Opinião e Análise

Floriano de Azevedo Marques Neto

Nos últimos anos, o STF se tornou objeto de críticas (algumas sérias, outras inconsequentes). Suas decisões são hoje positivamente escrutinadas com rigor. A estrutura decisória, seus vícios e vieses, o perfil dos seus membros têm sido objeto de papers, livros e teses. Reputo isso a três circunstâncias: a) o aumento da importância da Corte e dos pontos de engate estrutural com os sistemas político, econômico e, nas questões de costumes, do sistema social; b) uma maior transparência decisória; e c) a inflexão acadêmica por um modelo de pesquisa mais afiliada à tradição americana em que a jurisprudência, a jurimetria e a crítica institucional ganham relevo.
Pontos de fraqueza institucional foram apontados. Ativismo judicial. Insulação dos juízes. Perda da colegialidade. Avocação de atribuições próprias ao Legislativo (e de perda de identidade sistêmica por isso). Excessiva proatividade decisória traduzida no uso ampliado do instrumento da modulação de efeitos. Há uma enorme agenda de pesquisa em torno do funcionamento da Corte.
Nestes dias, o balanço do mandato da ministra Rosa Weber e a posse do ministro Luís Roberto Barroso na presidência do Supremo ocuparam as atenções.
E um fato raro e muito positivo acabou por passar desapercebido. Foi encerrado o polêmico julgamento da ADI que discutiu a <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/marco-temporal-quem-ocupou-terra-de-boa-fe-tem-direito-a-indenizacao-decide-stf-27092023">inconstitucionalidade do marco temporal</a> para demarcação de terras indígenas. Ruralistas desgostaram e articulam esvaziá-la por Emenda Constitucional. Lideranças indígenas se descontentaram por entender que, tal como decidida, a demarcação será dificultada. Naturais as críticas. Prevaleceu um voto médio que, a um só tempo, repele a tese do limitador temporal enquanto coloca condicionantes que dificultam as demarcações. Um voto ponderado já é um avanço diante da estrutura decisória da Corte e do antagonismo das posições, inclusive entre ministros.
Mas o ponto mais relevante foi a forma como se chegou à decisão final, especialmente no tema das condicionantes. Não por acaso, na última sessão presidida pela ministra Rosa o STF construiu coletivamente a decisão final sobre a questão. A partir de uma consolidação feita pelo ministro Dias Toffoli com base nos votos antes proferidos, o acórdão final foi resultante de contribuições e ponderações feitas em plenário pelos ministros Fachin, Alexandre de Moraes, Barroso, Zanin, André Mendonça, Gilmar Mendes e Rosa. Julgadores  concordaram, em público, em abandonar pontos mais polêmicos nos quais não havia consenso.
Nessa interação assistimos um esforço conjunto, verificamos ponderações e concessões mútuas. Em suma, a decisão final foi coletiva e dialógica. Como deve ser em uma instância colegiada. Naquele momento se deixaram de lado as teses individuais em favor de uma solução equilibrada. O esforço deve ser reconhecido. Não se constrói uma jurisprudência constitucional com um mosaico de opiniões individuais. A decisão coletiva, mediada e modulada é um grande avanço. Que saibamos reconhecer, independente de gostar ou desgostar do resultado final. A solução para a inconstitucionalidade do marco temporal pode não ser a melhor. Mas foi aquela que reflete a opinião média da Corte atual. Como há de ser.

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JOTA

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