Marçal Justen Filho
Sócio fundador de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini Advogados
O Tribunal de Contas da União adota entendimento de que não lhe incumbe reprimir práticas administrativas defeituosas que acarretem danos aos particulares. Invoca a natureza objetiva do controle realizado. Segundo o TCU, cabe-lhe verificar a compatibilidade dos atos administrativos com as normas superiores, tomando em vista a preservação do interesse público. Por isso, condutas administrativas lesivas aos direitos e interesses dos particulares devem ser levadas à apreciação do Poder Judiciário e o TCU se omite na reprovação de práticas administrativas antijurídicas, quando a lesão afetar o sujeito privado.
Ocorre que a distinção não reflete a disciplina constitucional, que erigiu os direitos fundamentais como fundamento da ordem jurídica e administrativa brasileira. Inexiste cabimento para diferenciar controle de legalidade “a favor” da Administração e “a favor” do particular. Condutas ilegais e abusivas são infringentes da ordem jurídica, independentemente da identidade do sujeito lesado. A reprovação do Direito à ilegalidade não é limitada apenas à proteção da Administração Pública.
O entendimento do TCU revela uma abordagem limitada quanto ao conceito de “interesse público”, identificando-o como “interesse do Erário”. Mas o “interesse público” é muito mais amplo do que a conveniência patrimonial do Estado brasileiro. Compreende a realização dos fins últimos da Nação brasileira e não se restringe ao interesse secundário de defesa dos cofres públicos. Desmerecer os direitos fundamentais de um particular infringe o interesse público. Inexiste autorização para a autoridade pública admitir lesão a direito fundamental de um particular, nem mesmo sob o argumento da ausência de prejuízo (direto) ao Erário.
Ademais, o enfoque é equivocado porque a conduta administrativa lesiva ao particular é potencialmente danosa aos cofres públicos. O Estado será responsabilizado civilmente pelo Judiciário, o que pode envolver valores vultosos. Ignorar a lesão ao particular e remeter a questão ao Judiciário não significa defender nem mesmo o interesse público secundário. A promoção da economicidade, da eficiência e da eficácia da gestão administrativa exige impedir a prática de condutas que produzirão passivos futuros para o Erário.
O TCU entende (de modo perfeito) que a prevenção de práticas danosas é necessária para assegurar a melhor gestão dos recursos públicos. Essa mesma prevenção impõe a determinação das medidas adequadas e necessárias para evitar o surgimento de direito do particular a ser indenizado por conduta danosa praticada por agente público.
O TCU tem um encontro marcado com a tutela aos direitos fundamentais. Embora não exercite atividade jurisdicional, é necessário que a sua atuação observe os direitos fundamentais. Isso compreende proteger o particular contra o arbítrio estatal, mesmo no âmbito do controle objetivo do TCU – que existe não apenas para defender os interesses da Administração.