Opinião e Análise

Mariana Mota Prado

Assim como o Brasil, vários países enfrentam um retrocesso democrático. Diferentemente dos golpes de Estado que promoviam rupturas democráticas de forma abrupta, esse retrocesso tem se caracterizado pelo <a href="https://www.journalofdemocracy.org/articles/on-democratic-backsliding/">desmonte progressivo e incremental</a> dos pilares do Estado de Direito e do sistema democrático. Líderes com tendências autoritárias estão usando uma <a href="https://chicagounbound.uchicago.edu/uclrev/vol85/iss2/2/">retórica de respeito formal às leis e aos direitos</a> para violar seu espírito. Parte desse processo de desmonte ocorre <a href="https://www.cambridge.org/core/books/democratic-backsliding-and-public-administration/DF0647299CC083950D51920264CCFAB2">dentro da administração pública</a>. Com o uso de instrumentos como decretos, regulamentos e nomeações a cargos comissionados, esses líderes buscam concentrar poder no Executivo e eliminar mecanismos de controle da administração pública. 
Esse processo levanta uma questão importante: a administração pública e o Direito Administrativo poderiam conter de alguma forma o avanço de forças iliberais e antidemocráticas? 
<a href="https://www.youtube.com/watch?v=SaqFWfXYdz8">Cientistas políticos afirmam</a> que há evidência de resistência dentro da administração pública em alguns países, mas de apoio em outros. No próprio caso brasileiro, as evidências são ambíguas. Por um lado, <a href="https://www.cambridge.org/core/books/abs/democratic-backsliding-and-public-administration/working-shirking-and-sabotage-in-times-of-democratic-backsliding-an-experimental-study-in-brazil/DC5EE1F4720DC462C15DB65E0176B12A">João Victor Guedes Neto e B. Guy Peters</a> conduziram um experimento em que pediram para funcionários públicos no nível municipal indicarem como reagiriam a situações hipotéticas em que o governo tentasse implementar políticas nocivas à democracia, como cerceamento de direitos. Os resultados iniciais são animadores: a vasta maioria tenderia a resistir ou sabotar a implementação de tais políticas. 
Na vida real, no entanto, a história parece ser mais complicada. <a href="https://pex-network.com/special-reports/page/6/">Gabriela Lotta e Mariana Silveira</a> fizeram um levantamento de estratégias de coerção usadas pelo governo Bolsonaro contra servidores públicos no nível federal, com entrevistas e questionários. As respostas indicam que há algumas tentativas de oposição, por formas distintas: boicote, resistência, sobrevivência (fazer o mínimo necessário para não ser demitido) ou abandono (o que inclui pedidos de licença e exoneração). O problema é que raramente as tentativas de coerção ocorrem apenas uma vez. Assim, ainda que alguns funcionários públicos tentem resistir, quanto mais tempo o governo estiver no poder, mais elaboradas e bem-sucedidas se tornarão as formas de coerção, enfraquecendo progressivamente o poder de resistência inicial.
Esse fenômeno chama atenção para a relação intrínseca entre Direito Administrativo e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/estado-democratico-de-direito">Estado democrático de Direito</a>. Por exemplo, regimes de contratação de servidores podem determinar, em grande parte, o volume, a intensidade e mesmo a forma de resistências a potenciais tentativas de acúmulo de poder. É premente, portanto, que administrativistas reconheçam seu papel no combate ao retrocesso democrático, e que reflitam sobre as maneiras de prevenir sua continuidade no Brasil.

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JOTA

Pesquisas mostram limites e possibilidades de combate jurídico ao retrocesso

Retrocesso democrático e Direito Administrativo

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