Opinião e Análise

Floriano de Azevedo Marques Neto

Em <a href="https://academia.edu/resource/work/97876927">artigo recente</a>, Carlos Ari Sundfeld fez um diagnóstico atual sobre o Direito Administrativo e prognosticou o surgimento de um novo modelo, mais fragmentário e disfuncional. 
Compartilho sua visão de esgotamento do modelo e das causas que aponta. Mas creio que quem está em crise é a vulgata em que o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/direito-administrativo">Direito Administrativo</a> se transformou. Promovido como capaz de proteger o indivíduo do abuso do poder e conter a ação do Estado, este ramo jurídico foi se convertendo em salvo conduto para coartar os privados ou bloquear ações inovadoras aptas a tornar o Estado mais útil ao cidadão. Especialmente no Brasil, sob o influxo do patrimonialismo, do positivismo autoritário e do pretorianismo que marcam a estrutura do Estado brasileiro, nosso Direito Administrativo nunca seguiu a expectativa liberal  de ser um direito de proteção do indivíduo.
Consolidou-se como cidadela jurídica das burocracias públicas, que ora bloqueiam o que não desejam, ora tudo justificam quando lhes é conveniente. Na falta de uma jurisdição administrativa, o administrativismo passou a corresponder aos desígnios da burocracia. É ela que interpreta o que seja o “interesse público”, apoiando-se nos ditames dos cardeais da doutrina. Nada disso mais se sustenta. 
A figura do jurista perdeu importância. Não apenas porque multiplicam-se exponencialmente seus simulacros, de autores de livros em quadrinhos a “juristas de TikTok”. Perdem relevância porque não cabe mais apenas a eles, vivos ou redivivos em edições infinitas post mortem, interpretar o direito administrativo. 
É o fundamentalismo administrativista que apresenta sinais de colapso. Tal qual ocorreu com a religião ao tempo das reformas protestantes, esse fundamentalismo entra em crise pois i) começa a ser “interpretado” por múltiplos “pastores” (tribunais de contas, ministérios públicos, autoridades disputantes das competências sobrepostas) e ii) não mais atende às necessidades, materiais ou ideológicas, da contemporaneidade. 
O novo direito público vai sendo construído na prática. 
Ele é desafiado a ser menos principiológico e mais comprometido com a eficiência e a eficácia. Resultados importam. Tem que ser aberto à inovação e ao experimentalismo: o novo não pode ser suspeito de ilícito. Mais dialógico e menos baseado na autoridade. Muito menos hierárquico e mais matricial. 
Livre da pretensão sistêmica de um regime jurídico único e coerente, terá que conviver com inúmeros sub-sistemas dotados de identidade e diferenciação. E, acima de tudo, o sistema jurídico-administrativo perde a sua ambição de suficiência coerência internas para ser bem mais permeável ao ambiente político e econômico. A “pureza” metodológica cede ao sincretismo multidisciplinar. 
O Direito Administrativo surgiu de necessidades concretas do liberalismo e da ordem capitalista. Tornou-se crescentemente antiliberal e não republicano. As necessidades contemporâneas exigem sua refundação. 
O Direito não inaugura o novo tempo. Ele apenas se adapta à realidade.

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JOTA

O Direito Administrativo na encruzilhada

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