Opinião e Análise

Jacintho Arruda Câmara

É comum, na virada do ano, surgirem previsões sobre o futuro. Nós, administrativistas, costumamos lançá-las o ano inteiro. Parece boa estratégia para evitar a concorrência dos oráculos de réveillon. Nossas premonições são direcionadas a normas recém-aprovadas ou a seus projetos.
A maioria dessas previsões é pessimista. Quanto pior, melhor. Pelo menos para o adivinho, que ganha respeito por sua seriedade, coragem e, claro, sabedoria de antever a catástrofe inevitável. Qualquer mudança é para pior; essa é a tendência dos vaticínios.
Arrisco diagnóstico com base no olhômetro puro e autossuficiente, como fazemos ao lançar projeções. Nosso índice de acerto deve se equiparar ao dos papagaios de realejo. Normal. Não é fácil prever o futuro. Há, contudo, uma característica indesejável dessa prática. Essas projeções, mesmo não confirmadas, acabam usadas como referência em aulas de graduação, pesquisas de pós-graduação e decisões judiciais, como se fossem verdades.
Reuni exemplos de previsões que, embora não tenham se confirmado, ainda repercutem como se verdadeiras fossem:
<ul>
<li>“A transferência dos contratos de concessão pode levar a fraude na licitação." O suposto risco chegou a influenciar votos no STF, que depois de mais de 20 anos de vigência da regra, temeram por esse possível desvio, jamais apontado em concreto. Felizmente a realidade se impôs e a impugnação foi rejeitada pela maioria dos ministros.</li>
<li>“O regime complementar da previdência especial dos servidores vai acabar com a atratividade da carreira pública." Ainda não foi percebido decréscimo no interesse pelas carreiras públicas. Ao contrário. Os inscritos em concursos públicos aumentam ano a ano.</li>
<li>“A fase recursal única no pregão vai prejudicar o direito de recurso do licitante.” O modelo foi experimentado, aprovado e estendido para as licitações em geral, sem oposição dos órgãos judicantes.</li>
<li>“O orçamento sigiloso nas licitações induzirá ao vazamento de informações privilegiadas para direcionar os certames.” As primeiras licitações realizadas com sigilo do orçamento apresentaram alto índice de frustação, devido à apresentação de valores acima do orçamento por todos os licitantes, a regra foi bem avaliada por órgãos de controle e incorporada à legislação geral.</li>
<li>“A nova LINDB inviabilizará o controle da administração pública e protegerá corruptos." Órgãos de controle permanecem atuantes e não se demonstra redução na punibilidade de corruptos por causa de qualquer dispositivo novo introduzido na LINDB.</li>
</ul>
O agouro prejudica. Não é questão de superstição. Dificulta a execução das normas; distorce sua interpretação. É importante preservar o discurso jurídico de expectativas refutadas pela realidade. Projetar efeitos para as normas jurídicas é tarefa difícil e ainda em desenvolvimento no nosso país. É importante separar as projeções técnicas produzidas como requisito regulatório de meros palpites lançados sem base científica. O primeiro orienta a tomada de decisão; o segundo, geralmente, é só torcida contra.

oráculo delfos

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Antes dos estudos de impacto regulatório, o direito administrativo brasileiro conviveu com os maus presságios dos administrativistas

Os administrativistas e nossas previsões agourentas

Antes dos estudos de impacto regulatório, o direito administrativo brasileiro conviveu com os maus presságios dos administrativistas