Opinião e Análise

Patrícia Sampaio

Em 1984, ao julgar caso envolvendo a interpretação de artigo de lei ambiental, a Suprema Corte dos EUA decidiu que, no silêncio ou ambiguidade da norma, o Poder Judiciário deveria ser deferente à interpretação realizada pelo órgão regulador, desde que essa fosse uma “construção plausível” do texto legal. Nascia a “<a href="https://supreme.justia.com/cases/federal/us/467/837/">doutrina Chevron</a>”, cujos efeitos no direito brasileiro se fizeram sentir.
A partir do surgimento das agências reguladoras no contexto da reforma do Estado dos anos 1990, ganhou ênfase a tese de que o Judiciário deve ser deferente às decisões administrativas, especialmente em casos de elevada complexidade técnica. No Supremo Tribunal Federal, Chevron chegou a ser citado em ementa de decisão que destacou a “deferência da jurisdição constitucional à interpretação empreendida pelo ente administrativo acerca do diploma definidor das suas próprias competências e atribuições, desde que a solução a que chegou a agência seja devidamente fundamentada e tenha lastro em uma interpretação da lei razoável e compatível com a Constituição” (<a href="https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur397310/false">ADI 4874</a>).
No entanto, no último dia 28 de junho, ao decidir <a href="https://www.supremecourt.gov/opinions/23pdf/22-451_7m58.pdf">Loper Bright Enterprises</a>, a Suprema Corte trouxe fim a 40 anos da “doutrina Chevron”. A Corte declarou que a “Lei de Processo Administrativo exige que os tribunais exerçam o seu julgamento independente, ao decidir se uma agência agiu dentro da sua competência legal”, de modo que “os tribunais não podem deferir à interpretação da lei realizada por uma agência simplesmente porque uma lei é ambígua”.
Deve-se esperar que a mudança de entendimento da Suprema Corte dos EUA produza alterações significativas no papel do Poder Judiciário no controle dos atos administrativos nacionais? Embora Brasil e EUA sejam duas federações democráticas, os sistemas constitucionais de freios e contrapesos, as origens dos direitos (civil law e common law) e componentes históricas sugerem haver diferenças relevantes na divisão de atribuições entre os Poderes Executivo e Judiciário nos dois países.
No Brasil, vivemos sob a égide da presunção (relativa) de legitimidade do ato administrativo, e é certo que não cabe ao magistrado substituir o juízo discricionário do gestor, na formulação e implantação das políticas públicas, pelo seu.
No entanto, o movimento de constitucionalização do direito administrativo trouxe várias amarras aos administradores, que passaram a estar sujeitos a uma plêiade de princípios constitucionais e legais, explícitos e implícitos, sob pena de nulidade dos seus atos. O poder do administrador também vem sendo limitado por crescentes exigências de caráter procedimental, como a realização de consultas públicas, e de fundamentação baseada em evidências, como análise de impacto regulatório.
A superação da doutrina Chevron nos EUA traz ao Brasil uma oportunidade de reflexão sobre os alicerces que embasam a separação dos poderes e conferem legitimidade à atuação da Administração Pública. Aludir a um dever de deferência, em abstrato, talvez não seja a forma mais adequada de se referir ao limite de revisão judicial sobre atos administrativos.
A motivação legítima da decisão, traduzida na relação de coerência entre fatos e fundamentos jurídicos (com respeito aos princípios constitucionais e às leis), e o respeito ao devido processo legal devem ser os verdadeiros sustentáculos da decisão administrativa. Aliás, se não explicada em termos adequados, a ideia de deferência pode se aproximar à de supremacia de interesse público naquilo em que seus <a href="https://www.amazon.com.br/Interesses-P%C3%BAblicos-Versus-Privados/dp/8573877103">críticos</a> a questionam – o risco de violação a direitos fundamentais.

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JOTA

Limite de revisão judicial numa perspectiva comparada

Superação da doutrina Chevron e a legitimidade do ato administrativo

Limite de revisão judicial numa perspectiva comparada