-A e seguintes da Lei n. 9.784/99. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022.

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JOTA

Uma regulação eficiente demandará dessa autoridade postura cooperativa e de diálogo com outras agências setoriais

A autoridade competente do Marco Legal da Inteligência Artificial - parte 2

Uma regulação eficiente demandará dessa autoridade postura cooperativa e de diálogo com outras agências setoriais