Opinião e Análise

Floriano de Azevedo Marques Neto

A Tripartição dos Poderes, cunhada por Montesquieu no século XVIII, se incorporou à cultura jurídica e aos textos constitucionais (CF, art. 2o). A independência e harmonia dos poderes se tornou premissa das democracias. Forte como ideal democrático, ela é falha como explicação operacional. Com foco na sociedade e não no Estado, a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann expõe a identidade e as interações entre política, economia, direito e sociedade. No lugar de independência e harmonia, trabalha com conceitos mais intrincados como identidade, complexidade e acoplamento estrutural. Sociologicamente mais bem elaborada, ela é pouco útil como ideal democrático. 
A evolução tecnológica, em especial no ambiente digital, mostra a importância do diálogo entre estas duas concepções. 
Países debatem como regular as redes sociais e a inteligência artificial. O sistema político demostra dificuldade em legislar sobre o assunto, em função das interações com o sistema econômico (os interesses são enormes) e social (dada a centralidade que a internet ocupa na vida das pessoas). O Congresso, nos EUA e no Brasil, patina em chegar a um consenso, ou mesmo uma maioria sólida, que permita editar uma legislação efetiva. 
Dois fatos na semana passada demonstram que o judiciário está tomando a frente do legislativo nesta regulação. 
Nos EUA, a Suprema Corte iniciou julgamento sobre a constitucionalidade da exigência de moderação de conteúdo e de exclusão de postagens nas redes sociais. 
No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tse">TSE</a>) publicou as <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/sem-precedentes/tse-regula-ia-e-desinformacao-nas-eleicoes-mas-o-que-ainda-falta-fazer-01032024">Resoluções </a>que regerão as eleições deste ano. Nelas, regula o uso da inteligência artificial (IA), a responsabilização das operadoras de redes por distribuir conteúdos sabidamente falsos, antidemocráticos, de ódio. Detalha os limites de como estas empresas devem exercer seu “dever de cuidado” e o procedimento de retirada de conteúdos. 
Nos dois casos, o Judiciário requalifica a independência entre poderes. Mas ao mesmo tempo, face à inércia do legislador e do sistema político, o sistema jurídico provoca o legislativo e os atores econômicos a reagir. Dias depois do início do julgamento na Suprema Corte americana, a Meta anunciou a criação de uma equipe para combater conteúdos falsos criados por IA em eleições.  
Após o movimento do TSE, o governo e o Parlamento brasileiros anunciaram a retomada do projeto de lei para regulamentar as plataformas e a IA. Nos dois casos, vemos a interação entre o funcionamento do sistema jurídico-judicial e os sistemas político e econômico. Esse engate, longe de ser imune a riscos, apresenta uma nova harmonia entre os Poderes. Uma harmonia tensa, mas operacional. O protagonismo judicial não é fruto só de eventual voluntarismo de juízes. É decorrência da dificuldade – ou do esgarçamento – dos sistemas político, econômico e social em lidar com um mundo cada vez mais digital e impactado pela IA.
Não é preciso o uso de IA para fazer Montesquieu e Luhmann dialogarem. Basta a inteligência, sem apego aos artificialismos.

praça-dos-três-poderes-ebc

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Inteligência artificial propicia um encontro animado entre  Montesquieu e Luhmann

Os poderes podem ser harmônicos, mas nunca serão independentes

Não é preciso o uso de IA para fazer Montesquieu e Luhmann dialogarem. Basta a inteligência, sem apego aos artificialismos.