Opinião e Análise

Jacintho Arruda Câmara

O direito público brasileiro vive momento raro. Uma série de contratos de concessão, de variados setores, chega quase que simultaneamente ao seu termo. Graças a isso, assuntos próprios a essa etapa final têm recebido atenção inédita. Prorrogação de contrato e reversibilidade de bens, por exemplo, jamais tinham sido objeto de tanta atenção. Por estarem reservados à produção de efeitos ao fim de contratos de longa duração, seguiram latentes sem despertar questionamentos importantes. Esses são debates adequados à fase de encerramento das concessões.
O epílogo das concessões, porém, tem provocado outra ordem de debate jurídico, este inoportuno: o revisionismo contratual. Chamo de “revisionismo” pleitos que buscam alterar, somente ao final do contrato, a interpretação de cláusulas e outras regras que tiveram aplicação reiterada pelas partes ao longo de toda a execução do contrato. Não se trata de dúvidas justificáveis sobre cláusulas e temas até então inertes, cujos efeitos tenham ficado naturalmente reservados ao momento final das concessões. Esse revisionismo tem recaído, por exemplo, sobre fórmulas de revisão e reajuste reiteradamente aplicadas sobre aditivos há muito pactuados e até sobre práticas de execução contratual conhecidas e jamais impugnadas.
A prescrição seria a barreira natural para assegurar a preservação de situações já consolidadas pelo passar do tempo. Mas esse instrumento tem sido contornado em litígios envolvendo concessões. A tese utilizada para revolver o passado remoto é a de que questões inerentes às concessões só teriam prazo prescricional iniciado com o término do contrato. Essa interpretação é incorreta e gera ambiente fértil para distorções. Relações contratuais como as das concessões produzem eventos que repercutem juridicamente de modo imediato, devendo ser reclamados a tempo e hora e não só após a extinção do contrato por termo.
Com essa fenda na estabilização de atos e fatos jurídicos por decurso de prazo, eventos ocorridos no primeiro ano de vigência de uma concessão, mesmo que jamais tenham sido questionados ao longo de sua execução, poderiam vir a ser impugnados e mudar de sentido até depois de findo o contrato. Na prática, a prosperar essa tese, concessões e seus regulamentos poderão ser reinterpretados após cumprirem integralmente seus efeitos, sem questionamento, durante décadas. A postura mais uma vez colide com o direito brasileiro, que impede a aplicação retroativa de novas interpretações (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm">LINDB</a>, art. 24).
Rever práticas e interpretações contratuais adotadas pelas partes durante período considerável de sua execução é medida inconsequente. Acena para a sociedade que o pactuado pode ser revisto mesmo após o contrato ter sido executado, após a realização de investimentos e prestação de serviços. No momento em que o país busca incrementar as parcerias com a iniciativa privada, esse desapego ao decidido no passado transmite péssima mensagem. Lembra o dito: “no Brasil, até o passado é incerto”. Quem se arrisca?

Linhas de transmissão

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JOTA

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